Acesso à hierarquia superior.

João Paulo Freire e Carlos de Passos, Mafra, Col. Monumentos de Portugal, nº 1, Porto, Ed. Litografia Nacional, 1933

CAPELA DO CAMPO SANTO – CORREDOR DAS AULAS – REFEITÓRIO, LAVADO E COZINHA DOS FRADES – CAPELA REAL E ENFERMARIA DOS FRADES – SALA DOS ACTOS – SALA DO CAPÍTULO – PORTARIA-MOR OU SALÃO – ESCADARIA CONVENTUAL – SALA DAS COLUNAS – CAPELA DOS ALTARES – JARDIM DO BUXO – CERCA E TAPADA

Destas partes do edifício pertencem umas à Administração do Palácio (vão marcadas com a letra P) e as outras estão na posse da Escola Prática de Infantaria (indicam-nas a letra M).

Para uma visita apropriada, reunimo-las em dois grupos: o 1.º, à volta do Corredor das Aulas, composto pelo Refeitório (P), Lavabo e Cozinhas (M), Capela Real (M), Capela do Campo Santo (P), Enfermaria dos Frades (M), Sala dos Actos e Sala do Capítulo (M); o 2.º, na parte conventual, dependente da E. P. Infantaria, constituído pela Portaria-mor, Escadaria dupla, Salão das Colunas, Capela dos 7 altares e Jardim do Buxo.

Pela porta principal direita do palácio, através do claustro, facilmente se chega ao Corredor das Aulas, iluminado por largas janelas e com 186 m de comprimento. A meio, da parte do nascente, fica a porta da clausura ou de comunicação com o convento; do poente partem duas largas escadarias, abertas por arcos plenos, adornados no intradorso com casetões esculpidos.

O comprido salão do Refeitório mede 48,40 m por 9,20. Contém 36 mesas de jacarandá; a meio das paredes sobressaem dois púlpitos, que serviam para as leituras religiosas durante os / 66 / repastos. No topo esquerdo fixa-se uma Ceia de Quillard, emoldurada em mármore azul, cuja sujidade é deplorável. Vários mármores formam o pavimento. Serve-lhe de cobertura uma abóbada simples de tijolo. No salão contíguo, em passeios de vaivém, faziam os frades a digestão das pitanças. Comunica pela porta ministra com as vastas Cozinhas, que medem 20,60 por 10,30 m. Apoiam-se as abóbadas de tijolo em dois arcos torais, assentes em robustos pilares; grossas pilastras aguentam os arcos formalotes. As paredes são azulejadas de branco. Agora só contêm duas grandes chaminés e um engenho de levantar os caldeirões.

Limpavam-se os frades no Lavabo antes das refeições. É uma bonita sala oitavada, de pavimento marmóreo, com quatro lavatórios abrigados por arcos, nos cantos. Pilares piramidais sustentam as bacias; urnas de mármore servem de reservatórios.

A Capela do Campo Santo fica no claustro do norte, que serviu de cemitério. Há no seu ambiente a tristeza confrangedora das funções funerárias, para as quais lhe deram disposição apropriada: altar posto a meio duma parede lateral, fronteiro à porta, de modo que os frades rodeassem a eça. Abóbada de tijolos, apoiada em arcos torais; chão de mármores. No retábulo, com colunas compósitas de mármore preto, monolíticas, e frontão triangular denticulado, com serafins no tímpano, figura uma ceia de Quillard, de belo colorido. Ao lado uma excelente bancada de pau brasileiro(1).

No 3.º andar está a Capela Real – quadra vasta, bem iluminada, com abóbada, sustentada por pilastras, e chão de tijolos. Guarnecem-na lâminas de mármore. Compõem o retábulo duas colunas e frontão circular denticulado, de mármore, com o painel da Conceição. Circunda o altar um balcão balaustrada e ladeiam-no duas portas com frontões exuberantemente esculpidos nos tímpanos. Por baixo, no 2.º andar, fica a Enfermaria dos Frades, que serve agora de caserna. É um grande salão abobadado e dividido em / 67 / celas azulejadas, tendo cada uma nas paredes dois interessantes quadros de azulejos (Cristo e a Virgem); no fundo, um altar e duas portas correspondentes aos da Capela Real.

