(pág.
142 do Guia) - a
dimensão telúrica
A
terra, a vida e o homem são três elementos presentes na
poesia de Torga. É da sua cúmplice reciprocidade que se gera
o ciclo da fecundidade, da fertilidade e da reprodução, os
ritmos cósmicos da vida e da morte. As metáforas utilizadas
para referir a terra ajustam-se às utilizadas em relação à
vida e ao homem.
A
sua poesia exalta a terra, numa plena consciencialização dos
laços do homem com a natureza. A natureza é Portugal, que o
poeta conhecia bem. Uma natureza agreste (serra, fragas,
penedos, árvores rijas) que o poeta mitifica e a que se liga
numa espécie de panteísmo; como se a natureza o defendesse
contra outros males e inseguranças que o ameaçam e envolvem,
num mundo de isolamento.
A
terra a quem Torga fala é simultaneamente o solo do país
natal e a Terra - mãe de toda a vida humana, com todo a sua
força e poder regenerativo. A sua poesia é fundamentalmente
a busca da fidelidade no Terrestre (a responsabilidade humana
perante a vida), a busca da inteireza do homem no Terrestre.
Para Torga, a terra é o lugar da realização do ser humano e
da sua ligação ao sagrado. A própria terra é a melhor
manifestação do sagrado ao ser expressão da criação. O
Homem deve ser capaz de realizar-se no mundo (unindo-se à
terra, sendo-lhe fiel, pois esta é o lugar concreto e natural
do Homem).
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PÁTRIA
Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se aclama...
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.
Uma
paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- sob a garra dos pés a fraga dura,
e o bico a picar estrelas verdadeiras...
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Este poema foi escrito no Gerês,
contemplando a Serra, na qual o Eu lírico projecta os seus
sentimentos e a sua ideia de Pátria: uma terra-alma (a Pátria
é serra, terra, fraga, garra, falcão, altura e alma – do físico
ao espiritual, da terra ao céu). Na segunda estrofe, o Eu
imagina-se um falcão, pássaro agressivo e orgulhoso, que
leva nas suas garras a fraga da terra, rumo à altura/ à
verdade. O falcão, ave da terra e do céu, simboliza essa
dualidade que caracteriza a Pátria, no sentir de Miguel
Torga.
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REGRESSO
Regresso
às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!
Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.
Depois
o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.
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