Acesso à página inicial
António Carretas, Sawadi Krap! - Crónicas de Viagens, 1ª ed., Aveiro, 1994, págs. 153 a 157.

Um pouco de história...

A propósito da Guerra do Golfo


Existem muitos golfos neste nosso planeta, mas quando se fala no golfo, onde neste momento há guerra, ou segundo outras opiniões, apenas intervenção armada, toda a gente sabe que se trata do Golfo Pérsico. É que neste caso, golfo deve ser traduzido por petróleo, e assim entende-se que ao falar-se da guerra do golfo, golfo "tout court" e não do golfo pérsico, se identifique logo este como palco das operações militares em curso.

Não vou falar desta guerra, que tem vindo a ser devidamente "dissecada" pelos mais variados especialistas e, na altura em que este escrito venha a lume, possivelmente já a mesma possa ter terminado, ou evoluído sob as mais diversas formas.

Para além dos deméritos que toda a intervenção deste jaez possa ter, alguns méritos poderão igualmente advir da mesma e, neste caso, um deles deve ter sido cultivar um pouco as pessoas, ou refrescar a memória a outras, quanto à / 154 / geografia física e económica, desta zona do globo que se chama Médio Oriente. Consta que em todos os países, inclusive nos mais industrializados e cultos, foi uma corrida a enciclopédias e atlas para procurar onde se situava precisamente esta área agora tão controversa. Nem toda a gente sabia onde se situava o Iraque, seria mais abaixo ou mais acima do Irão ou Arábia Saudita, teria fronteiras ou não com Israel e Turquia, assim como queria situar exactamente o Kuwait, cuja anexação esteve na origem do conflito.

O Iraque actual situa-se exactamente na região da antiga Mesopotâmia, palavra que significa "terra entre dois rios", mais precisamente os rios Tigre e Eufrates. Toda a gente que foi obrigada a estudar História, se lembra das civilizações que passaram por esta região, como a Suméria, a Acádia e um pouco mais acima a Assíria. Mas foi a Babilónia o estado mais "rico" de todos os que nasceram na região dos rios gémeos, na parte sudoeste da Mesopotâmia (agora sul do Iraque).

Se remontarmos no tempo, até cerca de 4 000 anos a. C., toda a região até às actuais cidades de Samarra e Karbala estava incluída no mar e as águas cobriam os lugares onde, tempos depois, se haviam de erguer as cidades da Babilónia (ou Babei como também é designada) primeiro, e Bagdade depois. Babilónia situava-se a cerca de 88 km ao sul da actual Bagdade e praticamente a norte da moderna cidade de Hilla, no Iraque Central.

Ainda cerca do ano 2 500 a. C., o Golfo Pérsico penetrava profundamente nas terras, cerca de 150 quilómetros mais que nos nossos dias, atingindo a cidade de Ur, outra cidade histórica e bíblica, situada na Caldeia. O Tigre e o Eufrates / 155 / desaguavam separadamente no mar, o que não acontece actualmente.

A civilização Babilónica teve vários períodos de declínio, aos quais se seguiam situações de apogeu. Após um destes períodos de declínio, que foi de 2 350 a. C. a 1 750 a. C., Hamurabi conseguiu restabelecer a unidade do reino e fazer de Babel a sua capital. Durante mais de um milénio, Babel seria a cidade mais importante do mundo. Tinha sobretudo uma grande importância comercial. Convém não esquecer a sua situação geográfica, ponto de convergência de caravanas entre a Índia e os portos do Mediterrâneo, a caminho da Europa. Aí se trocavam produtos do Oriente e do Ocidente, trocas que rendiam ouro.

De Hamurabi e Babel recordemos dois factos históricos conhecidos: o célebre "código de Hamurabi" e o episódio bíblico da "torre de Babel".

O código (ou estela) de Hamurábi, descoberto em 1901 na antiga cidade persa de Susa, continha em texto cuneiforme o mais antigo código do mundo. Nesta grande colectânea de leis, estabelecia Hamurábi, em introdução, "disciplinar os maus e os mal-intencionados e impedir que o forte oprima o fraco", o que convenhamos nem sempre tem sido conseguido.

Este código de direito babilónico conservou toda a sua importância mesmo depois da queda do império babilónico e sobreviveu no direito muçulmano e talvez mesmo no direito romano. Continha normas tão interessantes, como por exemplo dar à mulher o direito de requerer o divórcio quando o marido deixava o domínio conjugal sem razão válida (não deve acontecer o mesmo no Iraque actual) ou incluía cláusulas económicas e sociais, tais como a fixação / 156 / de salário dos operários agrícolas, a previsão de indemnizações a acidentes de trabalho, a fixação de juros anuais entre 20 e 33%, a regulamentação de depósitos bancários, entre outros. Isto em 1 750 a. C.!...

Quanto à Torre de Babel, como relata o livro do Génesis (Bíblia) tratava-se de uma estrutura construída pelos descendentes de Noé. Após o dilúvio, eles teriam avançado para leste e ter-se-iam fixado na planície de Shinar, baixo-vale do Eufrates onde se situava a cidade de BabeI. Teriam iniciado a construção de uma alta torre (construção piramidal em degraus), de modo a refazerem nome e vida própria.

Segundo a Bíblia, o Criador não teria aprovado a ideia, por demasiado ambiciosa, e veio a esta gente, que falavam uma única língua, criou diferentes outras línguas, confundindo a sua conversa de modo a não se perceberem. A partir daí reinou a confusão e a construção da torre foi suspensa por falta de entendimento. Teria igualmente espalhado pelo mundo estas diferentes línguas.

A partir de 604 a. C. os babilónicos conheceram nova era de bem-estar, sob o domínio do guerreiro e grande construtor (e pelos vistos o ídolo do actual presidente do Iraque) Nabucodonosor II, que dotou Babilónia de magníficos edifícios. Célebres o templo que mandou construir a Bel-Marduk, a porta de Ishtar ainda hoje existente e o palácio, construído de acordo com o desejo de sua esposa, que fez rodear de um jardim disposto em terraços, os célebres "jardins suspensos da Babilónia", que se contam entre as sete maravilhas do mundo. Outros mais episódios históricos se terão passado nesta região, como o caso do já citado dilúvio, que terá existido sim mas em época anterior ao reportado pelo livro dos Evangelhos. Segundo descobertas / 157 / recentes, este dilúvio terá sido uma catástrofe local, abrangendo um território com cerca de 600 a 700 km de comprimento e 150 km de largura, no curso inferior do Eufrates, mas acontecido cerca de 3 000 a. C..
 


  Página anterior Página inicial Página seguinte