Acesso à página inicial

Memórias Celulósicas


O que estou aqui a fazer?

A situação no país pós-Abril de 1974 não foi boa para muita gente por razões de vária ordem. A minha colaboração nas operações de arranque da fábrica da Ceasa, que apanhou a maior parte deste ano de 1974, pois decorreu como atrás referido de Fevereiro a Dezembro, fora gratificante. O ter feito parte da Comissão de Trabalhadores em 1975/76 teve os seus foros de novidade, manteve-me ocupado, acabando por se tornar interessante e ter proporcionado perspectivas de me situar num país democrático com todas as nuances a que não se estava habituado do antecedente. Já referi também que fui “lixado”, passe o termo, com esta mudança no país, pois fui espoliado de 25 meses da diferença de remuneração entre uma categoria profissional e a seguinte, na qual deveria estar desde Janeiro de 1975.

Como acontecia no resto do país a situação na CPC, agora já denominado de Centro Fabril da Portucel Cacia, deteriorou-se de tal modo que não havia estímulo de qualquer espécie e continuou pelos anos seguintes. Sentia-me frustrado no meu “que-fazer” profissional, sem motivos para me sentir satisfeito. A qualquer profissional que se preze tal situação não satisfaz, e sentia-me impotente para dar a volta. As desconsiderações que referi no capítulo anterior mais me fizeram descer em entusiasmo.

Já estávamos em 1978. Então perguntei para mim mesmo: O que estou a fazer aqui?!... E vá de tratar de dar novo rumo à minha carreira profissional. Iniciei então as démarches para encontrar onde me quisessem e onde a experiência que entretanto adquirira fosse útil.

Efectuei o primeiro contacto nesse sentido em 15 de Fevereiro de 1978. Em negociações com empresas que representavam no país firmas fornecedoras de equipamento, efectuadas no decurso das operações relacionadas com as ampliações que o Centro Fabril entendeu levar a cabo, com uma dessas empresas, mais propriamente a Tecnil – Sociedade Técnica de Equipamentos Ind. Ld.ª, que representava a Kamyr, a Lundberg, entre outras, tive ocasião de bem me relacionar com os responsáveis da mesma, que eram na altura o Major Faria Amaro e o Eng.º Jorge Fontainhas.

O major, considerado o “dono” da Tecnil, à semelhança de outro famoso militar, também major, Valentim Loureiro, virara empresário de sucesso.

A Tecnil teve também problemas na época quente pós-25 de Abril e os seus quadros foram motivo de grande incómodo. O major, mais o seu “staff”, insatisfeitos com a situação, não tiveram com meias medidas e resolveram procurar novos rumos a dar ao seu pecúlio. Instalaram-se na Bélgica, em Bruxelas, com uma empresa que denominaram de AHL Engineers S. A., com ligações com a A. H. Lundberg americana. Esta empresa formada pelos quadros da Tecnil tinha as suas instalações na Rue du Moulin à Papier, 51 – Boîte 5, na capital belga. A Lundberg estava especializada principalmente em projectos e fornecimento de equipamentos para instalações de produtos químicos e de evaporação.

Resolvi então iniciar pelo Major Faria Amaro as démarches para sair do marasmo em que me encontrava em Cacia, enviando-lhe uma missiva no dia 15 de Fevereiro atrás referido, com o pedido que intercedesse pela minha causa. A minha experiência de oito anos a lidar com a preparação de reagentes para o branqueamento de pastas (anidrido sulfuroso, dióxido de cloro, hipocloritos de sódio ou de cálcio e cloro elementar) e ainda algum conhecimento da operação de evaporação, poderia ser útil à AHL Engineers em projectos em que estariam envolvidos no fornecimento de equipamento e em que fosse necessário prestar assistência na montagem e nas operações de arranque das instalações onde tais equipamentos viessem a ser utilizados.

Pelos vistos estariam a necessitar de alguém com tal formação pois me fizeram ir até Bruxelas para analisar a minha possível participação nos projectos que tinham em curso. Em restaurante da zona central de Bruxelas almocei com o major Faria Amaro, o Eng.º Jorge Fontainhas e ainda o Eng.º Coelho Dias, outro quadro e sócio da empresa. Fiquei a saber que estariam interessados em que eu pudesse vir a participar em operações de arranque de instalações de produtos químicos, anidrido sulfuroso e dióxido de cloro, em instalações a montar em Edea, na Republica dos Camarões, em Khon Kaen, na Tailândia e em Kwidzyn, na Polónia, que eram as três para as quais já tinham as devidas encomendas. Inicialmente a ideia era a de que o Centro Cacia me cedesse temporariamente para o efeito.

Resultante deste encontro em Bruxelas, foi o envio pela AHL Engineers, de ofício nº 681 datado de 16 de Maio de 1978, ao Conselho de Gerência da Portucel, com cópia para o director do Centro de Cacia, Carlos Valente, em que citavam “We therefore dare to ask if you would, in principle, be agreeable to cede one of your engineers on a temporary basis to perform such tasks (supervise erection and start-up of sulphur dioxide and chlorine dioxide plants in eastern european and african countries)...”. Embora sem citar nomes, o facto de enviar cópia ao director do Centro de Cacia e me terem fornecido uma cópia do ofício, era lógico que se referiam à minha pessoa, que seria o mais indicado pela experiência acumulado em oito anos nas citadas instalações.

