Ezequiel Arteiro, Palavras que eu canto,  1ª ed., Aveiro, O Nosso Jornal - Portucel, 1984, 96 pp.

Quadras

 

Baixei-me p'ra colher trevo:
Logo aproveitaste a altura...
Quero erguer-me e não me atrevo:
Agora já não tem cura.

 

Colhi trevo, mas a sorte
Escondeu-se na raiz.
O meu destino é mais forte
Do que a velha lenda diz.

 

Na noite de S. João,
Nem sei o que entre nós houve...
Perdoo-te essa traição,
Só pelo bem que me soube.

 

Na noite de S. João,
Sei que à fogueira não faltas
Hei-de deitar-me no chão:
Espreitar-te, quando saltas.

 

Quer seja loira ou morena
Ou da cor mais variada,
Toda a moçoila faz pena
Depois de sair da alhada.

 

Apenas por amizade
Venho dar-te um mangerico.
— Tanta generosidade
Não trará água no bico?

 

Junto à fogueira ninguém
Se derrete com calor.
Mas no escuro há sempre alguém
A derreter-se de amor.

 

Pecados velhos que o vento
Há tanto tempo levou
Voltaram-me ao pensamento
Quando o S. João voltou.

 

Este ano lanço um balão
Verde, cor da esperança
Em honra de S. João
E homenagem à criança.

 

São João, muito me encanta
A lã do teu cordeirinho
Quem ma dera para manta
Do meu querido filhinho.

 

O simples trevo que existe
Sobre a cruz da minha vida.
É um testamento bem triste
De tanta sorte perdida!...

 

Sempre que uma boca se une
A outra para beijá-la,
É uma fogueira sem lume
Que ninguém pode apagá-la!...

 

Brincarei com meus netinhos,
Na tela do meu colchão,
E, quando derem saltinhos,
Até dança o S. João!...

 

Na noite de S. João
Não me safo de sarilhos
Volto a ficar de «balão»
Em vez de três, quatro filhos.

 

Como estás agarradinho
As «bóias» de salvação!
Tentas furar-me o «barquinho»
Sobre ondas de S. João.

 

Nas trovas de S. João
Todo o fascista se apraz
De cantar a do Mourão,
— Ó tempo volta para trás. ­

 

Ó «Manel», o meu receio,
Na noite de S. João
É da «martelada» em cheio
Depois das que apanho em vão.

 

Em noites de S. João
Deste-me um filho e fugiste...
Embora não lhe dês pão,
Vem vê-lo, que nunca o viste!

 

Ó S. João! Ai se eu fosse
De virtude feiticeira,
Cegava aquele olhar doce
Que salta a tua fogueira!

 

Lindo Balão! — por favor,
Cai desse espaço sem fim
Nos braços do meu amor
E dá-lhe beijos por mim...

 

Canto e danço em teu redor,
Hei-de te encher de festinhas
Vês um pombo arrulhador
Fazer o mesmo às pombinhas.

 

Maria — ouvi charmar-te
«Rouxinol dos arraiais»!
Mas... Quando o S. João parte
Nem os (grilos) cantam mais!

 

Aquele amor, a ternura,
Que na fonte me jurou,
Foi um sol de pouca dura...
Água o deu, água o levou.

 

Caiu-me cinza na chaga
Da fogueira que ma fez!
Vi que o fogo não se apaga
Porque me ardeu outra vez.

 

Beijei um amor perfeito
Na noite de S. João.
Ficou-me um cravo no peito
A prender-me o coração.

 

É toda a minha cegueira
Ver saltitar no teu seio,
Quando saltas a fogueira,
Um limão cortado ao meio.

 

Irei perder a cabeça
Na noite de S. João?!
— Que importa que isso aconteça
Se encontro o teu coração?

 

Por ti, eu morro de amor!...
Coloca-me no caixão
Um ramo p'ra eu depor
No céu, junto a S. João.

 

Sou Bombeiro e embora queira,
Nunca consigo a extinção
Do rescaldo de fogueira
Da noite de S. João...

 

Ó meu rico S. João
As festas e pés de dança,
Com certeza, morrerão
Se vais também para França.

 

Deste-me um beijo à fugida
Que me infundiu um desejo
De ter uma longa vida
E vivê-la só num beijo...

 

Com franqueza, tenho pena
De te ver assim pintada
Porque os teus beijos, pequena,
Sabem a tinta e mais nada...

 

Depois de te dar beijinhos,
Tentei colher-te também
Sem me lembrar dos espinhos
Que o caule da rosa tem;

 

Muitas vidas se entrelaçam
Pelos beijos que se dão
Adoçados com «maná»,
Da noite de S. João!...

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