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● capitão bacalhoeiro

 

joão laruncho de são marcos

capitão da marinha mercante

 

 

Ao capitão confere a lei funções especiais, na sua qualidade de comandante do navio, que lhe acarretam responsabilidades, atribuições e deveres reconhecidos pelo Código, funções públicas e privadas. Nas suas funções públicas, é-lhe reconhecida competência disciplinar, policial e notarial para a resolução de casos «cometidos ou aparecidos a bordo».

As funções de carácter privado são as que lhe atribuem responsabilidades em relação ao proprietário, no respeitante à exploração do navio. Estas atribuições são inerentes a todo o capitão, genericamente, sem distinção da modalidade a que o navio se dedica.

Porém, o navio de pesca não é só um móbil de exploração comercial, mas também um ramo de indústria marítima. Por esta razão terá o capitão dum navio desta modalidade de ser, não só a entidade condutora do navio, sua tripulação e carga, mas também o técnico com possibilidades de trabalhar na exploração da indústria a que se dedica.

Ao capitão dum navio bacalhoeiro compete, sob o aspecto privado, angariar e preparar a carga, pela qual é o único responsável.

A pesca e a preparação do bacalhau exigem o número de conhecimentos que caracterizam uma especialização, conhecimentos empíricos, que podem, muitas vezes, não traduzir a verdade no campo científico, mas que pelo menos se estribam em resultados positivos relativos à pesca.

A pesca propriamente dita é, sem dúvida, a principal função do capitão na sua qualidade de pescador e à qual ele deve dedicar toda a sua atenção, visto dela depender o bom ou mau êxito da campanha.

Tem-se pretendido organizar as companhias e empresas de pesca do bacalhau nos mesmos moldes das companhias de navegação comercial. Porém, os resultados têm sido contraproducentes por impossibilidade de conciliar a imposição e orientação dos que vivem e laboram no trabalho regular, regrado e normal das organizações em terra, com o enorme espírito de sacrifício indispensável ao labor dos pescadores da pesca longínqua.

O capitão deve ser o mais independente possível no seu trabalho de pescador para conseguir um / 45 / maior rendimento, desligando-se de toda e qualquer orientação estranha que pretendam impor-lhe.

 

Esta dependência ou independência caracteriza os maus e os bons pescadores.

Como exemplo, recordo que na pesca do bacalhau à linha, o capitão. depois de escolher o local aonde vai arriar os dories, limita-se a dar conselhos aos pescadores, sem no entanto impor que cada homem ou grupo explore esta ou aquela zona da área por ele escolhida, deixando os movimentos livres a cada homem, por reconhecer que dum modo geral, a coacção implica prejuízo.

Como se sabe, é o bacalhau uma espécie migratória, sujeita aos mais caprichosos movimentos devido às sempre variáveis condições climatéricas dos bancos, condições que estão relacionadas com a temperatura e salinidade das águas.

Todo o capitão deve conhecer as condições do «habitat» do bacalhau, as épocas de desova e fecundação, os seus alimentos preferidos e épocas dessas preferências, as suas tendências em relação a correntes de água, profundidades a que vive ou pode viver, etc.

Na vastidão dos bancos, terá o capitão de procurar os cardumes, evitando, contudo, perder-se em pesquisas inúteis e portanto prejudiciais.

/ 46 / Pela experiência que a prática lhe confere, deverá saber as possibilidades de pesca relativas às várias épocas do ano e saber também coordenar a quantidade do seu pescado diário com a quantidade que lhe seria necessária nessa mesma época para conseguir uma boa safra.

Na preparação do pescado, tem o capitão de atender que esta fase é primordial, aquela em que se baseia a qualidade do bacalhau, abstraindo-nos das suas dimensões.

Nas diversas fases do seu tratamento, deverá impor cuidados e exigir atenções que vão da simples baldeação do peixe dum local para o outro dentro do navio, utilizando garfos, até à estiva e salga nos porões, depois de ter passado pela evisceração, decapitação, escala e lavagem.

Todas estas fases requerem o máximo cuidado, tendo em atenção não só a sua influência na apresentação, mas também a profilaxia para evitar as alterações a que o peixe está sujeito.


tripulações e companhas

Como sabemos, todo o navio está sujeito, por obrigatoriedade da lei, a uma equipagem que lhe é atribuída, segundo as suas dimensões e características. Esta lei não isenta os navios de pesca dessa obrigatoriedade, impondo, portanto, a esses navios, um número de homens de diversas categorias e classes, a quem correspondem responsabilidades e atribuições relativas à condução e conservação do navio.

Mas um navio de pesca necessita de pessoal especializado na modalidade a que se dedica.

É ao capitão que compete escolher e determinar o número de homens que lhe são necessários para atender as exigências da pesca e preparação do pescado. A este conjunto dá-se o nome de companha.

Tais companhas são a bordo e perante as autoridades marítimas, tripulantes do navio e, como tais, sujeitas à inscrição marítima e às normas que regem o meio marinheiro.

Mas conhecidas as pequenas dimensões dos navios de pesca relativamente ao grande número de tripulantes que têm de alojar, seria difícil ou muito prejudicial, no respeitante à sua exploração, separar o pessoal que constitui a sua equipagem-lotação, atribuindo-lhe funções e deveres específicos que não se coadunassem com a finalidade e objectivo da viagem, isto é, a pesca.

Todos a bordo deverão abstrair-se dos limites das suas atribuições, ampliando-as em atenção às exigências do meio.

Por esta razão, não deverão ser impostos ao capitão homens que ele julgue incapazes de se adaptarem à violenta vida da pesca.

A árdua e extenuante vida do bacalhoeiro exige de todos um sacrifício que não se ajusta à moderna civilização.

Em nossos dias, é grande a crise no Canadá pela falta de homens que queiram dedicar-se à pesca do bacalhau. Preferindo ocupações mais ou menos rendosas, a tudo se entregam, até mesmo ao desemprego e à fome, menos à violenta vida do pescador bacalhoeiro, receosos das suas inclemências.

As modernas indústrias têm levado aos mais modestos e humildes lares o conforto que, cada vez mais, vai tornando o homem inadaptável à brutal vida bacalhoeira.

Apesar disto, entre nós, reconhece-se uma afluência extraordinária de indivíduos que anseiam conseguir fixar-se e exercer as suas actividades na pesca do bacalhau. Porém, é notória a diminuição no rendimento do trabalho e capacidade das tripulações, devido à inadaptação do pessoal, obrigando o capitão a um esforço constante para atender às exigências da pesca, esforço que é a tradução dum espírito de sacrifício extraordinário e sem o qual o resultado final seria um fracasso.

Uma infiltração do Golfo Stream sobre o Sueste do Grande Banco, que motivou uma consequente elevação de temperatura das águas destes pesqueiros, obrigou os grandes cardumes de bacalhau a deslocarem-se em procura de «habitat» propício, refugiando-se junto à costa da Ilha da Terra Nova e Canadá, escoadouro da corrente fria do Labrador.

A pesca, que até aí era feita sobre as beiradas, deslocou-se para as proximidades de terra, nos limites das águas territoriais canadianas.

Conhecedores os capitães portugueses dos esforços e pretensões do Canadá e Estados Unidos para o afastamento dos pescadores estrangeiros dos mares e bancos da Terra Nova e Nova Escócia, tomam os maiores cuidados e precauções para não cair sob a alçada da lei destes países por infringirem o legislado sobre a zona de águas territoriais para a pesca.

(continua)

 
 

 

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