Ficções e Recordações - 2015

As gémeas

Dona Norbinda Mendes, conceituada e afreguesada modista, tinha duas filhas gémeas do primeiro, curto e intenso casamento e uma enteada do segundo marido. Não fazia distinção entre as três raparigas, sensivelmente da mesma idade e que se davam muitíssimo bem entre elas, se bem que Silvina, uma morena de constituição física sólida, alegre, extrovertida e brincalhona, se situasse nos antípodas das irmãs Amélia e Dulce: louras, delicadas, de olhos azuis, faces ligeiramente rosadas, introvertidas e iguaizinhas.

Dona Norbinda nunca se tinha preocupado em vestir as filhas de igual, porquanto, no seu entender, essa prática poderia prejudicar a formação das personalidades das filhas, o que não queria dizer que isso constituísse uma regra absoluta, muito especialmente a nível de adereços e enfeites.

Quando fizeram 18 anos, a madrinha, emigrada em Paris, trouxe-lhes dois vestidos do mesmo tamanho e feitio, de uma conhecida marca de pronto a vestir. As manas gostaram muito e a mãe gabou a boa qualidade e o cuidadoso acabamento.

Na manhã do dia da festa do aniversário, Amélia disse para a irmã, depois de se vestirem:

– Dulcinha, vou ter um problema, a partir de agora, para saber qual é o meu vestido e o teu.

– Talvez não, Melinha, os vestidos vão adaptar-se aos nossos corpos.

Passaram-se uns tempos e, no dia do aniversário de Silvina, quando quiseram usar de novo os vestidos, não conseguiram lembrar-se qual era o que tinham anteriormente utilizado.

– Eu não te disse, Dulcinha?

– Para a próxima, isto não torna a acontecer, vamos pôr um alfinete.

 Um mês mais tarde, quando resolveram levar os vestidos a uma festa organizada por uma amiga, a dúvida mantinha-se. As duas tinham pregado dois alfinetes iguais, do lado esquerdo.

– Não torna a suceder. Vou pedir a uma das costureiras da mamã para subir a bainha do meu um dedo.

 Assim o fez, no dia seguinte, na presença de Silvina que resolveu aproveitar-se da situação para dar largas ao seu feitio brincalhão. A costureira subiu a bainha de um dos vestidos e ela, que tinha muito jeito para a costura, subiu por igual a do outro.

Para o Baile de Passagem de Ano, na Sociedade Recreativa, quando pegaram nos vestidos, verificaram que as alturas eram iguais.

– A Necas enganou-se, mas, para a próxima vez, não vai haver dúvidas. Vou dizer-lhe para pôr o meu de meia manga.

 A Silvina teve conhecimento desta decisão e, depois da Amélia ter recebido das mãos da costureira Necas o seu vestido de meia manga, foi-se ao da Dulce e subiu as mangas por igual.

Depois de mais uma tentativa para diferençar os vestidos, que consistiu na alteração de um dos decotes, mas não querendo dizer nada à mãe, que já começava a andar desconfiada com tantas alterações, resolveram pedir ajuda à Silvina, não lhes passando pela cabeça que era ela quem estava na base daquelas confusões.

– Vininha, temos andado com um problema que nos anda a apoquentar, porque até parece que há almas do outro mundo, nesta casa e queríamos pedir-te auxílio, pois sabemos que és nossa amiga.

– Digam-me do que é que se trata. Se eu vos puder ajudar, podem contar comigo.

– Como sabes, a nossa madrinha ofereceu-nos, como prenda de anos, dois vestidos com as mesmas medidas e feitio e nós nunca gostámos de vestir a roupa uma da outra, se bem que nos sirva perfeitamente. Assim, já fizemos tudo para os tornar diferentes: mandámos subir a bainha de um e o outro apareceu igual; mandámos pôr um de manga curta e, passado uns dias, o outro estava também de manga subida; mandámos mudar um decote e, olha aqui, o outro está com o decote igualzinho. Parece ou não parece bruxaria?

– Mas afinal, qual é a vossa dificuldade?

– Vininha, gostamos muito dos vestidos, mas não sabemos distinguir qual deles é o nosso.

– É só isso? Já podiam ter-me dito há mais tempo que eu tinha-vos poupado todos esses trabalhos e aflições.

– Então como é que havemos de fazer?

– É simples. Dulcinha, tu ficas com o vermelho e a Melinha com o azul.

– Obrigado, Vininha, já sabíamos que nos ias ajudar.

 

19.02.2015