A Sala dos Actos está aproveitada para tribunal, apesar do seu defeito acústico. Abóbada de tijolo e chão de mármore. Às paredes encostam-se os doutorais, de pau brasileiro, resguardados por balaustradas de mármore, sobre os quais avançam duas tribunas da família real. Ocupa a testeira superior uma inscrição latina, gravada em mármore, e a inferior um quadro de Sebastião Conca, rematado por frontão triangular e bem conservado. Embora algo estudado, constitui uma boa obra, de vivo colorido. Representa a Virgem da Conceição.

Achegada ao claustro do sul encontra-se a Sala do Capítulo, na qual, agora, os oficiais executam o tirocínio de esgrima. Mede 26,50 m por 7 e 13,6 de alto, em planta elíptica. Mármores dispostos geometricamente cobrem-lhe o chão; tijolos, firmados por vários arcos, formam-lhe a abóbada apainelada. Tem aspecto solene e frio, talvez pela sobriedade ornamental, e distingue-a a particularidade acústica do eco(2). Rasgam-na janelas elípticas e rectangulares, a grande altura, separadas por pilastras de capitéis glifados, que sustentam o entablamento. Sobre a porta avulta uma tribuna balaustrada, de mármore, na qual o rei assistia ao Lava-pés de 5.ª feira santa, para cuja função a meio da sala se armava um altar.

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Na frontaria do sul abre-se o portal da portaria-mor do convento(3). Quer esta fachada quer a do norte, com a extensão de 205 metros, a partir dos torreões, são, na verdade, monótonas e pesadas. Ambas à distância de 45 m dos torreões, quando começam a pertencer ao convento(4), reentram uns 7,80 m. Abrangem quatro / 68 / andares e mezzaninos, rematados por áticos, podendo considerar-se em cada uma três corpos separados por pilastras, dos quais os centrais sobressaem um tanto. Todos são cortados simetricamente por janelas, mas destas só as do meio e do 3.º andar ostentam frontões.

De 203 m é o comprimento da frontaria do nascente ou da retaguarda, com uma disposição igual à das outras, aparte ligeiras diferenças: 5 andares, cornijas sobre o 3.º e 5.º andares, ornatos em janelas e varandas balaustradas.

Três portas, separadas por pilastras, a meio com frontão triangular, facultam ingresso na portaria-mor, através dum vestíbulo e corredor; neste ergue-se um portal ornado com belo medalhão de jaspe esculpido em relevo com as figuras da Virgem, o Menino e Santo António. Ampla quadra rectangular forma a portaria, com abóbada de tijolo e pavimento de mármores; telas religiosas, emolduradas em mármore azul, de pouco valor artístico guarnecem-lhe as paredes, às quais se encostam bancos de espaldar, feitos de angelim. Tem as portas emolduradas em mármore e sobrepujadas por frontões triangulares(5). Iluminam-na excelentes lampiões de latão, que abundam nos corredores e salas do convento. Chamavam-se clementinas por se acenderem às Ave-Marias, na 2.ª Prima, por ordem de Clemente VIII(6).

Em qualquer parte seria notável a Escadaria Dupla, a principal do convento, anexa à portaria-mor, pelo engenho e primor da construção. Ergue-se numa secção quadrada e apoiada em pilastras com nove degraus em cada lanço, tudo de mármore, inclusas as balaustradas. Como os lanços são opostos e comuns os patamares, nestes sempre se encontram duas pessoas que os subam, embora partindo de dois pontos fronteiros. Foi seu construtor o engenheiro Custódio Vieira.(7)

Serve de refeitório dos soldados a Capela dos 7 altares, quadra singela, com abóbada de tijolo firmada por arcos torais, no / 69 / centro erguida em cúpula. O coro alto, aberto em três arcos de balcões balaustrados, apoia-se em pilastras.

