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Reminiscências. Crónicas e outros escritos, Aveiro, 2014, pp. 64-65.


Safei-me de boa

Em notícia recente num periódico fiquei deveras alertado pelo que ali se anunciava. Dizia a mesma, em título de letra gorda, que “Sida veio de chimpanzés selvagens de remota região dos Camarões”. E desenvolvia dizendo que “ vinte e cinco anos depois do aparecimento dos primeiros casos de sida, cientistas confirmaram que o vírus teve de facto origem em chimpanzés selvagens numa região remota dos Camarões”. Mais à frente acrescentava a notícia que “ a análise genética identificou comunidades de chimpanzés perto do rio Sanaga, nos Camarões”. O primeiro ser humano conhecido infectado pelo VIH era um homem de Kinshasa no vizinho Congo. Presumivelmente alguém no interior dos Camarões foi mordido por um chimpanzé ou ter-se-á cortado enquanto esquartejava um ( porque por aquelas bandas o macaco, não sei se todas das espécies, era um petisco para os locais e até eu provei algumas espetadas com carne de um deles certo sábado na praia de Kribi) ficou infectado pelo vírus que depois o transmitiu. “ Foi então que pelo rio Sanaga, uma importante via comercial para o transporte de madeiras”, alguém infectado chegou a Kinshasa”, continua dizendo a mesma notícia.

Ao ler isto, estando em 2006, e recuando os tais vinte e cinco anos até chegar ao aparecimento dos primeiros casos de sida dá o ano de 1981. Ora nesse ano de 1981 andava eu em Edea, cidade no interior dos Camarões, atravessada pelo rio Sanaga, onde eu tomei banho algumas vezes e habitando em barracão situado a dois passos, digamos dez a vinte metros, da margem do rio. O que eu fazia ali era, como do conhecimento dos mais chegados, supervisão de montagem e de arranque de uma fábrica de pasta para papel cuja matéria prima eram madeiras tropicais vindas da floresta circundante onde igualmente teriam o seu “habitat” os tais chimpanzés que terão começado a infectar meio mundo.

Agora vejam, se não é de começar a pensar duas vezes nas coincidências: em 1981 eu nos Camarões, junto ao rio Sanaga (onde me banhei), a lidar com madeireiros que traziam a madeira das florestas do interior, onde pelos vistos também andariam os ditos chimpanzés e ainda a comer espetadas de macaco (quem sabe de que espécie), o que não terei eu arriscado. E por ali estive vários meses, entrando até por 1982, nestas circunstâncias.
Posso, agora à distância, dizer que me safei de boa...


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