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            Quem vai de 
            Maroua para o norte, ao chegar a Mora, dá com uma placa 
            identificadora indicando para a esquerda a direcção de Oudjila, uma 
            das atracções turísticas do norte dos Camarões, de visita 
            obrigatória. 
            
            Em Mora, havíamos 
            parado cerca de uma hora para uma breve olhadela pelo mercado local, 
            um dos mais variados e completos deste país de estranhos contrastes 
            e diferentes tipos humanos e paisagísticos. 
            
            Neste mercado, 
            onde se verifica uma balbúrdia infernal, encontramos os mais 
            variados tipos de gente. Já pelo caminho até Mora, encontrámos ao 
            longo da estrada, fazendo uns bons quilómetros a pé, com a 
            "mercadoria" à cabeça, dezenas ou mesmos centenas de locais, na 
            maioria mulheres. 
            
            E dois tipos 
            completamente diferentes de mulheres encontrámos como vendedeiras 
            neste mercado; as mulheres Kirdi, das montanhas, animistas, de 
            cabeça completamente rapada, seios nus, apenas uma tanga a tapar as 
            "partes" e as mulheres das zonas baixas, da savana, normalmente 
            muçulmanas, completamente vestidas da cabeça aos pés, mas com cores 
            garridas que dão ao local um colorido gritante, mas ao mesmo tempo 
            harmonioso. Ao fim do dia, estas mulheres voltam de novo a fazer 
            quilómetros para regressar às suas aldeias, a maior parte sem fazer 
            grande negócio. 
            
            Aqui neste mercado encontrei a 
            criatura mais pequena
            / 73 / com 
            que até à data topei. Não tinha mais de 50 centímetros de altura, 
            vestia uma cabala (miniatura, é claro) que não permitia distinguir 
            de que sexo seria; a sua voz nada identificava também, pois a 
            criatura em questão era já idosa e nos velhos as vozes por vezes 
            confundem-se. Fez questão em apertar a mão aos brancos que ali se 
            dignaram aparecer, o que fiz não sem uma certa relutância, diga-se 
            de passagem. E só não "bati uma chapa" daquela espécie de gente, um 
            pouco por receio das consequências (que às vezes esta malta dá-lhes 
            para embirrar com os portadores de máquinas fotográficas). 
            
            Bom, satisfeita a 
            curiosidade do mercado de Mora, seguimos na direcção de Oudjila. A 
            estrada é terrível, tortuosa pela montanha, ladeada por largos 
            blocos de granito, estreita, que só a perícia do condutor do pequeno 
            "bus", habituado a todas as semanas a fazer o mesmo percurso 
            turístico (disse-nos que o faz já há quinze anos), permitia 
            percorrê-la sem percalços. 
            
            Mesmo no topo da 
            colina é que se encontra o "palácio" do chefe desta comarca (Oudjila), 
            com várias aldeias (clãs familiares), dispersas pelas pequenas 
            colinas adjacentes. 
            
            Logo que chegámos ao largo 
            fronteiriço ao "palácio" do chefe Mozogo (é assim que o homem se 
            chama), fomos de imediato rodeados de uma boa dezena de "putos", que 
            nos interpelavam pedindo "un petit cadeau" (um pequeno 
            presente), que no caso se traduz por qualquer moeda, por pequena que 
            seja. Um deles "agarrou-se-me" positivamente, apelando: - "papa, 
            papa, un petit cadeau". Aquela do papá intrigou-me, e vá de, 
            pelos dedos da mão direita (a esquerda estava ocupada com a máquina 
            fotográfica, indispensável nestas ocasiões), começar a contar o 
            tempo que aqui estava,
            / 74 / só me 
            deu onze meses, o puto tinha já uns sete ou oito anos, nunca aqui 
            havia estado antes. Ná! Era impossível! E retorqui-lhe: olha 
            lá, pazinho, e se fosses chamar pai a outro!... 
            
            O "palácio" do 
            chefe desta aldeia Kirdi é dividido em duas secções: há um pátio 
            interior com um piso de dança e um harém ladeado por uma larga 
            parede de pedra, que se diz ter 350 anos. 
            
            Neste harém, que 
            é um verdadeiro labirinto (não sei se de lá sairia sem a ajuda do 
            guia), o chefe Mozogo vive com as suas 47 mulheres e os seus 94 
            filhos. "Alambazado" este chefe, han!,.. 
            
            A primeira sala é 
            para a corte habitual do chefe, quando reúne. A segunda e a terceira 
            são o santuário do "palácio", pois albergam respectivamente o túmulo 
            do pai do chefe e a sala de orações com nove enormes vasos de barro, 
            cheios de "mil" (planta da mesma família do nosso milho, mas com uma 
            espiga diferente). Num canto desta última sala estava o boi sagrado, 
            que será comido pelos aldeões durante um festival no qual também 
            consomem a cerveja que fazem com o "mil" dos nove potes. A chamada 
            bebedeira colectiva!... 
            
            Uns degraus mais 
            abaixo está construído o celeiro. Depois chega-se ao verdadeiro 
            harém onde vivem as mulheres do chefe. Cada uma tem uma cabana, com 
            um quarto de dormir, dois celeiros (potes) onde colocam o "mil" das 
            colheitas e uma lareira. O espaço denominado quarto de dormir não é 
            mais do que uma circunferência (as cabanas são redondas), com cerca 
            de dois metros de diâmetro! 
            
            O chefe, no entanto, tem dois 
            quartos: um no piso inferior, onde recebe as suas mulheres (segundo 
            nos / 75 /
            informam, duas cada noite, e não deve ser só para dormir, pois 94 
            filhos não é dormir que se arranjam! Ah!, "ganda" chefe!...), 
            e outro, para o qual é necessário subir uma vintena de degraus (que 
            subi às apalpadelas pois estava escuro como breu), onde ao lado da 
            sua fotografia se vêm as fotografias dos presidentes Nixon, Pompidou, 
            Giscard, Ahidjo (este dos Camarões) e o que foi em tempos 
            vice-presidente dos USA, Spiro Agnew. Resumindo: as fotografias dos 
            "colegas"... 
            
            
            Para finalizar, assistimos a uma dança local, mais propriamente a 
            simulação da dança, que antecede a escolha de novas mulheres (ainda 
            mais?!) para o chefe, entre as adolescentes das aldeias que 
            pertencem a esta comarca de nome Oudjila, "dominada" pelo chefe 
            Mozogo. 
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