In: Manuel S. Fonseca, Dersu Uzala, a águia da estepe, Nº 12, Algueirão, Secretaria de Estado da Reforma Educativa, M. E., SD, 16 pp.

Dersu Uzala

Texto de Manuel S. Fonseca

Brochura acerca do filme «Dersu Uzala» - Dim. 21x14,5 cm - Clicar para ampliar.

    O Filme

    Sinopse

    Análise do filme

    Aproveitamentos interdisciplinares

    Bio-filmografia

    Filmografia do realizador

    Bibliografia sumária

    Excertos de entrevistas e críticas

    Filmografia Complementar
   Ficha Técnica

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Dersu Uzala, a águia da estepe
O filme
 

Imagem de Dersu Uzala. Clicar para ampliar.

Realização: Akira Kurosawa; Argumento: Akira Kurosawa e Yuri Nagibine, segundo o livro de viagens de Vladimir Klavdievitch Arseniev; Fotografia: Asakadzu Nakai, Yuri Gantman, Fiodor Drobanravov; Direcção Artística: Yuri Raksha; Montagem: Akira Kurosawa e V. Stepanovoi; Música: Isac Shvartz; Som: Olga Bulkov; Interpretação: Maxime Munzuk (Dersu Uzala), Yuri Solomin (Vladimir Arseniev) , Svetiana Danilchenko (Ana, sua mulher), Dima Kortishev (Vova, seu filho), Schemelki Chokmorov (Chang-Bao), M. Bichkov, V. Khrulev, V. Lastochkin, S, Marin, I. Sikhra, V. Sergyavov (os soldados do destacamento de Arseniev), A. Pyatkov (Olentier), V. Kremena (Turtygin); Produção: Mosfilm (Moscovo) e Toho (Tóquio); Produtor: Karlen Agadjanov e Eiti Mattsue; Produtor Executivo: Karlen Agadjanov; Filmado em 70 mm, estéreo (seis pistas); Rodagem:1972-1974; Duração Original: 141 minutos; Estreia Mundial: Moscovo, 2 de Agosto de 1975; Estreia em Portugal: cinema Berna, 21 de Janeiro de 1978; Prémios: "Oscar" do Melhor Filme Estrangeiro, em1975; Grande Prémio do Festival de Moscovo de 1975.
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Sinopse

A acção de Dersu Uzala decorre em 1902. Uma unidade militar, comandada pelo capitão Vladimir Arseniev, realiza estudos topográficos na floresta de Ussuri, situada na Sibéria, junto à costa russa do Pacífico. Arseniev encontra Dersu Uzala, um velho e extraordinário caçador mongol, que conhece profundamente a região. Dersu tem uma relação perfeita com a Natureza e conduz o destacamento de Arseniev através de regiões desconhecidas.

Imagem do filme Dersu Uzala. Clicar para ampliar.

Inicialmente, Arseniev diverte-se com a relação panteísta que Dersu estabelece com a floresta, mas a eficácia do caçador acaba por conquistá-lo. Nasce entre os dois uma amizade sólida, sobretudo depois de Dersu salvar a vida de Arseniev, quando os dois se perdem numa região gelada. Quando Arseniev termina a sua missão, convida Uzala a partir com ele para Vladivostok. Sem sucesso.

Arseniev regressa em 1907 à mesma região. Descobre, então, que Uzala está a perder a vista, o que põe em perigo a sua sobrevivência na floresta. O próprio Dersu convence-se de que o seu infortúnio se deve à ofensa a Kanga, o espírito da floresta, por ter abatido um tigre. Arseniev convence-o a vir com ele para a cidade. Todavia, apesar de bem acolhido pela mulher e pelo filho de Arseniev, Dersu sente-se terrivelmente infeliz com o modo de vida citadino a que não consegue adaptar-se. Arseniev, compreendendo a profunda infelicidade de Dersu, acede a deixá-lo voltar para a floresta. Dá-lhe de presente uma espingarda fácil de manejar, para que se possa defender melhor, compensando a falta de vista.

