Acesso à página inicial
António Carretas, Sawadi Krap! - Crónicas de Viagens, 1ª ed., Aveiro, 1994, págs. 68 a 71.

Waza Parc

(ou o frente a frente com os elefantes)


Naquele dia senti-me caçador. E era-o de facto, mas caçador de imagens, pois a minha "arma" era apenas a máquina fotográfica. E com ela "atirei" bastas vezes, a toda a caça que aparecia: antílopes, gazelas, grous, abutres, girafas e até elefantes.

Aconteceu isto no parque natural de Waza, um dos três parques dos Camarões, onde a bicharada é preservada do assalto dos predadores e onde a natureza é ainda isso mesmo, sem quaisquer vestígios de civilização. Estou a lembrar-me da observação que me fez o condutor do pequeno "bus" onde viajávamos, quando atirei fora o invólucro vazio de um filme que coloquei na máquina, fazendo-me ver que eu estava a conspurcar a natureza. Tomei a guardar o invólucro para me desfazer dele apenas quando voltasse à "civilização".

Waza situa-se na parte norte do país, a cerca de cento e vinte quilómetros da cidade de Maroua, onde o avião das Cameroon Airlines nos deixou, para começarmos a nosso "safari photo" de quatro dias. Do grupo faziam ainda parte o Carl Collini, companheiro habitual destas saídas, e o Joseph Grüber, um cinquentão simpático, director de qualquer departamento da firma austríaca que está encarregada da montagem da fábrica, isto no que respeita a gente daqui. Os restantes, entrados em Douala e em Yaoundé, eram um casal de franceses, julgo que apenas acasalados e de fresca data, / 69 / pois iam para a cama muito cedo (bom, será talvez exagero, ou malícia, afirmar que iam para a cama, será melhor dizer que se retiravam cedo), a trabalharem numa refinaria em construção para os lados de Vitória e uma velhota holandesa, sexagenária bastante avançada que fazia turismo com um filho, médico dentista, ligeiramente estrábico.

Percorremos então os meandros do parque durante vários quilómetros procurando a bicharada ao longo do percurso. Eu e o Carl, no tejadilho da carrinha, para "dispararmos" mais à vontade, os restantes menos desconfortavelmente sentados no interior da mesma. Acompanhava-nos um guia, habituado a esta animalesca toda e especialmente com vista à localização dos elefantes, que embora sendo os de maiores dimensões são os mais difíceis de ver, pois geralmente afastam-se dos pequenos trilhos por onde os carros passam.

Começámos por procurá-los no habitual "mare" (pequeno lago), onde eles se vêm dessedentar e tomar a sua banhoca. Mas nesse dia, ou porque o tivessem já feito ou não fosse dia de banho, os paquidermes não apareceram. O guia colocou os ouvidos no solo mas veio dizendo que estavam bastante longe. Eu fiz o mesmo mas confesso que não ouvi nada. Ainda esperámos uma boa meia hora, mas os "trombudos" não estavam pelos ajustes em se aproximar.

Entretanto eles deveriam por ali ter passado há pouco tempo, porque havia merda fresca. À cautela, e para que não me viessem depois dizer: "então tiveste no parque e não viste os elefantes", o que era uma vergonha, fui tirando umas fotografias às "caganitas" (umas senhoras caganitas, do tamanho de bolas de futebol), ao menos sempre mostrava depois alguma coisa elefantíade.

/ 70 / Uns bons quilómetros mais adiante, a carrinha afrouxa e ouvimos o condutor avisar-nos para o tejadilho; "não façam barulho que os elefantes estão perto". De momento nada vimos, mas acreditámos e bico calado, porque os bichos parece que embirram solenemente com o mínimo ruído e eram capazes de vir por ali desencabrestados e não quero imaginar o que seja uma carga destes energúmenos, passando por cima de qualquer de nós.

Após uma curva lá os lobrigámos (eram quatro) aí uns cem metros, para o lado esquerdo. De orelhas arrebitadas, com os seus pequeninos olhos pareciam observar-nos com a mesma curiosidade com que nós os olhávamos.

A carrinha parou, descemos e o guia disse-nos que o seguíssemos sem fazer barulho. Se o fizermos segundo a direcção contrária à do vento (para os tipos não nos cheirarem) e sem espalhafato, podemo-nos aproximar até uns quarenta metros. Foi o que aconteceu, não sem um sobressalto, pois o "raio da velha" resolveu tentar aproximar­-se mais e noutra direcção (inconsciência ou o facto de nada ter já a recear deste mundo?!), mas o guia foi buscá-la "pelos colarinhos".

Então, durante um bom quarto de hora, houve ali um frente a frente com os paquidermes, que estiveram pra­ticamente quietos, apenas abanando as orelhas, decerto para a malta poder fazer os "instantâneos" à vontade, o que todos aproveitaram. Quando se satisfizeram de olhar para o bicho homem, foram-se afastando, fazendo uma enorme nuvem de poeira, pois decidiram tomar um banho de areia, decerto como protesto quanto à intrusão. E foram à sua vida.

Nós, satisfeita a curiosidade, montámos de novo e seguimos para o resto da visita ao parque. Agora só nos / 71 / faltava o leão, mas esses fizeram-se rogados. Ainda houve alguém que disse ver, ou julgou ver tal era a vontade, um pequenino ao longe a correr. Decerto quis apenas impingir-nos "gato por leão"...
 


  Página anterior Página inicial Página seguinte