Vamos andar um pouco para trás e
desenvolver resumidamente o “processo” da construção de uma pista
para Aveiro, até chegarmos à sua concretização em Oliveirinha.
Ao longo destes capítulos várias
vezes fizemos referência à falta de condições para a prática da
modalidade, nomeadamente a não existência de uma pista em Aveiro,
onde a Associação pudesse realizar a propósito todos os seus
campeonatos e provas de preparação, e onde os atletas pudessem
treinar a fim de melhorar as suas qualidades e aptidões. Acrescia o
facto que a única pista nesta altura no distrito se situar em S.
João da Madeira, o que obrigava todo o “staff” associativo a fazer
deslocações quase todas as semanas, para além de esta pista se
encontrar em péssimas condições de utilização por deficiente ou, por
vezes nula, manutenção. Com a agravante ainda de a Associação estar
sujeita a, muitas vezes, anular campeonatos, porque a Sanjoanense,
proprietária da pista, dava prioridade a outros eventos desportivos
a realizar no mesmo local, particularmente o futebol. E isto
aconteceu, por vezes, já com toda a “máquina”, necessária para as
provas, no local, obrigando a “regressar a penates” sem a realização
das mesmas provas, com os custos inerentes à deslocação efectuada em
vão.
A existência de uma pista na cidade
capital do distrito levaria igualmente a que mais jovens e clubes da
cidade aderissem por certo à prática da modalidade.
E porque não se construía a tão
necessária pista?! Apenas, por falta de vontade das entidades
oficiais que tal poderiam despoletar. Não se julgue que os
dirigentes que geriam a modalidade não “lutavam” insistentemente
pela sua criação!
Começamos por referir um ofício de
1970 (nº 2025/E/69-70 de 20.4.70) da Comissão Instaladora da
Associação de Desportos de Aveiro, dirigido à Federação Portuguesa
de Atletismo, onde se dizia:
«Encontramo-nos quase
impossibilitados em organizar as restantes provas do calendário
federativo, por falta de pista, visto que a existente no
nosso distrito, pertence a um clube filiado na Associação Portuense
de Atletismo, a Associação Desportiva Sanjoanense, a qual nos
informou telefonicamente que só a poderiam ceder, desde que não
esteja ocupada por competições organizadas pela FNAT ou Mocidade
Portuguesa.»
Esta informação era de difícil
percepção, mas era o que havia...
Em Novembro de 1971 realizou-se na
cidade de Aveiro o “Colóquio Aveiro--Rumo ao futuro” (in “Fomento da
Educação Física e do Desporto em Aveiro). Do respectivo relatório,
datado de 29 de Novembro, retirámos:
A páginas 8 do cap. III – Infra
estruturas
A – Instalações
3. – Principais necessidades
3.2.2 – Não existe uma
pista de atletismo, nem caixas de saltos, nem locais para
lançamentos.
Modalidade básica como é, o
atletismo não pode progredir em Aveiro, sem esta falha ser
preenchida; e é pena, porque (...) há entusiasmo e apreciável número
de praticantes.
A páginas 18 do cap. III –
Fomento Desportivo
F – Instalações
... Para a prática do atletismo
urge criar-se uma pista com um mínimo de condições.
A páginas 30 e 31 do cap. V – O
desporto em Aveiro
2 – Na actualidade, em Aveiro
2.3 – o desporto federado
c) no atletismo (...) o
número de praticantes vai aumentando mas, para já, e em parte por
carência de instalações (...) e de material (...), o nível técnico é
baixo.
3 – Instalações : dá-se aqui
como reproduzido o mencionado no cap. II,
...recorda-se que as
necessidades mais prementes são a pista de atletismo (...)
cuja construção é imperiosa.
4 – Apetrechamento : o
material mais instante, (...) é o do atletismo (...)
Em Agosto de 1972, alertava-se, uma vez mais, a Federação (ofício 1317/71/72 de 2.8.72)
para as dificuldades da utilização da pista de S. João da Madeira,
pelas razões atrás apontadas, e solicitando “os melhores ofícios no
sentido de que seja o distrito de Aveiro olhado com o respeito que o
seu potencial desportivo justifica, e que a modalidade impar que é o
atletismo possa aqui dispor de pistas que o entusiasmo duma
juventude, seduzida pela prática, justifica plenamente”. A resposta
da Federação seria a de que estariam cientes do problema mas que
“até à data ainda nada se conseguiu resolver, o que não impede que
continuemos tentando a solução para o problema”.