Pouco tempo depois, Arseniev é convocado para identificar o corpo de um mongol encontrado morto na floresta e que trazia consigo um cartão de visita seu. É, evidentemente, Dersu Uzala, abatido por alguém que lhe quis roubar a espingarda.

Arseniev enterra-o em plena floresta. Três anos depois, regressa à região e descobre, aterrado, que um grande projecto de construção levou ao abate das árvores e à destruição da floresta.
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Imagem do filme Dersu Uzala. Clicar para ampliar.

Análise do filme

Dersu Uzala é um filme que pode ser apreciado e amado mesmo por quem não conheça nada sobre a obra do seu realizador, Akira Kurosawa. Mas os principais temas que o filme evoca – em particular, o elogio de uma "natureza pura" contra a ameaça que a civilização parece constituir – serão ainda mais emotivamente vividos pelos espectadores que conheçam minimamente o estado de espírito com que Kurosawa criou esta obra.

Em 1970, após a realização de Dodescaden – para muitos comentadores um dos mais belos filmes do cineasta – Kurosawa parecia ter caído em desgraça. Dodescaden foi friamente recebido, cavando a ruptura com os produtores japoneses. O sentimento de incompreensão da sua obra e dos seus temas foi de tal ordem que Kurosawa tentou suicidar-se.

Durante cinco anos, Kurosawa não voltou a filmar. Nem voltaria se não tivesse tido a ajuda de mão estrangeira. Neste caso, foi um cineasta soviético, Serguei Guerassimov, que o estimulou, abrindo-lhe as portas para os contactos com os estúdios da URSS.

A proposta de Kurosawa aos estúdios – filmar os relatos de viagens do capitão Arseniev na taiga siberiana – parecendo embora surpreendente aos produtores, era a expressão exacta do estado de espírito do cineasta. Ao propor a adaptação ao cinema dos livros de Arseniev, Kurosawa voltava a glosar temas que lhe eram caros: o tema da sabedoria ancestral (fulcro de Dodescaden, por exemplo) ou o tema da aventura nos grandes espaços naturais. Mas o que fundamentalmente interessou Kurosawa foi a possibilidade de filmar uma "viagem interior", pressupondo uma iniciação e uma maturação do espírito humano que o levam a entender a existência de uma relação íntima entre o equilíbrio com a natureza e o equilíbrio do indivíduo consigo mesmo. Mais ainda, essa "viagem interior" só pode ser a tomada de consciência da impossibilidade absoluta desses equilíbrios. É essa a viagem de Arseniev e é por isso que, em última análise, Arseniev pode ser visto como a personagem central desta história. Ou seja, Dersu Uzala não é apenas o guia topográfico de Arseniev – sem o saber, ele é também o guia / 6 / espiritual do capitão, o guia de uma metamorfose que o faz aceder à "sabedoria modesta" de que Kurosawa fez o elogio, em entrevista sobre o filme: "A civilização moderna fez progredir as coisas a uma velocidade vertiginosa e não estou certo que não estejamos a orientar-nos numa direcção nociva. todos os homens devem fazer prova de uma grande modéstia e viver em comunhão com uma natureza à qual não são superiores. É preciso pensar um pouco à maneira de Dersu e não querer dominar sistematicamente essa natureza."

No fundo, Dersu Uzala pode ser visto como uma nova e uma das mais sentidas variações, sobre uma obsessão que o cineasta herdou dos romances de Dostoievsky, a saber, o elogio do instinto enquanto "inteligência fundamental". E essa inteligência está bem expressa no modo de percepção das coisas e dos seres que Dersu incarna e em que ele inicia o capitão. Um modo de percepção que supõe um sentido não sequencial do tempo e uma visão do espaço que não passa unicamente pelo olhar.

