Existem muitos
golfos neste nosso planeta, mas quando se fala no golfo, onde neste
momento há guerra, ou segundo outras opiniões, apenas intervenção
armada, toda a gente sabe que se trata do Golfo Pérsico. É que neste
caso, golfo deve ser traduzido por petróleo, e assim entende-se que
ao falar-se da guerra do golfo, golfo "tout court" e não do
golfo pérsico, se identifique logo este como palco das operações
militares em curso.
Não vou falar
desta guerra, que tem vindo a ser devidamente "dissecada" pelos mais
variados especialistas e, na altura em que este escrito venha a
lume, possivelmente já a mesma possa ter terminado, ou evoluído sob
as mais diversas formas.
Para além dos deméritos que toda
a intervenção deste jaez possa ter, alguns méritos poderão
igualmente advir da mesma e, neste caso, um deles deve ter sido
cultivar um pouco as pessoas, ou refrescar a memória a outras,
quanto à / 154 /
geografia física e económica, desta zona do globo que se chama
Médio Oriente. Consta que em todos os países, inclusive nos mais
industrializados e cultos, foi uma corrida a enciclopédias e atlas
para procurar onde se situava precisamente esta área agora tão
controversa. Nem toda a gente sabia onde se situava o Iraque, seria
mais abaixo ou mais acima do Irão ou Arábia Saudita, teria
fronteiras ou não com Israel e Turquia, assim como queria situar
exactamente o Kuwait, cuja anexação esteve na origem do conflito.
O Iraque actual
situa-se exactamente na região da antiga Mesopotâmia, palavra que
significa "terra entre dois rios", mais precisamente os rios Tigre e
Eufrates. Toda a gente que foi obrigada a estudar História, se
lembra das civilizações que passaram por esta região, como a
Suméria, a Acádia e um pouco mais acima a Assíria. Mas foi a
Babilónia o estado mais "rico" de todos os que nasceram na região
dos rios gémeos, na parte sudoeste da Mesopotâmia (agora sul do
Iraque).
Se remontarmos no
tempo, até cerca de 4 000 anos a. C., toda a região até às actuais
cidades de Samarra e Karbala estava incluída no mar e as águas
cobriam os lugares onde, tempos depois, se haviam de erguer as
cidades da Babilónia (ou Babei como também é designada) primeiro, e
Bagdade depois. Babilónia situava-se a cerca de 88 km ao sul da
actual Bagdade e praticamente a norte da moderna cidade de Hilla, no
Iraque Central.
Ainda cerca do ano 2 500 a. C., o
Golfo Pérsico penetrava profundamente nas terras, cerca de 150
quilómetros mais que nos nossos dias, atingindo a cidade de Ur,
outra cidade histórica e bíblica, situada na Caldeia. O Tigre e o
Eufrates / 155 /
desaguavam separadamente no mar, o que não acontece actualmente.
A civilização
Babilónica teve vários períodos de declínio, aos quais se seguiam
situações de apogeu. Após um destes períodos de declínio, que foi de
2 350 a. C. a 1 750 a. C., Hamurabi conseguiu restabelecer a unidade
do reino e fazer de Babel a sua capital. Durante mais de um milénio,
Babel seria a cidade mais importante do mundo. Tinha sobretudo uma
grande importância comercial. Convém não esquecer a sua situação
geográfica, ponto de convergência de caravanas entre a Índia e os
portos do Mediterrâneo, a caminho da Europa. Aí se trocavam produtos
do Oriente e do Ocidente, trocas que rendiam ouro.
De Hamurabi e
Babel recordemos dois factos históricos conhecidos: o célebre
"código de Hamurabi" e o episódio bíblico da "torre de Babel".
O código (ou
estela) de Hamurábi, descoberto em 1901 na antiga cidade persa de
Susa, continha em texto cuneiforme o mais antigo código do mundo.
Nesta grande colectânea de leis, estabelecia Hamurábi, em
introdução, "disciplinar os maus e os mal-intencionados e impedir
que o forte oprima o fraco", o que convenhamos nem sempre tem sido
conseguido.
Este código de direito babilónico
conservou toda a sua importância mesmo depois da queda do império
babilónico e sobreviveu no direito muçulmano e talvez mesmo no
direito romano. Continha normas tão interessantes, como por exemplo
dar à mulher o direito de requerer o divórcio quando o marido
deixava o domínio conjugal sem razão válida (não deve acontecer o
mesmo no Iraque actual) ou incluía cláusulas económicas e sociais,
tais como a fixação
/ 156 / de salário dos operários agrícolas, a previsão de
indemnizações a acidentes de trabalho, a fixação de juros anuais
entre 20 e 33%, a regulamentação de depósitos bancários, entre
outros. Isto em 1 750 a. C.!...
Quanto à Torre de
Babel, como relata o livro do Génesis (Bíblia) tratava-se de uma
estrutura construída pelos descendentes de Noé. Após o dilúvio, eles
teriam avançado para leste e ter-se-iam fixado na planície de Shinar,
baixo-vale do Eufrates onde se situava a cidade de BabeI. Teriam
iniciado a construção de uma alta torre (construção piramidal em
degraus), de modo a refazerem nome e vida própria.
Segundo a Bíblia,
o Criador não teria aprovado a ideia, por demasiado ambiciosa, e
veio a esta gente, que falavam uma única língua, criou diferentes
outras línguas, confundindo a sua conversa de modo a não se
perceberem. A partir daí reinou a confusão e a construção da torre
foi suspensa por falta de entendimento. Teria igualmente espalhado
pelo mundo estas diferentes línguas.
A partir de 604 a. C. os
babilónicos conheceram nova era de bem-estar, sob o domínio do
guerreiro e grande construtor (e pelos vistos o ídolo do actual
presidente do Iraque) Nabucodonosor II, que dotou Babilónia de
magníficos edifícios. Célebres o templo que mandou construir a
Bel-Marduk, a porta de Ishtar ainda hoje existente e o palácio,
construído de acordo com o desejo de sua esposa, que fez rodear de
um jardim disposto em terraços, os célebres "jardins suspensos da
Babilónia", que se contam entre as sete maravilhas do mundo. Outros
mais episódios históricos se terão passado nesta região, como o caso
do já citado dilúvio, que terá existido sim mas em época anterior ao
reportado pelo livro dos Evangelhos. Segundo descobertas
/ 157 /
recentes, este dilúvio terá sido uma catástrofe local, abrangendo um
território com cerca de 600 a 700 km de comprimento e 150 km de
largura, no curso inferior do Eufrates, mas acontecido cerca de 3
000 a. C..
|