Em Novembro de 1973, por ofício
659/73-74 de 19.11.973, a Associação de Desportos de Aveiro dava
conta à Federação das actividades da época de 1972/73, manifestando
“fomos impedidos de ir mais além... como ainda, ponto fundamental,
(desnecessário talvez por demais repetido) pela falta de uma pista
apropriada na cidade de Aveiro”. E mais adiante salientava: ...
infelizmente, e contra nossa vontade, fomos obrigados a realizar ali
mais algumas (provas), como certamente já tiveram ocasião de
observar, pela impossibilidade de utilização da pista de S. João da
Madeira”. O “ali” referia-se a uma “improvisada pista que o Grupo
Desportivo da Gafanha arranjou à volta do seu campo de futebol em
1972”.
Salientava-se ainda que havia clubes
que cresciam em actividade porque tinham possibilidade de improvisar
pista rudimentar à volta dos seus campos de futebol (Ovarense,
Gafanha, Estarreja), enquanto os clubes de Aveiro (Beira-Mar,
Galitos) se “afundavam” lentamente, porque o mesmo não era possível
na cidade.
Dos relatórios anuais da Federação
Portuguesa de Atletismo respigámos:
«1973 – Conjugando esforços
com as respectivas Câmaras Municipais a Federação pugnou pela
construção de pistas em Aveiro... e na altura em que foi consultada
sobre a localização preferencial de cinco novas pistas a construir,
indicou as seguintes cidades: Aveiro,...
1974 – Em compensação não se
conseguiu que a Direcção Geral (de Desportos) concretizasse a
construção de qualquer das cinco pistas previstas (Aveiro,...)
...Caiu tudo pela base.»
Por aqui se vê que o organismo
máximo da modalidade estava de igual modo atento e também lutava
pela causa, mas se manifestava impotente para uma resolução breve e
adequada do problema.
Entretanto, nos finais de 1973,
aparece a hipótese “pista em Oliveirinha”. Sempre ficava a
mais curta distância do que S. João da Madeira. E, pelo que adiante
se pode verificar, as condições de utilização seriam bem diferentes
e mais adequadas às realidades e interesses da Associação de
Desportos.
Depois de conversas iniciais com a
presidência da Junta de Freguesia de Oliveirinha, em inícios do ano
de 1974 tem lugar uma reunião na Câmara Municipal de Aveiro,
conjunta com a Junta de Freguesia e a Associação de Desportos, em
que ficaram definidos os parâmetros de utilização de uma futura
pista a construir à volta do campo de futebol da referida freguesia.
Fac-símile da primeira página do
memorando da acta da reunião.
Da acta desta reunião destacamos:
● A Junta de Freguesia de
Oliveirinha consente na construção de uma pista de atletismo, em
terrenos que lhe pertencem
●
Admite que a administração da pista fique a cargo da Associação de
Desportos
●
A Junta admite que, durante a época da realização dos campeonatos de
atletismo, e para a realização desses campeonatos, não só a pista,
como o campo de futebol e os balneários sejam utilizados unicamente
pela Associação de Desportos aos sábados de tarde e aos domingos de
manhã
●
A conservação do estado da pista ficará a cargo da Associação...
●
Todas as despesas a efectuar com a realização dos campeonatos de
atletismo ficarão a cargo da Associação de Desportos
●
Pela utilização do campo e dos balneários, quer para treinos, quer
para realização dos campeonatos, deseja a Junta de Freguesia vir a
receber uma taxa mensal ou anual...
●
A Junta de Freguesia admite que as condições a estabelecer quanto à
utilização de todo o recinto desportivo, por parte da Associação de
Desportos, se reportem a um período de vários anos, prorrogável nas
mesmas condições...
Como se verifica por este memorando,
as condições seriam bem diferentes, para melhor, das que vigoravam
até então para a pista de S. João da Madeira. Assim a pista se
viesse a construir com prontidão...