A essa iniciação de Arseniev, Kurosawa quis corresponder com esquemas formais que fossem, eles mesmos, também uma viagem de iniciação" cinematográfica, no sentido em que, neste filme, o realizador se excede na procura de um duplo equilíbrio: o do tempo e o do espaço. O tempo, em Dersu Uzala, não corresponde, por exemplo, ao tempo de um filme de aventuras – o filme que, alguém disse, Dersu Uzala teria sido se Kurosawa o tivesse realizado nos anos 40. O tempo de Dersu Uzala é vagaroso, adequado ao espaço majestático da floresta. E o tratamento do espaço, atribuindo considerável valor aos elementos (o que é sobretudo sensível na relação animista de Dersu com o fogo, por exemplo), a cada personagem (e os animais não são neste filme "menos personagens" do que os humanos) e a cada objecto, levou Kurosawa a uma mise-en-scene elaborada, que não hesita em fazer-nos passar da paisagem aberta ao pormenor de um rosto, que é como quem diz, do plano geral ao grande-plano.

A planificação do filme, utilizando múltiplos planos para cada cena, é tanto mais interessante, quanto supõe opções técnicas novas ao realizador, como ele próprio afirmou: "Para captar a natureza, para representar a sua grandeza, precisava de um formato grandioso. Escolhi por isso filmar em 70 milímetros. Ao mesmo tempo, para registar o som da natureza em seis pistas estereofónicas, isso dá efeitos que o cinemascope não pode dar. Com os formatos reduzidos em 35 mm, é-se obrigado a ampliar consideravelmente a imagem em projecção, e perde-se em qualidade. É um problema que não se tem com os 70 milímetros". Todo este cuidado técnico, implicando evidentemente questões de estilo, se apaga, evidentemente, nas versões em vídeo do filme.

Para além das dificuldades técnicas decorrentes da filmagem em 70 milímetros, deve dizer-se que as condições logísticas da rodagem assumiram características verdadeiramente lendárias. A escolha dos locais de filmagem foi demorada, implicando a visita a diversos cenários nas diferentes estações do ano. O mesmo valeu, / 7 / de forma ainda mais premente, para o período de realização propriamente dita, como diz Kurosawa: "Filmei durante nove meses, repartidos por várias estações. Comecei depois da Primavera. O tempo de filmagem foi entrecortado, às vezes, por tempestades e pela chuva. Foi necessário mais um ano e três meses de montagem, sincronização e de misturas. É muito difícil manter durante nove meses o nível de concentração de uma rodagem. Como a natureza não se curvava à nossa vontade, foi preciso muito tempo."

Nestas condições homéricas de rodagem, é impressionante como Dersu Uzala se apresenta tão cerradamente coerente no estilo e no tema – é, sem dúvida, uma obra majestosa e elegíaca – como é admirável a unidade do trabalho de Maxime Munzuk, o actor de teatro soviético que incarna o velho Dersu, bem como o extraordinário trabalho de "escuta" que comporta a representação de Yuri Solomin, o actor que no filme dá corpo ao capitão Arseniev.

Aproveitamentos Interdisciplinares Imagem do filme Dersu Uzala. Clicar para ampliar.

Dersu Uzala permite digressões interdisciplinares variadas. Antes de mais, é um filme que pode, a vários títulos, ilustrar ou desencadear debates sobre os entendimentos antagónicos da Natureza que Dersu e o destacamento militar comandado por Arseniev incarnam.

