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António Carretas, Sawadi Krap! - Crónicas de Viagens, 1ª ed., Aveiro, 1994, págs. 72 a 75.

Oudjila, no harém do chefe Mozogo


Quem vai de Maroua para o norte, ao chegar a Mora, dá com uma placa identificadora indicando para a esquerda a direcção de Oudjila, uma das atracções turísticas do norte dos Camarões, de visita obrigatória.

Em Mora, havíamos parado cerca de uma hora para uma breve olhadela pelo mercado local, um dos mais variados e completos deste país de estranhos contrastes e diferentes tipos humanos e paisagísticos.

Neste mercado, onde se verifica uma balbúrdia infernal, encontramos os mais variados tipos de gente. Já pelo caminho até Mora, encontrámos ao longo da estrada, fazendo uns bons quilómetros a pé, com a "mercadoria" à cabeça, dezenas ou mesmos centenas de locais, na maioria mulheres.

E dois tipos completamente diferentes de mulheres encontrámos como vendedeiras neste mercado; as mulheres Kirdi, das montanhas, animistas, de cabeça completamente rapada, seios nus, apenas uma tanga a tapar as "partes" e as mulheres das zonas baixas, da savana, normalmente mu­çulmanas, completamente vestidas da cabeça aos pés, mas com cores garridas que dão ao local um colorido gritante, mas ao mesmo tempo harmonioso. Ao fim do dia, estas mulheres voltam de novo a fazer quilómetros para regressar às suas aldeias, a maior parte sem fazer grande negócio.

Aqui neste mercado encontrei a criatura mais pequena / 73 / com que até à data topei. Não tinha mais de 50 centímetros de altura, vestia uma cabala (miniatura, é claro) que não permitia distinguir de que sexo seria; a sua voz nada identificava também, pois a criatura em questão era já idosa e nos velhos as vozes por vezes confundem-se. Fez questão em apertar a mão aos brancos que ali se dignaram aparecer, o que fiz não sem uma certa relutância, diga-se de passagem. E só não "bati uma chapa" daquela espécie de gente, um pouco por receio das consequências (que às vezes esta malta dá-lhes para embirrar com os portadores de máquinas fotográficas).

Bom, satisfeita a curiosidade do mercado de Mora, seguimos na direcção de Oudjila. A estrada é terrível, tortuosa pela montanha, ladeada por largos blocos de granito, estreita, que só a perícia do condutor do pequeno "bus", habituado a todas as semanas a fazer o mesmo percurso turístico (disse-nos que o faz já há quinze anos), permitia percorrê-la sem percalços.

Mesmo no topo da colina é que se encontra o "palácio" do chefe desta comarca (Oudjila), com várias aldeias (clãs familiares), dispersas pelas pequenas colinas adjacentes.

Logo que chegámos ao largo fronteiriço ao "palácio" do chefe Mozogo (é assim que o homem se chama), fomos de imediato rodeados de uma boa dezena de "putos", que nos interpelavam pedindo "un petit cadeau" (um pequeno presente), que no caso se traduz por qualquer moeda, por pequena que seja. Um deles "agarrou-se-me" positivamente, apelando: - "papa, papa, un petit cadeau". Aquela do papá intrigou-me, e vá de, pelos dedos da mão direita (a esquerda estava ocupada com a máquina fotográfica, indispensável nestas ocasiões), começar a contar o tempo que aqui estava, / 74 / só me deu onze meses, o puto tinha já uns sete ou oito anos, nunca aqui havia estado antes. Ná! Era impossível! E retorqui-lhe: olha lá, pazinho, e se fosses chamar pai a outro!...

O "palácio" do chefe desta aldeia Kirdi é dividido em duas secções: há um pátio interior com um piso de dança e um harém ladeado por uma larga parede de pedra, que se diz ter 350 anos.

Neste harém, que é um verdadeiro labirinto (não sei se de lá sairia sem a ajuda do guia), o chefe Mozogo vive com as suas 47 mulheres e os seus 94 filhos. "Alambazado" este chefe, han!,..

A primeira sala é para a corte habitual do chefe, quando reúne. A segunda e a terceira são o santuário do "palácio", pois albergam respectivamente o túmulo do pai do chefe e a sala de orações com nove enormes vasos de barro, cheios de "mil" (planta da mesma família do nosso milho, mas com uma espiga diferente). Num canto desta última sala estava o boi sagrado, que será comido pelos aldeões durante um festival no qual também consomem a cerveja que fazem com o "mil" dos nove potes. A chamada bebedeira colectiva!...

Uns degraus mais abaixo está construído o celeiro. Depois chega-se ao verdadeiro harém onde vivem as mulheres do chefe. Cada uma tem uma cabana, com um quarto de dormir, dois celeiros (potes) onde colocam o "mil" das colheitas e uma lareira. O espaço denominado quarto de dormir não é mais do que uma circunferência (as cabanas são redondas), com cerca de dois metros de diâmetro!

O chefe, no entanto, tem dois quartos: um no piso inferior, onde recebe as suas mulheres (segundo nos / 75 / informam, duas cada noite, e não deve ser só para dormir, pois 94 filhos não é dormir que se arranjam! Ah!, "ganda" chefe!...), e outro, para o qual é necessário subir uma vintena de degraus (que subi às apalpadelas pois estava escuro como breu), onde ao lado da sua fotografia se vêm as fotografias dos presidentes Nixon, Pompidou, Giscard, Ahidjo (este dos Camarões) e o que foi em tempos vice-presidente dos USA, Spiro Agnew. Resumindo: as fotografias dos "colegas"...

Para finalizar, assistimos a uma dança local, mais propriamente a simulação da dança, que antecede a escolha de novas mulheres (ainda mais?!) para o chefe, entre as adolescentes das aldeias que pertencem a esta comarca de nome Oudjila, "dominada" pelo chefe Mozogo.
 


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