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            Naquele dia 
            senti-me caçador. E era-o de facto, mas caçador de imagens, pois a 
            minha "arma" era apenas a máquina fotográfica. E com ela "atirei" 
            bastas vezes, a toda a caça que aparecia: antílopes, gazelas, grous, 
            abutres, girafas e até elefantes. 
            
            Aconteceu isto no 
            parque natural de Waza, um dos três parques dos Camarões, onde a 
            bicharada é preservada do assalto dos predadores e onde a natureza é 
            ainda isso mesmo, sem quaisquer vestígios de civilização. Estou a 
            lembrar-me da observação que me fez o condutor do pequeno "bus" onde 
            viajávamos, quando atirei fora o invólucro vazio de um filme que 
            coloquei na máquina, fazendo-me ver que eu estava a conspurcar a 
            natureza. Tomei a guardar o invólucro para me desfazer dele apenas 
            quando voltasse à "civilização". 
            
            Waza situa-se na parte norte do 
            país, a cerca de cento e vinte quilómetros da cidade de Maroua, onde 
            o avião das Cameroon Airlines nos deixou, para começarmos a nosso "safari 
            photo" de quatro dias. Do grupo faziam ainda parte o Carl 
            Collini, companheiro habitual destas saídas, e o Joseph Grüber, um 
            cinquentão simpático, director de qualquer departamento da firma 
            austríaca que está encarregada da montagem da fábrica, isto no que 
            respeita a gente daqui. Os restantes, entrados em Douala e em 
            Yaoundé, eram um casal de franceses, julgo que apenas acasalados e 
            de fresca data, / 
            69 / pois iam para a cama muito cedo (bom, será talvez 
            exagero, ou malícia, afirmar que iam para a cama, será melhor dizer 
            que se retiravam cedo), a trabalharem numa refinaria em construção 
            para os lados de Vitória e uma velhota holandesa, sexagenária 
            bastante avançada que fazia turismo com um filho, médico dentista, 
            ligeiramente estrábico. 
            
            Percorremos então 
            os meandros do parque durante vários quilómetros procurando a 
            bicharada ao longo do percurso. Eu e o Carl, no tejadilho da 
            carrinha, para "dispararmos" mais à vontade, os restantes menos 
            desconfortavelmente sentados no interior da mesma. Acompanhava-nos 
            um guia, habituado a esta animalesca toda e especialmente com vista 
            à localização dos elefantes, que embora sendo os de maiores 
            dimensões são os mais difíceis de ver, pois geralmente afastam-se 
            dos pequenos trilhos por onde os carros passam. 
            
            Começámos por 
            procurá-los no habitual "mare" (pequeno lago), onde eles se 
            vêm dessedentar e tomar a sua banhoca. Mas nesse dia, ou porque o 
            tivessem já feito ou não fosse dia de banho, os paquidermes não 
            apareceram. O guia colocou os ouvidos no solo mas veio dizendo que 
            estavam bastante longe. Eu fiz o mesmo mas confesso que não ouvi 
            nada. Ainda esperámos uma boa meia hora, mas os "trombudos" não 
            estavam pelos ajustes em se aproximar. 
            
            Entretanto eles 
            deveriam por ali ter passado há pouco tempo, porque havia merda 
            fresca. À cautela, e para que não me viessem depois dizer: "então 
            tiveste no parque e não viste os elefantes", o que era uma vergonha, 
            fui tirando umas fotografias às "caganitas" (umas senhoras 
            caganitas, do tamanho de bolas de futebol), ao menos sempre mostrava 
            depois alguma coisa elefantíade.  
            
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            70 / Uns bons quilómetros 
            mais adiante, a carrinha afrouxa e ouvimos o condutor avisar-nos 
            para o tejadilho; "não façam barulho que os elefantes estão perto". 
            De momento nada vimos, mas acreditámos e bico calado, porque os 
            bichos parece que embirram solenemente com o mínimo ruído e eram 
            capazes de vir por ali desencabrestados e não quero imaginar o que 
            seja uma carga destes energúmenos, passando por cima de qualquer de 
            nós. 
            
            Após uma curva lá 
            os lobrigámos (eram quatro) aí uns cem metros, para o lado esquerdo. 
            De orelhas arrebitadas, com os seus pequeninos olhos pareciam 
            observar-nos com a mesma curiosidade com que nós os olhávamos. 
            
            A carrinha parou, 
            descemos e o guia disse-nos que o seguíssemos sem fazer barulho. Se 
            o fizermos segundo a direcção contrária à do vento (para os tipos 
            não nos cheirarem) e sem espalhafato, podemo-nos aproximar até uns 
            quarenta metros. Foi o que aconteceu, não sem um sobressalto, pois o 
            "raio da velha" resolveu tentar aproximar-se mais e noutra direcção 
            (inconsciência ou o facto de nada ter já a recear deste mundo?!), 
            mas o guia foi buscá-la "pelos colarinhos". 
            
            Então, durante um 
            bom quarto de hora, houve ali um frente a frente com os paquidermes, 
            que estiveram praticamente quietos, apenas abanando as orelhas, 
            decerto para a malta poder fazer os "instantâneos" à vontade, o que 
            todos aproveitaram. Quando se satisfizeram de olhar para o bicho 
            homem, foram-se afastando, fazendo uma enorme nuvem de poeira, pois 
            decidiram tomar um banho de areia, decerto como protesto quanto à 
            intrusão. E foram à sua vida. 
            
            Nós, 
            satisfeita a curiosidade, montámos de novo e seguimos para o resto 
            da visita ao parque. Agora só nos
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            faltava o leão, mas esses fizeram-se rogados. Ainda houve alguém que 
            disse ver, ou julgou ver tal era a vontade, um pequenino ao longe a 
            correr. Decerto quis apenas impingir-nos "gato por leão"... 
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