Há, a meu ver, o perigo de uma leitura simplista tender a colocar o filme do lado de uma visão excessivamente angélica do "bom selvagem" e de uma "boa natureza", em que seria possível ao homem integrar-se de forma completamente harmónica. Tenho boas razões para crer que a visão de Kurosawa não se pautava por este tipo de inocência. Volto a sublinhar que não só a história do filme tem um desenlace amargo, não se vislumbrando na caracterização das personagens e daquele espaço físico nenhuma hipótese segura de uma pacificação absoluta das relações Homem-Natureza, como também, do ponto de vista do estilo, o tom é sempre elegíaco.
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O paralelo entre Dersu Uzala e o que no cinema (caso dos filmes dos grandes documentaristas, como Robert Flaherty, ou de cineastas em cuja obra a terra tem um fortíssimo apelo, como é o caso do cinema de Dovjenko) ou noutras artes tem sido o tratamento estético dos grandes espaços naturais, pode igualmente ser um tópico estimulante de diálogo. No cinema e na televisão esses modelos ficcionais de tratamento do espaço vêm na sua grande maioria, do cinema americano. O que é interessante neste filme de Kurosawa é que se trata de um espaço geograficamente diferente a taiga siberiana – e de um tipo de travessia do território em que o nó dramático é menos o dos confrontos entre grupos humanos e, essencialmente, o de uma relação ou conflitual, ou quase mística, com a natureza.
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Bio-filmografia de Akira Kurosawa Image do filme - Clicar para ampliar.Akira Kurosawa - Clicar para ampliar.

Nasceu em Tóquio, em 1910. Hoje é, sem sombra de dúvida, o mais conhecido e o mais estimado realizador japonês, ainda que a sua obra não tenha atingido a grandeza temática e formal das obras de Kenji Mizoguchi ou de Yasujiro Osu.

Das suas experiências da adolescência, uma das que o marcou de forma indelével – o que vale para os seus filmes, mas também para a sua vida – foi o suicídio do irmão, Heigo, mais velho quatro anos. Na autobiografia de Kurosawa o irmão surge como a personalidade decisiva para ele no plano formativo. Foi Heigo quem o iniciou na literatura e na pintura. Com o irmão, Kurosawa descobriu, por exemplo, a obra de Dostoievsky, uma das influências perenes na sua carreira. E foi ainda com Heigo, que Kurosawa se iniciou no cinema, vendo os filmes mudos que o irmão, na sua qualidade de "comentador e leitor de inter-títulos" apresentava nas salas de cinema. Entre o cinema, a literatura e a pintura, Kurosawa acabou por decidir-se por esta última, estudando pintura clássica e moderna, na Academia de Belas-Artes de Tóquio. Quem viu Kagemusha, Ran ou o mais recente Sonhos sabe bem a influência que essa aprendizagem viria a ter nos cometimentos estilísticos do cineasta.

Do irmão, Heigo, Kurosawa, para além desta iniciação às artes (e notar-se-á o quanto o tema de aprendizagem é dignificado no seu cinema, e muito especialmente neste Dersu Uzala), herdou também uma filosofia pessimista da vida: "Para ele, todo o esforço humano era comparável a uma dança sobre uma pedra tumular", escreveu Kurosawa. Foi, de resto, esse pessimismo constitutivo que conduziu Heigo ao suicídio.

Circunstâncias acidentais levaram Kurosawa, em 1936, a responder a um anúncio que pedia assistentes de realização para um estúdio de cinema. Kurosawa apresentou-se e ficou, dando-se então conta, como relata nas suas memórias, que "tudo o que tinha feito me conduzia fatalmente para esta escolha. Literatura, pintura, música e teatro, tudo o que estudara com tanta paixão, convergia para o cinema".
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Depois de alguns anos a trabalhar como argumentista, Kurosawa chegou finalmente à realização, em 1943. O seu primeiro filme chamou-se A Lenda do Grande Judo. E durante a Segunda Guerra, então em pleno curso, Kurosawa assinará ainda mais dois filmes. Em nenhuma destas obras, os comentadores do cineasta encontram sinais de um estilo ou de uma temática pessoais. Será depois da guerra, e num filme com um título sintomático, Não Lamento a Minha Juventude, que Kurosawa começa a impor o seu nome aos estúdios e ao público japoneses. O filme era, acima de tudo, a exaltação do Eu, feita através de uma personagem feminina, caso raro na obra de Kurosawa, dominada pelas grandes figuras masculinas.

