Anthero
Dias d’Alte da Veiga nasceu
na freguesia da Cerdeira, Arganil, em 1 de Março de 1866, e
faleceu em Mogofores, Anadia, em 16 de Dezembro de 1960.
Foi guitarrista
exímio, compositor, político e diplomata. Como guitarrista e
compositor, diz Paul Vernon em “A History of the Portuguese Fado”:
Não está
claro quem foi o primeiro guitarrista virtuoso. Possivelmente foi
Anthero da Veiga, nascido em 1866, estudante em Coimbra à volta de
1885 e portanto um contemporâneo de Hilário. António Brojo
forneceu a seguinte descrição de A. da Veiga:
Um
proeminente virtuoso da guitarra e pioneiro da tradição
instrumental em Coimbra. coleccionador entusiasta de músicas
regionais Portuguesas, ele incorporou algumas das melodias que
recolheu nas suas composições instrumentais. “Bailados do Minho”,
utilizando melodias que acompanhavam danças da região do Minho, é
uma das suas composições mais bem conhecidas.
Como o próprio
Anthero da Veiga afirmou, e citando "A Comarca de Arganil" de
20/3/42:
"a minha
orientação é, sobretudo, folclórica, procurando passar a canção
popular à forma literária sem lhe alterar o "lied", antes
respeitando a sua ingenuidade e singeleza, quando se trata de uma
estilização".
Animava as
festas dos Santos Populares tendo tocado, em Coimbra, nas
“fogueiras” do Largo do Romal e do Mercado do Calhabé.
O conhecido
cultor da canção de Coimbra Fernando Rolim orgulha-se de ter sido
acompanhado por Anthero da Veiga e conhece várias histórias
relativas a ele com Augusto Hilário.
Anthero da
Veiga foi um dos primeiros guitarristas a dar concertos e a
mandar construir uma guitarra adequada a este fim. Adquiriu
rapidamente fama em Portugal onde deu numerosos concertos,
iniciados na década de 1880, e também em Espanha, França e
Inglaterra. Ainda que com relutância em aceitar o convite, tocou
perante o Rei D. Carlos, a pedido deste. Alguém chamou a atenção
do Rei para o facto de Anthero da Veiga ser republicano, mas D.
Carlos retorquiu que a Arte não tem cor política. Depois de
o ouvir fez-lhe os maiores elogios, dizendo que nunca ouvira tocar
com tanta perfeição e nitidez, e a seguir à execução de diversas
variações em lá menor, chegou a dizer: – "É assombroso! É
phenomenal!!"
Em 1929 o
Professor Arundell, da Universidade de Liverpool, ouviu-o tocar
num concerto na Corunha e convidou-o para se deslocar a Liverpool,
onde gravou 12 músicas. O êxito foi notório e, no regresso a
Espanha, a "His Master's Voice" solicitou mais doze números da sua
autoria, que foram gravados em Barcelona.
Foi por
influência do seu mestre-escola que se tornou republicano, e
republicano permaneceu até à morte com 94 anos. Foi um político
muito influente na Beira, em especial no Concelho de Arganil. Foi
pioneiro no associativismo da Beira-Serra (Comissões de
Melhoramentos) mercê do seu prestígio pessoal, tendo dado vários
concertos de guitarra com o fim de angariar fundos.
De 12 de
Novembro de 1899 até Julho de 1906 teve uma participação activa na
administração da Santa Casa da Misericórdia de Arganil.
Foi
escrivão-notário em Arganil. Nesta vila granjeou simpatias e
notoriedade, pelos seus dotes de guitarrista e intelectual,
factores que o levaram ao exercício de funções autárquicas e, mais
tarde, ao ingresso na diplomacia.
Logo após a
implantação da República, Anthero da Veiga encetou uma nova faceta
da sua vida no distrito de Coimbra que foi a de “administrador do
concelho”, cargo de nomeação cujas funções faziam do seu titular
uma espécie de “Delegado do Governo” junto dos municípios e não
implicava a obrigatoriedade de residência no concelho. Foi o 1º
administrador do concelho de Arganil da era da República e depois
em Oliveira do Hospital.
Pela sucessão
das suas colocações como “administrador de concelho”, Anthero da
Veiga parece ter funcionado, como diz Quaresma Ventura, como uma
espécie de “bombeiro” que ia apagando os “fogos políticos” que
deflagravam um pouco por toda a parte, pois foi também nomeado
para posição idêntica em Vila Nova de Poiares e, no ano seguinte,
para Miranda do Corvo. Em Março de 1913 foi nomeado para idêntico
cargo no concelho de Pampilhosa da Serra, onde iria também exercer
funções de oficial do Registo Civil, mas a posse não chegou a
verificar-se. Em Abril do mesmo ano foi nomeado administrador do
concelho de Montemor-o-Velho.
