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Mecinha, fui colocado em Aveiro. Quanto a ti, nada.
Angelino Grazina, professor de História, tinha acabado de ver, na Net,
que tinha de se apresentar, na próxima segunda-feira, na Escola
Secundária José Estêvão, na cidade de que só tinha ouvido falar da Ria,
dos barcos moliceiros e dos ovos moles. A sua mulher, licenciada em
Línguas e Literaturas Modernas, variante Português-Francês, teria de
continuar à espera.
À noite, telefonou para o tio Almeida, moleiro-chefe de uma moagem
daquela cidade, há alguns anos, pedindo ajuda para arranjar alojamento,
tendo ouvido como resposta:
– O teu primo vai estar, para a semana, em Lisboa, numa acção de
formação, pelo que podes ficar cá em casa. Depois, arranjar quarto vai
ser muito fácil, porque, nesta terra, há muitos para alugar por causa da
Universidade. Olha, traz a Mécia contigo, porque eu, no dia 15, tenho de
ir aí abaixo e levo-a de volta.
No dia seguinte à noitinha, o tio foi buscá-los à estação. No domingo de
manhã, andaram pela cidade e, à tarde, foram até à Barra e à Costa Nova.
Depois de jantar, a família ligou para a habitual telenovela e Angelino
resolveu ir para o quarto e procurar, no “Google”, informações sobre
Aveiro, pesquisa que se prolongou até que, de madrugada, a mulher, que
há muito se tinha vindo deitar, lhe disse:
– Tem paciência, mas já são mais do que horas de fechar a luz. Estás
para aí, há uma data de tempo, a fazer de conta que lês e eu quero
dormir.
Concordou, até porque estava a ficar confuso com tanta e tão variada
informação, tentada adquirir em muito pouco tempo e resolveu dormir a
sério e na posição habitual.
Na primeira aula, Angelino procurou colher conhecimentos sobre os seus
alunos, a dois níveis: social e cultural. Poucos minutos antes de
acabar, perguntou:
– Alguém sabe quem foi José Estêvão? (Silêncio sepulcral.) Então sendo a
grande maioria de vocês de Aveiro, ninguém conhece José Estêvão!
Luís, chefe de turma, levantou o dedo.
– Eu não conheço, mas o meu avô fala muito do senhor Zé Estêvão que foi
um senhor que andou ao bacalhau...
– Não é desse senhor que se trata. Bem, quinta-feira, toda a gente vai
trazer meia página sobre o José Estêvão, Patrono desta Escola.
Ao sair, encontrou o auxiliar de acção educativa do andar que lhe
perguntou:
– Bom dia, senhor professor, correu bem a primeira aula?
– Começou bem, mas acabou mal.
– Porquê? Faltaram-lhe ao respeito?
– Não. Perguntei quem era José Estêvão. Só respondeu o chefe de turma
que, não sei se a mangar comigo, disse que era um amigo do avô dele.
– Ó senhor doutor, o rapaz não estava a brincar. Eu sou vizinho dos pais
dele e conheci também o senhor Estêvão, a quem chamavam...
– Desculpe interromper, mas estou com pressa. Até logo.
À hora de almoço, contou à mulher e à tia, o tio tinha ido comer com uns
amigos, o que se tinha passado.
– Isto é uma terra de ignorantes. Não querem lá saber que um aluno e um
contínuo me disseram que José Estêvão tinha sido pescador de bacalhau!
– Ó homem, eles, que são de cá, talvez tenham razão.
Angelino travou uma resposta torta dirigida à mulher e, para mudar de
conversa, perguntou:
– Tia, onde é que eu posso comprar o jornal?
– Lembras-te daquele sítio, onde vimos uma data de barcos? Fica no
caminho para a Escola. Pergunta lá, que te dizem onde é.
Acabado o almoço, encontrou facilmente o local de venda de jornais,
fácil de identificar pelos expositores externos, e perguntou se tinham o
“Diário” ou o “Correio” do Alentejo.
– Não.
– Pode mandar vir?
– Depende; durante quanto tempo?
– Até ao fim do ano lectivo.
– Sendo assim, dentro de dois ou três dias pode procurar.