Em 1948, começa a sua associação ao actor Toshiro Mifune. Juntos fazem O Anjo Embriagado, cuja acção se passa nos "bas-fonds" de Tóquio, confrontando um médico alcoólico de espírito generoso a um terrível gangster (Mifune) atingido pela tuberculose. Até 1965, a relação entre Kurosawa e Mifune passará a ser uma das constantes das respectivas carreiras.

Ambos conquistarão a celebridade no Ocidente, em 1951, quando Roshomon, um filme de Kurosawa, em que Mifune interpretava o papel de um bandido, conquistou o Leão de Ouro do Festival de Veneza. Era uma ficção construída em sucessivos "flash-backs" (e esse aspecto formal muito contou para seduzir o público e a crítica na Europa). Cada flash-back contava, de o ponto de vista de uma nova personagem a mesma história de uma violação ocorrida no Japão medieval.

Esse triunfo e reconhecimento de Kurosawa pelos ocidentais permitiu a Kurosawa um segundo fôlego na carreira. A partir daí, os seus filmes, libertos de constrangimentos económicos, passaram a ser mais ambiciosos, tanto no plano económico, como no plano artístico, em geral adaptando grandes obras da literatura ocidental, de Dostoievsky a Shakespeare. Mas seriam sobretudo os filmes históricos – os "jidai-geki", como são conhecidos no Japão – que proporcionam a Kurosawa um sucesso nunca dantes conhecido pelo cinema japonês. Os Sete Samurais, retrato das guerras civis no Japão, volta a ganhar em Veneza (desta vez, o Leão de Prata) e, juntamente com Yojimbo, converte-se num modelo para algum cinema europeu e americano de "acção".

Em 1965, e a progressão regular da carreira de Kurosawa começa, todavia, a sofrer as primeiras convulsões. Hollywood convida-o para filmar a parte japonesa de Tora, Tora, Tora, um filme sobre a guerra do Pacífico, mas as exigências o cineasta (o direito de fazer a montagem final) levam a 20th Century Fox a quebrar o contrato. Como resposta Kurosawa filma Dodescaden, "filme trágico, mas não desesperado", segundo Aldo Tassone, e que filmava a miséria escondida do Japão industrial. Foi, porventura o mais pessoal de todos os seus projectos, mas foi também, e pela primeira vez, um insucesso de bilheteira. A tentativa de suicídio do cineasta veio acrescentar mais uma nota sombria a uma carreira que pareceu estar terminada.
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Dersu Uzala, apesar do excelente acolhimento, não restaurou a confiança dos produtores no cineasta. E só quando a geração dos novos cineastas americanos dos anos 70 (Francis Coppola, George Lucas e Spielberg) o decidiram apoiar, é que Kurosawa, cinco anos depois, foi capaz de filmar Kagemusha, exemplo de um estilo de mise-en-scene que atesta a mestria do realizador para compor sumptuosos quadros plásticos ou de tratar pictoricamente os emblemas e sinais pelos quais os Poder se faz representar. Ran será a posterior confirmação dessa nova tendência. Sonhos, o último filme dele que vimos, tinha essa dimensão íntima do confronto com a morte, só acessível a quem tenha já chegado a uma concepção da vida semelhante a do velho caçador de Dersu Uzala. Provavelmente esse "conhecimento da morte" é nela uma história muito antiga, que vem já da infância do cineasta. Eu conto. Kurosawa não sabia nadar e, um dia, o irmão levou-o num barco para o meio do rio, atirando-o de repente à água. O pequeno Akira batia as mãos e os braços, mas logo que se aproximava do barco, o irmão remava um pouco mais. Cansado, Akira sucumbiu. Nesse momento, o irmão tirou-o da água. Kurosawa afirma que, quando recuperou os sentidos, tomou consciência de que perdera o medo e aprendera a nadar. E lembra-se que o irmão lhe disse: "Akira, diz-se que as pessoas que se afogam morrem a sorrir. É verdade, eu vi-te."
 