Sob a Biblioteca fica a Sala das Colunas, onde funciona a aula de artilharia. É quase quadrada. Arcos aviajados ou carpaneis, assentes em quatro colunas toscanas, monolíticas, dividem-lhe a abóbada de tijolo.

O Jardim de Buxo ocupa o centro da parte conventual, numa área de 3.630m2, pois tem 60,5 m por cada lado. Constituem-no, à volta duma taça-lago de mármore com repuxo, quatro grandes maciços de buxo, divididos em labirinto e cortados por quatro ruas em cruz e outras quatro em diagonal; a meio destas assentam taças de mármore em concha(8). Eis pois, o tipo dos jardins de Le Nôtre. De rocha era este local, o que obrigou a destruí-lo em profundidade de muitos palmos e a preenchê-lo, depois, com terra lavradia(9).

Na horta dispunham os frades dum sadio recreio – o jogo da bóia, lugar solitário e agradável, rodeado de bancos. A horta incorporava-se na cerca – terreno todo murado, com ruas de buxo e copiosas árvores florestais e frutíferas, actualmente ajardinado em parte.

Para recreio venatório do rei e da corte servia a Tapada, um vastíssimo terreno de vinte kms de perímetro, em forma de polígono irregular, vedado por altos muros, com abundância de águas e sítios encantadores, de aprazível amenidade, tais os ditos do Barracão, do Casal do Abade, das Águas Férreas, da Bica do Espaldão, das Lagoas(10) e do Celebredo(11).

Constava de três partes – a de dentro, a do meio e a de fora, separadas por muros baixos. Largos e bons caminhos cortavam-na em todos os sentidos; taças de água espalhadas profusamente / 70 / dessedentavam a caça – veados, corças, javalis e raposas. Seis largas portas lhe davam saída – a de Mafra(12), da Paz, do Codeçal, do Gradil, da Murgueira e da Vermelha. No ponto mais alto, de belo panorama, fica a Carreira de Tiro da Escola Prática de Infantaria. Hoje está lamentavelmente abandonada e danificada.

Em 1840 nela estabeleceu D. Fernando uma granja-modelo, monumento modesto da ideia progressiva da actualidade, como ajuizou Herculano. Moveu o rei o empenho de aproveitar esses maninhos, que o dito escritor fartamente louvou(13). Parte da cultura era feita pela Casa Real, por lavradores a outra, com terrenos cedidos. Afinal, malograram-se todos os esforços gastos nessa obra, com grossas culpas do Depósito de Remonta. E a tapada que podia ser uma excelente escola de agricultura voltou à primitiva forma de terra maninha. Até quando?
 

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NOTAS
(1)
Nesta capela jaz, em sepultura rasa, Hilário de Santa Rosa, bispo de Macau, falecido em 1764.

(2) Como nas salas do andar nobre da Torre de Belém.

(3) Opostamente fica a porta do carro, para entrada de carros e animais carregados.

(4) Actualmente quase todo ocupado pela Escola Prática de Infantaria.

(5)Está mui bem conservada, devido ao zelo do comandante – o coronel Victor Teles.

(6)Constituição Nullus Domino, de 27-VII-1599.

(7)Vd. pg. 34 nota 3.

(8)Ainda ao comandante Victor Teles se deve a sua boa conservação.

(9)Os desentulhos chegaram para entulhar e terraplenar a depressão transformada na actual praça fronteira à igreja.

(10)Grandes represas de água para regar.

(11)  – Em cujo chalet almoçava e descansava dos seus giros venatórios D. Carlos I.

(12)Hoje, à entrada desta, ficam abegoarias, lagares, cavalariças e estábulos, à direita; à esquerda, os tanques e a estufa.

(13) Opúsculos, vol. VII, tomo IV.

 

 

 

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