| 
             
            «Tanto 
            quanto sou capaz de julgar, nada foi deixado por fazer, quer pelo 
            homem, quer pela natureza, para que a Índia seja o país mais 
            extraordinário que o sol visita na sua volta. Nada parece ter sido 
            esquecido...» 
            Mark Twain 
            
              
            
            Namasté!... 
            
            Para quem não 
            esteja familiarizado com o que se passa no subcontinente asiático 
            que é a Índia, fica a saber que com esta palavra, acompanhada de um 
            juntar de mãos à altura do peito, o estão a saudar. Portanto, 
            Namasté!... amigos. 
            
            A Índia deve 
            fazer um bocado de confusão a grande maioria das pessoas. Conhecido 
            como um país de grandes contrastes, onde o fausto e a miséria podem 
            aparecer lado a lado, a Índia é um país que ou se ama ou se detesta. 
            Incapazes de suportar o choque cultural derivado do 
            
            / 108 / 
            contacto inicial com as suas gentes e os seus costumes, com a 
            miséria que lhes é proporcionada constantemente, o calor e os 
            insectos, com a própria mentalidade do povo indiano e a confusão de 
            línguas, de cultos, de deuses, imensos turistas, inicialmente 
            curiosos de conhecer este país, querem fugir o mais depressa 
            possível deste mundo caótico, contrário a qualquer ordenação 
            habitual nos povos ocidentais. Quem no entanto consegue resistir, o 
            resultado é ficar fascinado com este universo único, por esta 
            realidade tão diferente, mais forte e mais intensa que aquela a que 
            estão habituados, ficam "clientes" e vão voltar na próxima 
            oportunidade a esta acolhedora terra. 
            
            Um teste para 
            qualquer um poder resolver se foge ou se fica, é passear com calma 
            por uma rua de uma grande cidade indiana. Nela está retratada toda a 
            vida deste imenso orbe. Ao contrário de uma qualquer rua da Europa, 
            que acaba por ser um lugar neutro de passagem, a rua indiana é tudo, 
            consegue ser um microcosmo da Índia. A rua indiana é um local de 
            encontro, um jardim para crianças e um asilo de velhos, é uma 
            cozinha mas ao mesmo tempo um estábulo, é uma feira, com cheiros 
            agradáveis de flores e frutos, mas ao mesmo tempo uma latrina, ela é 
            um imenso bazar de cores garridas e violentas, um mundo enfim onde o 
            pitoresco e a beleza se dão mãos com o trágico e o sórdido. 
            
            Quem começar a sua visita à Índia 
            pela cidade de Delhi, aconselha-se que vá de imediato até Chandni 
            Chowk. Esta avenida, outrora com palácios de aristocratas e ricas 
            casas de comerciantes, é uma das artérias mais congestionadas e, por 
            isso, mais significativas da parte velha de Delhi. Fica situada face 
            ao forte Vermelho (Lal Qila, na versão indiana), imponente cidadela 
            de barro vermelho, símbolo do fausto
            / 109 / da 
            época moghul. 
            
            Chandni Chowk não 
            passa hoje de um centro de negócios. Negócios de toda a espécie. Não 
            raro é chegar aos ouvidos dos transeuntes murmúrios de inúmeros 
            intermediários perguntando se quer haxixe, erva, ópio ou cocaína. 
            Para quem estiver interessado, naturalmente. Rua óptima igualmente 
            para os "pickpockets" (carteiristas, amigos do alheio), que 
            ao mínimo pretexto sacam dos haveres de cada um. Convém não mostrar 
            que se tem, o mínimo gesto de manusear dinheiro é pretexto para uma 
            pessoa se ver rodeado de umas boas dezenas de mãos ávidas, o que 
            pode transformar-se em situação difícil. Os próprios guias 
            turísticos, indianos, desaconselham vivamente dar qualquer esmola 
            em sítios destes, porque o simples gesto de meter as mãos ao bolso 
            ou à carteira pode desencadear uma movimentação desagradável. 
            Assisti a uma dessas situações, acontecida com um turista nórdico, à 
            saída do Forte Vermelho, quando teve a veleidade de, 
            altruisticamente, pretender esmolar um dos inúmeros pedintes ali 
            postados. De repente viu-se encurralado por dezenas de outros, em 
            molho tentando sacar-lhe dinheiro da carteira, e só se safou 
            porque, dada a sua altura, conseguiu colocar a carteira que reteve 
            na mão a uma altura inacessível às mãos dos indianos até à 
            intervenção rápida da polícia que conseguiu dispersar os sitiantes. 
            