Filmografia do Realizador

1943 – Sugata Sanshiro ("A Lenda do Grande Judo");
1944 – Ichiban Utsukushiku ("O Mais Belo");
1945 – Zoku Sugara Sanshiro ("O Mais Belo lI");
            Tora-no-o O Fumu Otokotachi ("Os Homens que Caminham na Cauda do Tigre");
1946 – Waga Seishun Ni Kui Nashi ("Não Lamento a Minha Juventude");
1947 – Subarashiki Michiyobi ("Um Domingo Maravilhoso");
1948 – Yoidore Tenshi ("O Anjo Embriagado");
1949 – Shizukanaru Ketto ("O Duelo Silencioso");
             Nora-Inu ("Cão Perdido");
1950 – Sukyandaru/Shubun ("Escândalo");
             Rashomon ("Rashomon");
1951 – Hakuchi ("O Idiota");
1952 – Ikiru ("Viver");
1954 – Sichinin No Samurai ("Os Sete Samurais");
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1955 – Ikimono No Kiroku ("Crónica de um Ser Vivo");
1957 – Kumonosu-Jo ("0 Castelo da Aranha");
             Donzoko ("O Bas-Fonds");
1958 – Kakushi toride No San-Akunin ("A Fortaleza Escondida");
1960 – Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru ("os Patifes Dormem em Paz");
1961 – Yojimbo ("Yojimbo");
1962 – Tsubaki Sanjuro ("Sanjuro das Camélias");
1963 – Tengoku to Jigoku ("Entre o Céu e o Inferno");
1965 – Akahige ("Barba Azul");
1970 – Dodeskaden ("Dodeskaden");
1975 – Dersu Uzala ("Dersu Uzala");
1980 – Kagemusha ("Kagemusha, a Sombra do Guerreiro");
1985 – Ran ("Ran");
1990 – Konna Yume OMita ("Sonhos de Akira Kurosawa");
1991 – Hachigatsu no Rapusodi ("Rapsódia em Agosto");
 

Bibliografia Sumária

De Kurosawa
Somelhing like an Aulobiography, Nova lorque, 1982.

Sobre Kurosawa

Livros
The Films of Akira Kurosawa, Donald Richie, Berkeley, 1970.
Akira Kurosawa, a Guide lo Reference and Resources, Patricia Erens, Boston, 1979.
Akira Kurosawa, Aldo Tassone, Paris, 1983.

Entrevistas
Sight and Sound, Primavera de 1964, a Donald Richie.
Film Comment, Junho de 1980, a Dan Yakir.

Artigos sobre "Dersu Uzala"
Hubert Niogret, em "Positif", nº 190, 1977.
Serge Daney, em "Cahiers du Cinéma", nº 274,1977.
J. Hrbas, em "Young/Jeune Cinéma & Théâtre", Praga, Verão de 1976.
Tom Milne, em "Monthly Film Bulletin", Janeiro de 1978.

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Excertos de Entrevistas e Críticas

"Descobri há muitos anos as obras de Vladimir Arseniev e} a personalidade de Dersu Uzala comoveu-me imediatamente. E um homem maravilhoso e descobri na sua história uma grande modernidade. Punha-se inevitavelmente um problema de cenário. Não podia realizar esse filme no Japão, uma vez que precisava de uma natureza virgem, imensa. Nas viagens que fiz pelo mundo acabei sempre por ver uma natureza destruída pelas civilização e dei-me conta, afinal, de que só poderia filmar aquela história na Sibéria. Eram, além do mais, os mesmos lugares onde as personagens tinham vivido."

