«Entre
a sua chegada definitiva a Lisboa, de regresso da África do
Sul, em 1905, e o ano de 1914, decorre como que um período de
formação poética do jovem Pessoa, na descoberta da
literatura portuguesa e no contacto com os movimentos literários
e culturais da época. Trata-se de um período de aprendizagem
e de busca que culminará com o surgir dos heterónimos, arte
suprema do fingimento poético, teorizado em Autopsicografia.
É
assim que, em 1912, começa a publicar, em língua portuguesa,
na revista Águia, dirigida por Teixeira de Pascoaes,
os seus primeiros textos. E o que era esta revista? A Águia
era uma revista ligada ao movimento cultural do início do século
XX – a Renascença Portuguesa -, liderado por
pensadores como Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e Teixeira
de Pascoaes. Procurava-se fazer “renascer Portugal,
aprofundando aquilo que Pascoaes designou de arte de ser
português, procurando nas nossas raízes tradicionais a
“receita” para a recuperação de identidade nacional
perdida e um ponto de partida para a reconquista da nossa
“grandeza” (...) Mais do que contemplação do passado,
viam os saudosistas na saudade a força dinamizadora de
construção do Futuro – tratava-se, pois, de um conceito de
Saudade dinâmico e não contemplativo.»[Bibl.]
É
do ano de 1913 o poema “Impressões do crepúsculo”,
mais conhecido por “Pauis” (do seu primeiro verso “Pauis
de roçarem ânsias pela minh’alma em ouro”). É uma
espécie de texto-programa, feito “experimentalmente” para
concretizar teorias poéticas expostas por Pessoa na Águia (o
paulismo). Do mesmo modo, surge “Chuva oblíqua”,
em que o poeta experimenta o que designou por interseccionismo
(movimento relacionado com correntes modernistas das artes plásticas,
nomeadamente a pintura cubista).
Em
1914, Pessoa atinge o essencial da sua teoria poética,
primeiro em poemas-teorizadores, como “Autopsicografia”
e “Isto”, depois numa série de outros poemas que
viriam a ser reunidos no Cancioneiro e, por fim, na
criação dos heterónimos.
Assim,
podemos considerar que a poesia de Fernando Pessoa ortónimo
(Fernando Pessoa ele mesmo) apresenta várias vertentes:
-
a
saudosista (de carácter nacionalista), presente no único
livro que publicou em vida: “Mensagem”;
-
a
modernista (já a tender para o futurismo), visível nos
poemas em que experimenta e teoriza novos movimentos estéticos,
como o paulismo (“Pauis de roçarem ânsias pela minh’
alma em ouro...”) ou o interseccionismo e o
sensacionismo (“Chuva oblíqua”);
- a tradicional, com influências
decadentistas e simbolistas, visível nos poemas que viriam a
ser agrupados no “Cancioneiro” (“Autopsicografia”,
“Isto”, “Tudo o que faço ou medito”, “Ela canta,
pobre ceifeira”, “Leve, breve, suave”, “Gato que
brincas na rua”, “Ó sino da minha aldeia”, “O menino
da sua mãe”, entre outros).
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