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Reminiscências. Crónicas e outros escritos, Aveiro, 2014, pp. 241-243.


A convivência com Spínola

No ano de 1967 é colocado como 2º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana o brigadeiro António de Spínola, corporação que o mesmo conhecia perfeitamente pois nela passara grande parte da sua carreira militar . Este militar tornar-se-ia figura de proa na vida do país cerca de sete anos depois, pois viria a ser o primeiro Presidente da República do pós-Abril de 1974. Mas tal não é para aqui chamado.

O brigadeiro era um homem de forte personalidade, perfeccionista, com um temperamento difícil, com toques de irreverência. Assumia atitudes demasiado ríspidas na sua relação com alguns oficiais, com quem era ainda mais rigoroso, e que conduziam por vezes a criar grandes animosidades. Trabalhar de perto com ele não se tornava tarefa fácil, embora fosse sincero admirador dos subordinados inteligentes e dedicados à sua profissão.

O seu inseparável monóculo emprestava-lhe um marcado cunho de distinção.

Distinguia-se também entre os seus pares na cavalaria, pois era um excelente concursista, figurando entre os melhores do país.

A sua entrada na GNR veio trazer à corporação uma nova dinâmica, pois havia algum tempo que se entrara em ritmo de rotina nas suas actividades. Reflectindo o seu estilo, depressa tudo entrou num ritmo diferente.

As unidades tiveram que organizar-se e pôr em execução planos de defesa dos seus aquartelamentos e treinar sistemas de pronta intervenção se, e quando, necessário. Como os elementos da GNR viviam não só na área de Lisboa mas também em povoações da periferia, houve que treinar, ao pormenor, a sua comparência nos quartéis em casos de urgência.

Também surgia nas unidades às mais diversas horas do dia ou da noite e ordenava o toque de alarme para ver como as coisas funcionavam. Pôs tudo, como soe dizer-se, a “toque de caixa”. Foi um período de constante alerta, que se tornou extensivo aos militares que trabalhavam nas Repartições do Comando-Geral (que era o meu caso), onde reinava até aí o que ele designava por uma certa “paisanice”.

No tempo que Spínola esteve na corporação (ele deixou a GNR em Maio do ano seguinte - 1968), “inventou” várias situações de prevenção (quem sabe se não estaria já a prever algo) que obrigava toda a malta a ficar nos quartéis por longos períodos para além do habitual. Também a mim este frenesim do brigadeiro me afectou pois foram dois anos (1967 e 1968) em que não podia fazer grandes ausências do quartel e assim não consegui completar qualquer “cadeira” no Técnico.

Toda a gente tinha receio de o enfrentar e tentavam “fugir”, sempre que possível, às suas “rabecadas”. Nessa altura desempenhava eu já as funções de adjunto do chefe da 2ª Repartição. E, quando o chefe (julgo que já o tenente-coronel Varela Soares) se ausentava por qualquer razão, era eu que tinha que ir “a despacho” a “sua excelência o nosso brigadeiro”. Como não tinha nada a temer, não era dos que fugia a enfrentá-lo e ia naturalmente à sua presença no respectivo gabinete. Mas tinha que ter mais cuidado com a apresentação dos documentos pois era com rigor e atenção que os analisava, indo até ao pormenor da existência de letras mal batidas. Quando qualquer texto não ia com o número de espaços que achava conveniente, a expressão que utilizava era: - “Isto está muito empastado!”. Das vezes (não foram muitas) que tive que ir à sua presença não houve razões para qualquer admoestação.

A sua estadia na GNR “mexeu” um bom bocado com a vida nos quartéis.


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