A pretensão para a construção da
pista, de acordo com o estabelecido entre a Associação de Desportos
e a Junta de Freguesia de Oliveirinha, com intervenção da Câmara
Municipal de Aveiro, foi objecto do ofício 1256/73-74 de 22 de
Fevereiro de 1974, enviado à Direcção-Geral de Educação Física e
Desportos.
A Federação naturalmente via com
bons olhos esta “abertura” e comunicava em ofício de 14 de Março de
1974 que “... podemos informar de que o assunto da construção da
pista em Oliveirinha está a ser tratado com muito interesse pela
Direcção-Geral de Desportos”.
E assim foi efectivamente. A
resposta da Direcção-Geral de Desportos não demorou desta feita ( e
se calhar só porque havia a oferta de terreno para a construção), e
depois de o professor António Vilela, na sua informação nº 17/74/DEFE,
de 8 de Março, propor:
« – Que se aceite como definitiva a
construção de uma pista em Oliveirinha para servir o distrito de
Aveiro.
–
Que seja atribuída a verba
projectada para as pistas programadas.»
E o arquitecto Serra e Moura, com a
sua informação nº 332/74, de 20 de Março, também afirmar que:
«Assim, julga-se portanto de
aproveitar a oportunidade apresentada pela Junta de Freguesia de
Oliveirinha que oferece o terreno necessário para a construção de
uma pista de atletismo.»
Viria enfim o despacho favorável em
6 de Junho de 1974.
Mas até à construção se realizar...
Em 1979, cinco anos depois, quando
fui “obrigado” a deixar a Associação, ainda estava nas ideias...
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A pista de Oliveirinha viria
enfim a ser inaugurada em 28 de Junho de 1981. O presidente
da Câmara de Aveiro, Dr. Girão Pereira, secundado pelo presidente da
Junta de Oliveirinha, deu “tiro de partida” à tão desejada pista.
Das suas palavras de ocasião sublinhou o esforço de todos quantos
colaboraram na realização, ao longo de alguns anos, para que se
pudesse assistir a esse acto. |
Vista aérea da pista
de Oliveirinha, em 1981 |
Houve naturalmente atletismo neste
dia de inauguração, com cerca de 250 atletas na pista, de clubes
como Benfica, Belenenses, Porto, CAP, ACM, Académica, Santa Clara,
alguns clubes da Guarda e dos clubes representativos de Aveiro.
Pretendeu a Associação de Atletismo trazer alguns atletas do país
vizinho, tendo para tal convidado o Celta de Vigo e a Federação
Salamantina de Atletismo, mas, pelos vistos, os atletas espanhóis
não estariam disponíveis para estar presentes.
Dois factos negativos desde
logo a assinalar: a primeira, ter a pista ficado defeituosa,
pois em vez de ter 400 metros no seu perímetro à corda, ter apenas
399, o que impossibilitava a obtenção de recordes oficiais e, a
segunda, o início prematuro de uma deficiente manutenção,
pois passados seis meses , mais precisamente em 19 de Dezembro desse
ano, em entrevista ao Jornal de Notícias, os dirigentes da
Associação alertarem para o facto de «haver notícias da realização
de corridas de motorizadas e que até já se tinham visto animais a
pastar à volta da pista».
E, enquanto a construção não teve
lugar, a Associação foi obrigada a utilizar o que havia, mesmo
deficiente. Para agravar ainda mais os custos de campeonatos e
outras provas em S. João da Madeira, a Sanjoanense, proprietária do
estádio onde a pista estava instalada, entendeu, no início da época
de pista de 1975, aumentar a verba que cobrava por cada sessão de
atletismo em 54% (?!), passando de 650 da época anterior para 1000
escudos.
Embora bastante
rudimentar, mas muito mais perto e com verba de utilização mais
ligeira, o que trazia vantagens para o equilíbrio do orçamento da
Associação, esta viu-se obrigada a utilizar para algumas sessões a
que o Grupo Desportivo da Gafanha “atamancara” à volta do seu campo
de futebol em 1972 e com 4 corredores apenas. Claro que os
resultados aqui obtidos não eram famosos... Os clubes ansiavam
naturalmente por uma pista “decente”. |