Dona Cristiana Dora,
conceituada e afreguesada modista, tinha duas filhas gémeas do
primeiro, curto e intenso casamento e uma enteada do segundo
marido. Não fazia distinção entre as três raparigas, cuja
diferença de idade não era muita e que se davam muitíssimo bem
entre elas, mau grado Silvina, uma morena de constituição física
sólida, alegre, extrovertida e brincalhona, se situasse nos
antípodas das irmãs Amélia e Dulce: louras, delicadas, de olhos
azuis, faces ligeiramente rosadas, introvertidas e iguaizinhas.
Dona Cristiana nunca
se tinha preocupado em vestir as filhas de igual, porquanto, no
seu entender, essa prática poderia prejudicar a formação das
personalidades das filhas, o que não queria dizer que isso
constituísse uma regra absoluta, muito especialmente a nível de
adereços e enfeites.
Quando fizeram 18
anos, a madrinha, emigrada em Paris, trouxe-lhes dois vestidos
do mesmo tamanho e feitio, de uma conhecida marca de pronto a
vestir. As manas gostaram muito e a mãe gabou a boa qualidade e
o cuidadoso acabamento.
Na manhã do dia da
festa do aniversário, Amélia disse para a irmã, depois de se
vestirem:
–
Dulcinha, vou ter um problema, a partir de agora, para saber
qual é o meu vestido e o teu.
– Talvez não,
Melinha, os vestidos vão adaptar-se aos nossos corpos.
Passaram-se uns
tempos e, no dia do aniversário de Silvina, quando quiseram usar
de novo os vestidos, não conseguiram lembrar-se qual era o que
tinham anteriormente utilizado.
– Eu não te disse,
Dulcinha?
– Para a próxima,
isto não torna a acontecer, vamos pôr um alfinete.
Um mês mais tarde,
quando resolveram levar os vestidos a uma festa organizada por
uma amiga, a dúvida mantinha-se. As duas tinham pregado dois
alfinetes iguais, do lado esquerdo.
– Não torna a
suceder. Vou pedir a uma das costureiras da mamã para subir a
bainha do meu um dedo.
Assim o fez, no dia
seguinte, na presença de Silvina que resolveu aproveitar-se da
situação para dar largas ao seu feitio brincalhão. A costureira
subiu a bainha de um dos vestidos e ela, que tinha muito jeito
para a costura, subiu por igual a do outro.
Para o Baile de
Carnaval, na Sociedade Recreativa, quando pegaram nos vestidos,
verificaram que as alturas eram iguais.
– A Necas
enganou-se, mas, para a próxima vez, não vai haver dúvidas. Vou
dizer-lhe para pôr o meu de meia manga.
A Silvina teve
conhecimento desta decisão e, depois da Amélia ter recebido das
mãos da costureira Necas o seu vestido de meia manga, foi-se ao
da Dulce e subiu as mangas por igual.
Depois de mais uma
tentativa para diferençar os vestidos, que consistiu na
alteração de um dos decotes, mas não querendo dizer nada à mãe,
que já começava a andar desconfiada com tantas alterações,
resolveram pedir ajuda à Silvina, não lhes passando pela cabeça
que era ela quem estava na base daquelas confusões.
– Vininha, temos
andado com um problema que nos anda a apoquentar, porque até
parece que, nesta casa, há almas do outro mundo, e queríamos
pedir-te auxílio, pois sabemos que és nossa amiga.
– Digam-me do que é
que se trata. Se eu vos puder ajudar, podem contar comigo.
– Como sabes, a
nossa madrinha ofereceu-nos, como prenda de anos, dois vestidos
com as mesmas medidas e feitio e nós nunca gostámos de vestir a
roupa uma da outra, se bem que nos sirva perfeitamente. Assim,
já fizemos tudo para os tornar diferentes: mandámos subir a
bainha de um e o outro apareceu igual; mandámos pôr um de manga
curta e, passado uns dias, o outro estava também de manga
subida; mandámos mudar um decote e, olha aqui, o outro está com
o decote igualzinho. Parece ou não parece bruxaria?
– Mas afinal, qual é
a vossa dificuldade?
– Vininha, gostamos
muito dos vestidos, mas não sabemos distinguir qual deles é o
nosso.
– É só isso? Já
podiam ter-me dito há mais tempo que eu tinha-vos poupado todos
esses trabalhos e aflições.
– Então como é que
havemos de fazer?
– É simples.
Dulcinha, tu ficas com o vermelho e a Melinha com o azul.
– Obrigado, Vininha, já sabíamos que nos ias ajudar.
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Nota do Autor -
Quando efectuei a
caracterização das personagens, não mencionei que as
manas gémeas não eram daltónicas.
In "Diário de
Aveiro" –
1-3-2022
Diamantino Dias |