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António Carretas, Sawadi Krap! - Crónicas de Viagens, 1ª ed., Aveiro, 1994, págs. 134 a 137.

À volta da cidade rosa (ou de Mário, só... ares)


Já foi referido que o chamado "triângulo de ouro", que da capital Delhi vai a Agra no estado de Uttar Pradesh e daqui a Jaipur, esta situada no estado do Rajasthan, era um circuito inevitável. As distâncias entre as cidades que constituem os vértices deste triângulo não são grandes, aproximando-se dos 200 quilómetros. Mas estes quilómetros fazem-se em "apenas" sete a oito horas, em "auto-pullman" local, mais pullman do que auto ("pullman" - do inglês "pull" - puxar + "man" - homem). É uma autêntica aventura viajar pelas estradas indianas. O trânsito é caótico, são sempre prováveis as paragens forçadas por acidentes que tardam em resolver-se e em ver a via desimpedida e é sempre com o credo na boca, que se assistem às ultrapassagens e aos forçados desvios de última hora para fora da estrada, "et pour cause". Mas vale a pena fazê-lo... se acabar por não haver azar.

De Agra a Jaipur, há uma paragem obrigatória, especial para os ornitologistas, mas não só. Bharaptur, outrora célebre pelos fortes confrontos derivados da oposição que os príncipes rajputs faziam à entrada da força moghul, é nos tempos de hoje conhecida pelo seu santuário de aves, existente no parque nacional Keoladeo Ghana. Nada menos de 330 espécies de aves foram já detectadas neste parque, um terço das quais que migraram de sítios tão afastados / 135 / como a Sibéria e a China. O parque era inicialmente uma vasta região semi-árida, que enchia somente durante a monção para secar logo que esta terminava. O marajá de Bharaptur desviou água de um canal de irrigação que corria perto e, em poucos anos, as aves começaram a aparecer em vasto número. Naturalmente que a primeira preocupação deste marajá não foi proteger o ambiente, antes sim arranjar "material" para as caçadas que oferecia aos seus convidados.

A caça foi banida em 1964 e daí para cá, é um paraíso de aves... e mais uma entrada de divisas.

Jaipur, capital do estado de Rajasthan, com cerca de um milhão e meio de habitantes, é conhecida como a cidade rosa, por causa da pedra arenosa colorida de rosa com que foram construídas todas as casas na parte velha e muralhada da cidade. A cidade deve o seu nome ao grande guerreiro, e astrónomo, e necessariamente marajá, Jai Singh II (1699­

1744). Em 1727 Jai Singh, até aí a habitar a fortaleza de Ambar, de difícil acesso, decidiu "passar-se" para um local mais plano e iniciou a construção da cidade rosa.

Na rua principal da cidade velha de Jaipur, pode o visitante observar um dos seus "ex-libris", que é chamado "palácio dos ventos", ou Hawa Mahal. Com as suas janelas cor-de-rosa, semi-octogonais e delicadamente trabalhadas na tal pedra arenosa rosa, é um espantoso exemplo da arquitectura Rajput. Foi originariamente construído para permitir às favoritas do marajá poderem observar o que se passava nas ruas da cidade, sem serem vistas do exterior. Fantasias de marajá...

Adjacente ao palácio real fica o observatório, ou Jantar Mantar, iniciado pelo mesmo Jai Singh, em 1728. A sua paixão e os seus conhecimentos de astronomia foram ainda / 136 / mais notáveis que as suas proezas como guerreiro. Este observatório de Jaipur é o maior e o mais bem preservado (foi restaurado em 1901) dos 5 que ele construiu na altura. À primeira vista, Jantar Mantar parece uma curiosa colecção de esculturas, mas, de facto, cada uma das construções tem um fim específico, como por exemplo medição do posicionamento das estrelas, altitudes e azimutes, ou ainda o cálculo dos eclipses, entre outros. O mais impressionante instrumento é o relógio solar, com o seu gnómon (ponteiro que pela direcção da sua sombra projectada marca as horas ou a altura do sol) de 30 metros de altura. A sombra deste ponteiro move-se quatro metros por cada hora. É um relógio muito preciso, só... que dá a hora local de Jaipur.

A cerca de 11 quilómetros de Jaipur, na estrada para Delhi, fica a já citada fortaleza de Amber, que foi capital do estado antes do tal Jai Singh se fartar e se transferir para Jaipur. A construção desta fortaleza iniciou-se em 1592 pelo rajá Man Singh, que era o comandante em chefe das forças rajputianas do exército do célebre Akbar, já falado em crónica anterior.

Este forte, outro notável exemplo da arquitectura rajput, situado numa colina, e com vista para um enorme lago a reflectir os seus terraços e muralhas, foi bastante divulgado pela imprensa portuguesa, aquando da visita que o nosso presidente Mário Soares fez a este país no ano passado. Foi a subida, para atingir o palácio real instalado no cimo desta fortaleza de Amber, que o sr. presidente, mais a sua esposa, fez em palanquim instalado em dorso de elefante, com uns lindos turbantes na cabeça, "à marajá" como se impunha, que originou a célebre fotografia que correu o país inteiro em todos os periódicos.

/ 137 / O cimo da fortaleza pode atingir-se por estrada, o que se faz em cerca de 10-15 minutos, dependendo da "perna" do viajante. Mas o mais popular, e original, é efectuar a subida em elefante. O custo da viagem, a solavancos "paqui­dérmicos", é de cerca de 350 escudos, mais uns se se quiser alugar um turbante, para a fotografia. Alguém me convenceu que tinha um ar de marajá (só ar, infelizmente), e lá fui igualmente rampa acima, com mais dois companheiros, "enfeitado" com o turbante da praxe (que já tinha conhecido não sei quantas cabeças!...) a satisfazer a curiosidade e a contribuir para o desenvolvimento do turismo local.

Mas não tinha necessariamente o "peso" do sr. pre­sidente, do qual o elefante não se terá queixado (consta que já estaria "de tromba" quando o presidente subiu para os seus costados).

E embora não ficasse nada mal em cima do bicho e de turbante enfiado (pelo menos assim mo fizeram crer), claro que não tive as mesmas honras, porque "de Mário, só... ares".

Na descida, não há elefante. Não sei se esta norma se aplica igualmente a presidentes...
 


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