A CASA do Rossio de Arrancada,
pela boa tradição que
ainda hoje conserva, foi certamente solar de família distinta, quer pela
ascendência moral que a notabilizou, quer pelos bens de fortuna que
deveriam ter sido relativamente abastados.
Situada ao fundo de Arrancada, a meio caminho entre esta e Aldeia,
demora em sítio airoso e bem iluminado pelo
Sol, passando-lhe em face a velha estrada que vai para Águeda
e Aveiro. Por 1870, todavia, quando o Visconde de Aguieira estava em
pleno apogeu da sua influência política, nova rodovia foi aberta,
partindo em perpendicular àquela morada e em recta que se encurva ao
fundo da aba da colina do calvário da Veiga, para encontrar-se com a
antiga via, que vinha e vem por Aldeia, povoação outrora, para trás do
século XVI, denominada Arrancadinha, à entrada de Aguieira, onde hoje se
ergue o cruzeiro desta localidade. Esta nova rodovia ficou conhecida
como estrada da Ponte Nova, em razão do viaduto edificado sobre o
córrego da Ribeira da Pena, para diferençá-lo do pontiihão que sobre o mesmo córrego existia no
trecho da antiga via. Ponte Nova que estrangeiro depois de largo tempo
domiciliado na Freguesia, quando a ela se referia, sublinhava com graça:
Pont vieux toujours neuf, porque, na verdade, para nova já conta uns
anitos...
Nos dois ângulos rectos formados pela perpendicular da estrada nova,
situam-se, no de Leste, os edifícios do grupo escolar de Arrancada, e no
de Oeste, recente edificação de moradias para obreiros.
Os denominados Vidais do Rossio aqui viveram pouco mais de um século,
tendo por chefes os Drs. José de Almeida Vidal e seu filho, António José
Bernardo de Almeida Vidal. Dos numerosos filhos deste, somente dois
deixaram geração:
José Marcelino, que foi casar em Oliveira de Bairro e cujos
netos vieram a vender os remanescentes da Casa, e Josefa
/
298 /
Maria Quaresma, cuja neta, Felicidade, faleceu em 28 de Agosto de 1830,
não lhe havendo encontrado notícia de
outros netos.
Conforme ficou dito, os netos de José Marcelino, o velho,
−
Maria Antónia Ribeiro Quaresma e Emília Quaresma de Almeida, primas, alienaram
o que restava do casal do Rossio. Casou a primeira com o farmacêutico
Leonel Aires dos Santos Maia, de cuja prole, que saibamos, apenas resta
o Sr. Virgílio Maia, Chefe da Secretaria Geral do Ministério do
Interior, e consorciou-se a segunda com Fernando de Morais Camarte,
barbeiro, dentista e cocheiro, homem de extravagantes ideias e jogador.
Dele se contam histórias várias. Assim se diz que um dia lhe morrera um
cavalito, não provocando o facto admiração, pois não pertencia Camarte
à confraria dos protectores de animais. Não podia, contudo, o nosso homem
perder a soma correspondente ao valor do cavalito, e daí a imediata
congeminação da forma de como
haveria de amealhar aquela importância. Lembrou-se então de torrar
alguns dos ossos do falecido animal, de que, após trituração, fez massa
com a qual preparou certa quantidade de pílulas, intrometendo, a meio de
cada uma destas, uma
larva de queijo podre. E com semelhante mezinha, vá de ir pelas feiras
apregoar:
−
Desaparece rapidamente toda a dor de dentes com as maravilhosas
pílulas que aqui vedes. Todos os sofrimentos de dentes são motivados por
um bicho que anda dentro deles e que as minhas pílulas tiram
prontamente.
A freguesia chegava pouco a pouco, e o nosso dentista colocava sobre a
língua de cada padecente uma das pílulas, mandando que o remediado bem a
vascolejasse com uma pouca de água que punha à sua disposição, após o
que lhe ordenava deitasse em pequena bacia a água bochechada, onde logo
ondeava a nutrida larva do queijo.
−
Viu?, acrescentava então.
−
Não lhe disse que toda a dor de dentes era
causada por um bicho? E agora, dói-lhe alguma coisa? Pergunta a que o
burlado, sob o império da sugestão, respondia:
−
Não, não me dói nada.
E assim reuniu regular quantia. O diabo foi a autoridade que lhe deu na
seara, obrigando-o a desistir de tão lucrativa terapêutica.
Um dia, vínhamos nós de Coimbra, e como chegasse
muito atrasado o comboio a Oliveira de Bairro, fomos forçado a pedir a Camarte que no seu carrito nos trouxesse
a Águeda. Ora, a meio do caminho, através da sua verbosidade, saiu-se-nos com esta:
−
Dizem que há alma; pois eu vou provar-lhe já que
não há alma nenhuma. Vai um navio cheio de gente no
mar, navio que naufraga vindo a morrer muitos dos passageiro
/
299 / afogados. Ora, diga-me: se houvesse alma, como
poderia ela atravessar a água, vir cá para fora?...
Do velho solar do Rossio, que haveria sido sempre
térreo, apenas insignificante parcela resta. Depois de ali
haver desaparecido o último dos Vidais, que deixaram quase
todos este sobrenome para só conservarem o oriundo da mãe
− Quaresma
−, de Oliveira de Bairro foi mandada para ali
por D. Antónia Josefina Quaresma uma rapariga à qual deu
uma pequena parte da velha moradia. Julgamos tratar-se de
alguma filha natural de José Marcelino, o velho, irmã daquela,
portanto, a qual veio a casar com José Gomes, carpinteiro;
casamento de que resultou uma filha com descendentes.
A morada do Rossio está hoje dividida, vindo dela a
nomeada de que datariam os seus Vidais do princípio da monarquia. De tão
antiga gente não encontrámos rasto,
todavia. O apogeu da família seria alcançado na vida do
Dr. António José de Almeida Vidal, em consequência do
seu casamento com Iria Quaresma, sobrenome de alto relevo nos séculos XVII e XVlII em Valongo, pela sua união com o
ramo dos grandes Vidais, de Arrancada.
*
*
*
Casamentos e filiações sem data foram deduzidos por alusões recíprocas,
ora em uns, ora em outros dos respectivos assentos, como segue:
CLIQUE NO BOTÃO DA PÁGINA SEGUINTE PARA VER OS ASSENTOS
J. S. DE SOUSA BAPTISTA |