Em 1911 foi,
como empenhado militante, um dos participantes no comício
republicano que, em Abril, se realizou na Cerdeira, estando
acompanhado por outros políticos ilustres.
Teve uma
actividade jornalística notável. Era colaborador da “Revista
Amarela — Scientifica, litteraria e illustrada” desde o 1º número
saído em 21 de Outubro de 1903.
Em 1911 fundou
e dirigiu a Folha de Oliveira. No primeiro número
desta publicação assina um extenso editorial com o título “Sem
Rumo” onde se lê:
O nosso
semanário não se fundou para fazer guerra a ninguém, fundou-se
para fazer política republicana no concelho de Oliveira do
Hospital.
Grande
colaborador de “A Comarca de Arganil” (onde publicou muitos dos
seus versos) foi por ela muito referenciado. Tinha como propósito
fazer uma verdadeira “pedagogia cívica” como se pode ver num
artigo de 1ª página da edição de 11 de Julho de 1912, e na carta
ao Director no número especial comemorativo do 11º aniversário do
mesmo jornal onde se pode ler:
“Daqui
concluo eu ... que uma certa relutanciasita que aqui e além se tem
manifestado em aceitar a República como coisa boa e sagrada, há-de
acabar por ser uma grande paixão por Ela, quando sumidas as
preocupações vulgares como as que houve com o sulfato, as notas e
coisas várias, se veja que ´sob o manto diáfano da fantasia há-de
aparecer a nudez forte da verdade’: a República como razão do
progresso da Pátria”.
Tal como
aconteceu no campo musical, onde pretendeu captar a “alma” do
folclore popular, também na política Anthero da Veiga preferiu a
pedagogia à demagogia; o reformismo ao revolucionarismo.
Em 1921 foi
nomeado Cônsul de Portugal na Corunha, sendo datada de 17 de Abril
de 1922 a “Carta Patente” assinada pelo Presidente da República
António José de Almeida. A exoneração em 1928 por motivos
políticos foi comentada por vários periódicos galegos. Para El
Pueblo Galego o diplomata foi classificado como “modelo de
cavalheiro, homem de grande inteligência, alma de artista, douto
em música e literatura, que honrou Portugal na Galiza como
ninguém”. Permaneceu na Corunha até 1936, onde fundou em 1934 o
Centro Português. Citando Quaresma Ventura:
A
permanência de Anthero da Veiga à frente do consulado da Corunha
foi extremamente frutuosa, tendo levado a cabo diversas exposições
(nomeadamente de artesanato), e a nível humanitário saliente-se a
sua acção para regularização da situação de mais de 3 mil
portugueses indocumentados, evitando desse modo que eles fossem
enviados pelos espanhóis para a guerra que travavam em Marrocos.
Para além disso, fundou, junto do antigo consulado das Índias, uma
biblioteca galaico-portuguesa. Em 1926, foi homenageado pela
revista “Domecq em Galicia”.
Deve ter sido
um republicano bastante independente, pois não se conhece a sua
filiação em nenhum partido. Conheceu por três vezes a prisão: a 1ª
antes de 1910; a 2ª em 1911, no tempo da perseguição religiosa,
por ter autorizado a celebração de uma missa na festa do orago de
Oliveira do Hospital (não era praticante e afirmava que a
política e a religião não se misturam); a 3ª no regresso da
Corunha, em 1936, já com 70 anos de idade: considerado persona non
grata, foi colocado na fronteira e, logo que a atravessou, levado
preso para Lisboa. Após 1936, sempre acompanhado da sua guitarra,
continuou a tocar nas “fogueiras” e a fazer propaganda republicana
em tertúlias em cafés ou casas de pasto, o que levou a PIDE a
fazer buscas aos papéis em sua casa, onde só encontrou numerosos
exemplares do jornal República.
Entre os seus
amigos também se contavam adversários políticos com quem tinha uma
coexistência pacífica justificada por mútuo
respeito e compreensão, como ele próprio disse.
L. A. V.
Nota: O
Jornalista António César Quaresma Ventura tem em vias de
publicação o trabalho biográfico “Anthero da Veiga – Republicano,
Guitarrista e Diplomata”, do qual foram extraídos alguns dos
elementos aqui incluídos; o Cultor da Canção de Coimbra, Dr. Jorge
Cravo, é o Autor do anexo sobre o Guitarrista. |