Metade de mim
Partilhámos meio século das nossas existências: uma vida!
Uma vida em
que demos muito um ao outro. Era frequente percorrermos
quilómetros em total silêncio. Quando parávamos, para pequena
pausa, trocávamos ideias quanto ao que mais nos tinha
impressionado e, quase sempre, o que nós tínhamos vindo a pensar
ao longo do percurso poder-se-ia sobrepor sem grandes
diferenças.
Em ensaio de
retrospectiva, reconheço que as nossas vidas em comum foram um
verdadeiro fenómeno osmótico. Ao olhar para trás é espantoso
verificar como nos fomos moldando um ao outro.
Na sua última
semana de vida física, já no hospital, a certa altura a
Claudette olhou para mim como só ela sabia olhar e disse:
– António,
zangámo-nos muitas vezes; mas nunca adormecemos zangados.
Olhos
marejados, limitei-me a dizer que sim com um aceno de cabeça. O
que ela disse era verdade.
Insaciável na
sua vontade de absorver conhecimento, sabia repartir o seu tempo
entre as suas devoções familiares de esposa, mãe e avó, a sua
actividade de professora e de advogada, a sua permanente
apetência pelo estudo, de forma verdadeiramente exemplar. Noite
adentro, lá descobria os momentos de recolhimento favorecedores
da criação artística.
A pintura, a
cerâmica, a fotografia, a constante experimentação com as
ferramentas informáticas constituíam o seu mundo de paz
interior. Nunca adormecia sem ler.
AVEIROARTE,
pelos seus responsáveis, entendeu pôr de pé esta exposição
retrospectiva de parte da obra plástica da Claudette. É uma
atitude amiga que eu não esqueço. Ao Hélder Bandarra e restante
direcção de AveiroArte, ao Artur Fino, ao Jeremias Bandarra, que
puseram de pé a exposição, ao João Pedro que organizou o pequeno
catálogo, ao André, enfim, a todos. Sem esquecer o Canos Campos
que escreveu sentido texto que aqui se encontra. As palavras que
nos recebem na Galeria são da lavra do Artur, pai da Ágata que
tanto se preocupou com a Claudette.
MEUS AMIGOS:
AB IMO PECTORE, BEM HAJAM!
Gaspar Albino |