– Então o doutor também é professor? (Perguntou um indivíduo engravatado
que folheava uma revista.)
– Na José Estêvão. E o senhor?
– Foi a minha última Escola, mas já estou reformado.
– E que pensa da nossa Escola? (Inquiriu Angelino, tentando obter
informações que lhe pudessem vir a ser úteis, sem saber que estava a
falar com o Albino Vígário, licenciado em paleio e doutorado no
cravanço.)
– Tem pressa?
– Não, só tenho uma aula às quatro.
– Então, convido-o para tomar um cafezinho.
– Quem convida sou eu.
– Já que insiste, aceito. Vou só pagar esta revista. Ó diabo! Ou deixei
o porta-moedas em casa, ou perdi-o, ou então fui roubado. A minha mulher
vai ficar danada comigo por não poder ler, logo à noite, a história da
“Casa dos Segredos”.
– Não há problema. Eu pago a revista.
– Nem pense nisso. Aceito que a compre, mas amanhã é dia de eu ir à José
Estêvão encontrar-me com ex-colegas. Retribuirei o café e
devolver-lhe-ei o dinheiro que agora me empresta.
Sentaram-se na esplanada fronteira, mandaram vir os cafés e uma
aguardente para o Albino que estava com problemas de digestão.
– Então como lhe têm corrido as aulas?
– Hoje, foi o meu primeiro dia e confesso ter ficado desagradavelmente
surpreendido com o nível cultural de alunos do 8º Ano. Calcule que
ninguém sabia quem foi José Estêvão que eu, aliás, não sendo de Aveiro,
não conheço muito bem.
– Então, cavalheiro, talvez desconheça que o nosso Tribuno, a quem
Aveiro muito deve, pertencia a uma das famílias mais ricas da cidade.
Por exemplo, um seu primo, Alfredo Esteves, era dono de um Banco e,
quando foi necessário construir um novo Liceu, a família ofereceu o
terreno. Tinha o nome de Liceu Nacional de Aveiro, mas as pessoas, não
só por gratidão, mas também considerando o local, começaram a chamar-lhe
Liceu do José Estêvão, tendo o Ministério da Educação acabado por
adoptar a actual designação, para evitar confusões. Desculpe, eu bem
procuro ver-me livre deste maldito vício do tabaco, até deixei ficar o
maço em casa para evitar fumar, mas estou a ficar hipo-nicotínico e logo
sem dinheiro.
– Não sou fumador, mas posso auxiliá-lo. (Disse Angelino, dando-lhe uma
nota de cinco euros.)
– Muito obrigado e prazer em conhecê-lo, amanhã dou-lhe o dinheiro.
(Respondeu Albino, piscando o olho ao sorriso cúmplice do empregado de
mesa.)
No regresso à Escola, tomou um caminho diferente do da manhã e deparou
com a estátua que reconheceu como sendo a de José Estêvão. Olhando-a,
tristemente, pensou: “És muito mal conhecido na tua terra. Ainda não
encontrei ninguém que soubesse que foi, durante o teu último mandato
como Presidente da Câmara, que foi construído um Liceu com pedras da
muralha mandada levantar por D. Afonso V, a fim de defender a cidade,
onde a filha tinha ingressado no convento de que era abadessa a grande
proprietária de salinas situadas em Coimbra, Mumadona Dias, a quem o
Africano deu ordens expressas para que nunca fosse permitida a entrada
ao Duque de Aveiro que nutria uma grande paixão pela Infanta
Joana.”
O retinir de uma campainha, num dos grandes prédios vizinhos,
interrompeu a sua cogitação, apercebendo-se de que se tratava de uma
Escola Secundária, porque muitos rapazes e raparigas abandonavam o
edifício.
Chegado à José Estêvão, encontrou, na Sala de Professores, um jovem
colega. Apresentaram-se e Angelino perguntou qual era o nome do
estabelecimento de ensino situado junto à Estátua de José Estêvão, tendo
ouvido a seguinte elucidação:
– Tem o nome de um jornalista aveirense, Homem Cristo, Director de um
jornal que, para iludir a Censura, mudou várias vezes de nome, tendo
sido o primeiro “Campeão das Províncias” e o último “Litoral”.
26.01.2015 |