O Conselho de Gerência em 29 de Maio solicita à Direcção do CPF Cacia que “informe o que, sobre o assunto da mesma (carta da AHL Engineers), tiverem por conveniente...”. Carlos Valente solicita por sua vez que o Eng.º Henrique Marnoto, meu chefe directo, se pronuncie sobre este assunto para elaborar a resposta conveniente. Este meu chefe pronuncia-se em 1 de Junho da seguinte maneira: “Com o quadro técnico actualmente existente em Cacia, a cedência temporária de um engenheiro que satisfaça os requisitos apresentados, exige a sua substituição por um técnico de igual valia”. Fiquei a saber que tinha “valia” mas também que, por este lado, não pensasse em cedência temporária, pois a resposta de Carlos Valente ao Conselho de Gerência foi que “Informamos que, estando-se em fase de arranque de instalações novas, não há responsáveis disponíveis para tarefas extras”. Pela parte que me tocava entendia que não haveria grande mossa na cedência temporária e a mesma serviria de estímulo para a minha pessoa em termos profissionais e que a empresa também ficaria a ganhar pelo facto. Mas assim não foi entendido e por aqui se ficou, embora posteriormente a hipótese voltasse a acontecer, com outro desfecho conforme veremos mais adiante.

Naturalmente que não fiquei apenas por este contacto até porque a hipótese ficou em “stand-by”, porque em face da resposta da Portucel ficaram de estudar uma outra possível modalidade de colaboração.

Quando estive em Navia no arranque da fábrica da Ceasa contactei de bastante perto com os responsáveis da empresa que projectara a mesma e que assistia na parte de montagem, a Parsons & Whittemore Lyddon Limited de Croydon, Inglaterra. O chefe da equipa da Parsons era R. C. Antonini. Outros técnicos com quem tive ocasião de trocar impressões sobre os meus anseios no prosseguimento da minha vida profissional foram David Ganshorn, J. Fillingham e Paul Herbert. Pois foi ao chefe Antonini que enderecei em 15 de Março de 1978 uma missiva em que, lembrando os tempos em que juntos colaborámos, cada qual na sua área, nas operações de montagem e arranque da Ceasa, lhe pedia para interceder pela minha causa, pelas razões já citadas anteriormente, perguntando se não haveria possibilidade de passar a colaborar com a empresa em projectos futuros.

Em 6 de Abril, R. C. Antonini responde agradecendo o interesse que eu demonstrara em me juntar à sua organização. Não tendo de momento nenhum projecto em curso para a construção de uma fábrica de pasta branca que requeresse o serviço de alguém com a minha experiência, acrescentava no entanto que a única oportunidade que antevia, em futuro próximo, seria conectado com a instalação em Portugal de uma fábrica de pasta branca kraft originalmente destinada a Angola. Nesse caso, previam a possibilidade de me empregarem por um limitado tempo nos seus escritórios em Croydon, mas depois seria requerido para voltar a Portugal para os períodos de construção, “start-up” e assistência técnica. Acrescentava ainda que não podiam ditar qualquer “time schedule”, uma vez que as negociações para a recolocação da fábrica estarem ainda num primitivo estágio.

Após alguma insistência minha R. C. Antonini, agora já na função de Project Manager do projecto Celangol, em 28 de Setembro informa que “o projecto para o qual tinham interesse nos meus serviços, a Celangol, ainda não ressuscitara e não tinham indicações de quando seria”. No entanto, “quando chegar o tempo de o projecto se tornar vivo de novo, nós o empregaremos na nossa organização por meio de um contrato pela duração do projecto, digamos pelo menos 2e meio/3 anos, sendo necessário que parte deste período seja de trabalho nos escritórios de Croydon”. Em itálico a tradução de parte do ofício da Parsons & Whittemore. Acrescentavam que a situação da empresa não permitia oferecer-me um emprego permanente.

Como se vê uma hipótese mais de eu vir a fazer parte integrante da montagem e do arranque da então ainda denominada Celangol, para além da já anteriormente referida hipótese de o fazer pela Portucel-Cacia.

Entretanto em Agosto, mais propriamente no dia 22, endereço missiva ao administrador da Celulose das Astúrias (Ceasa), sr. António Peña Urmeneta, o mesmo que em 1974 me oferecera a integração nos quadros da fábrica, perguntando se na Ceasa ou noutra qualquer do grupo (falava-se em projectos para instalar fábricas em Orense e em Badajoz) não haveria oportunidade de necessitarem dos meus serviços. Mas, tarde piaste, pois o administrador amavelmente lamentava informar da impossibilidade de encontrar trabalho na Companhia, e com respeito aos projectos de Orense e Badajoz os mesmos não passavam de uma ideia e julgava mesmo que não seriam realizadas.

Por aqui se vê que a vontade de mudar de rumo era enorme e continuaria com as tentativas de encontrar novo poiso, onde pudesse satisfazer o meu ego.


  Página anterior Página inicial Página seguinte