            Os olhos gulosos 
            que alguns outros mostraram, ao olhar fixamente para as malas de mão 
            de algumas senhoras do grupo e que depois nos seguiram durante o 
            passeio que efectuámos por esta Chandni Chowk faziam crer que ao 
            mínimo descuido os mesmos poderiam efectuar qualquer manobra menos 
            digna. Todos os cuidados são poucos nesta babeI. 
            
            / 
            110 / Voltando ao ambiente 
            desta típica Chandni Chowk, como bazar que é, ela tem todo um 
            conjunto de "boutiques" de tipo medieval, onde os fritos (com 
            recheio de batata, couve-flor, cebola, etc.) servidos com um molho 
            picante, se misturam com pratos de grão torrado, de favas ou milho 
            assado, cozinhados de carneiro com os legumes mais variados, frutos 
            normalmente bem apresentados, as mais diversas especiarias. Os 
            odores dos fritos, dos legumes e dos frutos, a contrastar com o 
            cheiro da urina e dos excrementos de animais, ou ainda com os 
            perfumes doces do incenso ou das especiarias!... 
            
            Para além disso, 
            as profissões mais diversas que se possam imaginar, como mecânicos, 
            ferradores ou até barbeiros ao ar livre, têm igualmente o seu lugar 
            nesta enorme avenida. Ainda os mercadores de xarope, com as suas 
            garrafas multicores donde tiram infusões agradáveis (mas talvez 
            pouco recomendáveis) ou os vendedores de água fresca, a copo 
            (igualmente pouco recomendáveis), matando a sede aos seus clientes, 
            com pouso fixo ou a patrulhar os dois lados da avenida, nas suas 
            carroças ou triciclos. 
            
            Acrescente-se o 
            trânsito caótico e de toda a espécie de veículos motorizados ou não, 
            que circulam continuamente nos dois sentidos da avenida. 
            
            O barulho é ensurdecedor, pois 
            além das vozes dos mercadores e clientes, nas diversas línguas, os 
            ruídos das motorizadas (calcula-se que não exista inspecção dos 
            escapes das mesmas), as buzinas dos táxis e dos velhos autocarros 
            que são utilizadas em contínuo para afastar tudo e todos que lhes 
            apareça pela frente. E no tudo, aparecem as vacas que como sagradas 
            que são podem andar por onde lhes apetecer, em quaisquer sentido ou 
            mesmo deitarem-se / 
            111 / pachorrentamente em plena via, obrigando as viaturas 
            a desviar-se. Vaca é sagrada!... Depois a música de cinemas, de 
            gira-discos ou de cassetes no máximo de som possível, torna o 
            ambiente de feira e impossível de aturar por muito tempo. 
            
            Como em qualquer 
            rua das grandes cidades indianas podem ver-se em Chandni Chowk 
            homens e mulheres pertencentes a todos os grupos étnicos e 
            linguísticas, todas as castas e seitas da Índia. Se os "sikhs" 
            ou os "raj puts" se podem facilmente identificar pelos seus 
            turbantes, uns pretos outros coloridos, os muçulmanos pelos seus 
            barretes típicos de algodão ou os "sadhus" (ascetas) pela sua 
            indumentária de cor alaranjada, os restantes são mais difíceis de 
            distinguir porque a maior parte enverga vestimentas de tipo europeu. 
            As mulheres, pelo contrário, continuam fiéis aos seus "saris", 
            amplos tecidos de algodão ou seda, das cores mais garridas e 
            imagináveis. 
            
            Chandni Chowk 
            possui igualmente, como qualquer outra grande artéria das restantes 
            cidades, o seu cortejo de mendigos, dos quais impressiona a grande 
            quantidade de leprosos que atiram à cara dos transeuntes as suas 
            mazelas no intuito de lhes extorquir uma esmola para já não falar 
            nas crianças mutiladas, de propósito, e exibidas pelas mães 
            lacrimosas (?!). 
            
            Julgo que se deu 
            uma imagem de uma rua indiana que, como se disse, é a amostra 
            fidedigna do que se passa no continente indiano e que poderá 
            afugentar o turista incauto que não esteja minimamente preparado 
            para este mundo tão sórdido quanto belo. O belo virá para quem 
            conseguir ficar.... 
   |