Interrogado sobre a aparição do tigre, na taiga, poder ser interpretada como a de uma força superior, determinando o comportamento dos homens, Kurosawa respondeu: "O tigre é a incarnação do espírito da taiga. As pessoas primitivas como Dersu, habituadas a viver em harmonia com a natureza, são sensíveis a esse tipo de coisas. Essa ideia aplica-se, bem entendido, a Dersu, não a mim".

Entrevista a Akira Kurosawa,
realizada por Dominique Maillet,
e publicada na revista "Cinématographe".


"Uma das qualidades maiores de Dersu Uzala é a sua autenticidade russa. Não há aqui nenhum artifício suspeito de um cineasta estrangeiro tratando um tema russo, mas uma criação tratada do interior, recusando todo o exotismo, para atingir uma profundidade notável. Dersu Uzala é o filme da serenidade de um cineasta tendo-se já confrontado com a morte no decurso de um suicídio falhado e que aborda a velhice".

Hubert Niogret,
crítico da revista "Positif".


"Sinto em Kurosawa o espectáculo total, que é ao mesmo tempo fábula, história, relato, romance, apólogo, mensagem e o cinema explorado em todos os seus meios de expressão, do plano de conjunto ao pormenor do fotograma fixo, da aceleração ao ralenti." – Federico Fellini
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Filmografia Complementar Clicar para ampliar.

Outros filmes importantes Rashomon (1950), existe em edição vídeo da Ecovídeo.
de Kurosawa Os Sete Samurais (1954).
Yojimbo (1961).
Dodescaden (1970).
Kagemusha -A Sombra do Guerreiro (1980), existe em edição vídeo da Publivídeo.
Ran - Os Senhores da Guerra (1985), existe em edição vídeo da Publivídeo.
Filmes de cineastas Os Contos da Lua Vaga (1953), de Kenji Mizoguchi.
japoneses O Intendente Sansho (1954), de Kenji Mizoguchi..
para estudo comparativo Os Amantes Crucificados (1954) de Kenji Mizoguchi.
O Herói Sacrílego (1955), de Kenji Mizoguchi.
Viagem a Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu.
O Gosto do Saké (1962), de Yasujiro Ozu.
O Enforcamento (1968), de Nagisa Oshima.
Feliz Natal Mr. Lawrence (1983), de Nagisa Oshima.
Desejos Profundos dos Deuses (1968), de Shohei Imamura.
A Balada de Narayama (1983), de Shohei Imamura.
Filmes em que é forte a relação Nanook of the North (1921), de Robert Flaherty.
Homem-Natureza Tabu (1929), de F. W. Murnau e Robert Flaherty.
A Terra (1930) de Dovjenko.
Wuthering Heights (1939), de William Wyler.
I Know Where /'m Going (1945), de Michael Powell e Emeric Pressburger.
The River (1951), de Jean Renoir.
African Queen (1951), de John Huston.
The Searchers (1956), de John Ford.
Moby Dick (1956), de John Huston.
Bitter Victory (1957), de Nicholas Ray.
Wind Across the Everglades (1958), de Nicholas Ray.
Wild River (1960), de Elia Kazan.
How the West Was Won (1962), de John Ford, George Marshall e Henry Hathaway.
Jeremiah Johnson (1972), de Sydney Pollack.
Fitzcarraldo (1982), de Werner Herzog.

 

Ficha técnica

Manuel S. Fonseca
Licenciado em Filosofia
Programador da Cinemateca Portuguesa
Crítico do Jornal "Expresso"

 

Paginação e Grafismo

Cândida Teresa

Gabinete de Meios Técnicos e Materiais

da Direcção Geral de Extensão Educativa
Dim. 21x14,5 cm


Edição

Secretaria de Estado da Reforma Educativa

 

Composto e impresso
 na Editorial do Ministério da Educação

Algueirão


Reconversão para HTML
Henrique J. C. de Oliveira
Espaço Aveiro e Cultura
Secundária J. Estêvão
Projecto Prof2000
Aveiro - 2012

 


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20-04-2018