J. S. de Sousa Baptista, Vidais do Rossio de Arrancada, vol. XII, pp. 297-303

VIDAIS DO ROSSIO

DE ARRANCADA

A CASA do Rossio de Arrancada, pela boa tradição que ainda hoje conserva, foi certamente solar de família distinta, quer pela ascendência moral que a notabilizou, quer pelos bens de fortuna que deveriam ter sido relativamente abastados.

Situada ao fundo de Arrancada, a meio caminho entre esta e Aldeia, demora em sítio airoso e bem iluminado pelo Sol, passando-lhe em face a velha estrada que vai para Águeda e Aveiro. Por 1870, todavia, quando o Visconde de Aguieira estava em pleno apogeu da sua influência política, nova rodovia foi aberta, partindo em perpendicular àquela morada e em recta que se encurva ao fundo da aba da colina do calvário da Veiga, para encontrar-se com a antiga via, que vinha e vem por Aldeia, povoação outrora, para trás do século XVI, denominada Arrancadinha, à entrada de Aguieira, onde hoje se ergue o cruzeiro desta localidade. Esta nova rodovia ficou conhecida como estrada da Ponte Nova, em razão do viaduto edificado sobre o córrego da Ribeira da Pena, para diferençá-lo do pontiihão que sobre o mesmo córrego existia no trecho da antiga via. Ponte Nova que estrangeiro depois de largo tempo domiciliado na Freguesia, quando a ela se referia, sublinhava com graça: Pont vieux toujours neuf, porque, na verdade, para nova já conta uns anitos...

Nos dois ângulos rectos formados pela perpendicular da estrada nova, situam-se, no de Leste, os edifícios do grupo escolar de Arrancada, e no de Oeste, recente edificação de moradias para obreiros.

Os denominados Vidais do Rossio aqui viveram pouco mais de um século, tendo por chefes os Drs. José de Almeida Vidal e seu filho, António José Bernardo de Almeida Vidal. Dos numerosos filhos deste, somente dois deixaram geração: José Marcelino, que foi casar em Oliveira de Bairro e cujos netos vieram a vender os remanescentes da Casa, e Josefa / 298 / Maria Quaresma, cuja neta, Felicidade, faleceu em 28 de Agosto de 1830, não lhe havendo encontrado notícia de outros netos.

Conforme ficou dito, os netos de José Marcelino, o velho, Maria Antónia Ribeiro Quaresma e Emília Quaresma de Almeida, primas, alienaram o que restava do casal do Rossio. Casou a primeira com o farmacêutico Leonel Aires dos Santos Maia, de cuja prole, que saibamos, apenas resta o Sr. Virgílio Maia, Chefe da Secretaria Geral do Ministério do Interior, e consorciou-se a segunda com Fernando de Morais Camarte, barbeiro, dentista e cocheiro, homem de extravagantes ideias e jogador. Dele se contam histórias várias. Assim se diz que um dia lhe morrera um cavalito, não provocando o facto admiração, pois não pertencia Camarte à confraria dos protectores de animais. Não podia, contudo, o nosso homem perder a soma correspondente ao valor do cavalito, e daí a imediata congeminação da forma de como haveria de amealhar aquela importância. Lembrou-se então de torrar alguns dos ossos do falecido animal, de que, após trituração, fez massa com a qual preparou certa quantidade de pílulas, intrometendo, a meio de cada uma destas, uma larva de queijo podre. E com semelhante mezinha, vá de ir pelas feiras apregoar:

Desaparece rapidamente toda a dor de dentes com as maravilhosas pílulas que aqui vedes. Todos os sofrimentos de dentes são motivados por um bicho que anda dentro deles e que as minhas pílulas tiram prontamente.

A freguesia chegava pouco a pouco, e o nosso dentista colocava sobre a língua de cada padecente uma das pílulas, mandando que o remediado bem a vascolejasse com uma pouca de água que punha à sua disposição, após o que lhe ordenava deitasse em pequena bacia a água bochechada, onde logo ondeava a nutrida larva do queijo.

Viu?, acrescentava então. Não lhe disse que toda a dor de dentes era causada por um bicho? E agora, dói-lhe alguma coisa? Pergunta a que o burlado, sob o império da sugestão, respondia: Não, não me dói nada.

E assim reuniu regular quantia. O diabo foi a autoridade que lhe deu na seara, obrigando-o a desistir de tão lucrativa terapêutica.

Um dia, vínhamos nós de Coimbra, e como chegasse muito atrasado o comboio a Oliveira de Bairro, fomos forçado a pedir a Camarte que no seu carrito nos trouxesse a Águeda. Ora, a meio do caminho, através da sua verbosidade, saiu-se-nos com esta:

Dizem que há alma; pois eu vou provar-lhe já que não há alma nenhuma. Vai um navio cheio de gente no mar, navio que naufraga vindo a morrer muitos dos passageiro / 299 / afogados. Ora, diga-me: se houvesse alma, como poderia ela atravessar a água, vir cá para fora?...

Do velho solar do Rossio, que haveria sido sempre térreo, apenas insignificante parcela resta. Depois de ali haver desaparecido o último dos Vidais, que deixaram quase todos este sobrenome para só conservarem o oriundo da mãe Quaresma , de Oliveira de Bairro foi mandada para ali por D. Antónia Josefina Quaresma uma rapariga à qual deu uma pequena parte da velha moradia. Julgamos tratar-se de alguma filha natural de José Marcelino, o velho, irmã daquela, portanto, a qual veio a casar com José Gomes, carpinteiro; casamento de que resultou uma filha com descendentes.

A morada do Rossio está hoje dividida, vindo dela a nomeada de que datariam os seus Vidais do princípio da monarquia. De tão antiga gente não encontrámos rasto, todavia. O apogeu da família seria alcançado na vida do Dr. António José de Almeida Vidal, em consequência do seu casamento com Iria Quaresma, sobrenome de alto relevo nos séculos XVII e XVlII em Valongo, pela sua união com o ramo dos grandes Vidais, de Arrancada.

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Casamentos e filiações sem data foram deduzidos por alusões recíprocas, ora em uns, ora em outros dos respectivos assentos, como segue:


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J. S. DE SOUSA BAPTISTA

 

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