Dona Norbinda Mendes, conceituada e afreguesada modista, tinha duas
filhas gémeas do primeiro, curto e intenso casamento e uma enteada do
segundo marido. Não fazia distinção entre as três raparigas,
sensivelmente da mesma idade e que se davam muitíssimo bem entre elas,
se bem que Silvina, uma morena de constituição física sólida, alegre,
extrovertida e brincalhona, se situasse nos antípodas das irmãs Amélia e
Dulce: louras, delicadas, de olhos azuis, faces ligeiramente rosadas,
introvertidas e iguaizinhas.
Dona Norbinda nunca se tinha preocupado em vestir as filhas de igual,
porquanto, no seu entender, essa prática poderia prejudicar a formação
das personalidades das filhas, o que não queria dizer que isso
constituísse uma regra absoluta, muito especialmente a nível de adereços
e enfeites.
Quando fizeram 18 anos, a madrinha, emigrada em Paris, trouxe-lhes dois
vestidos do mesmo tamanho e feitio, de uma conhecida marca de pronto a
vestir. As manas gostaram muito e a mãe gabou a boa qualidade e o
cuidadoso acabamento.
Na manhã do dia da festa do aniversário, Amélia disse para a irmã,
depois de se vestirem:
– Dulcinha, vou ter um problema, a partir de agora, para saber qual é o
meu vestido e o teu.
– Talvez não, Melinha, os vestidos vão adaptar-se aos nossos corpos.
Passaram-se uns tempos e, no dia do aniversário de Silvina, quando
quiseram usar de novo os vestidos, não conseguiram lembrar-se qual era o
que tinham anteriormente utilizado.
– Eu não te disse, Dulcinha?
– Para a próxima, isto não torna a acontecer, vamos pôr um alfinete.
Um mês mais tarde, quando resolveram levar os vestidos a uma festa
organizada por uma amiga, a dúvida mantinha-se. As duas tinham pregado
dois alfinetes iguais, do lado esquerdo.
– Não torna a suceder. Vou pedir a uma das costureiras da mamã para
subir a bainha do meu um dedo.
Assim o fez, no dia seguinte, na presença de Silvina que resolveu
aproveitar-se da situação para dar largas ao seu feitio brincalhão. A
costureira subiu a bainha de um dos vestidos e ela, que tinha muito
jeito para a costura, subiu por igual a do outro.
Para o Baile de Passagem de Ano, na Sociedade Recreativa, quando pegaram
nos vestidos, verificaram que as alturas eram iguais.
– A Necas enganou-se, mas, para a próxima vez, não vai haver dúvidas.
Vou dizer-lhe para pôr o meu de meia manga.
A Silvina teve conhecimento desta decisão e, depois da Amélia ter
recebido das mãos da costureira Necas o seu vestido de meia manga,
foi-se ao da Dulce e subiu as mangas por igual.
Depois de mais uma tentativa para diferençar os vestidos, que consistiu
na alteração de um dos decotes, mas não querendo dizer nada à mãe, que
já começava a andar desconfiada com tantas alterações, resolveram pedir
ajuda à Silvina, não lhes passando pela cabeça que era ela quem estava
na base daquelas confusões.
– Vininha, temos andado com um problema que nos anda a apoquentar,
porque até parece que há almas do outro mundo, nesta casa e queríamos
pedir-te auxílio, pois sabemos que és nossa amiga.
– Digam-me do que é que se trata. Se eu vos puder ajudar, podem contar
comigo.
– Como sabes, a nossa madrinha ofereceu-nos, como prenda de anos, dois
vestidos com as mesmas medidas e feitio e nós nunca gostámos de vestir a
roupa uma da outra, se bem que nos sirva perfeitamente. Assim, já
fizemos tudo para os tornar diferentes: mandámos subir a bainha de um e
o outro apareceu igual; mandámos pôr um de manga curta e, passado uns
dias, o outro estava também de manga subida; mandámos mudar um decote e,
olha aqui, o outro está com o decote igualzinho. Parece ou não parece
bruxaria?
– Mas afinal, qual é a vossa dificuldade?
– Vininha, gostamos muito dos vestidos, mas não sabemos distinguir qual
deles é o nosso.
– É só isso? Já podiam ter-me dito há mais tempo que eu tinha-vos
poupado todos esses trabalhos e aflições.
– Então como é que havemos de fazer?
– É simples. Dulcinha, tu ficas com o vermelho e a Melinha com o azul.
– Obrigado, Vininha, já sabíamos que nos ias ajudar.
19.02.2015 |