António Pereira de Magalhães nasceu, em Lisboa, há 74
anos (1924). No recreio da escola, era avançado; mas, um dia, calhou ir para a baliza e... por ali foi
ficando. Passou, para grande orgulho seu, pelas balizas do Sporting e do
F. C. do Porto. No Beira Mar jogou, também, como guarda-redes e, ainda hoje é
recordado pelas gentes desta cidade como «o Magalhães do Beira Mar». A
história de um grande guarda-redes.
Vestiu a camisola de muitos clubes, durante uma carreira
que durou até aos 32 anos e que se iniciou aos 17. Ligou-se ao futebol
por amor. Atleta de uma época em que este desporto era muito mais
violento, tem algumas marcas deixadas pelas lutas travadas nos campos pelados. É sportinguista,
mas admira o F. C. do Porto, porque "tem um grande presidente
−
Pinto da Costa."
O primeiro clube onde alinhou foi o Chelas. Na sua
estreia deixou que "os adversários
−
a célebre equipa do Estoril Praia
−
marcassem 5 golos, logo na primeira parte! Mas, na segunda, eu já ia
aos pés do Carvalho!"
Em 1941, foi jogar para o Sporting, equipa onde foi
sempre suplente. "Antigamente, os suplentes não se equipavam. Chegávamos
à cabina e o treinador dizia quem ia jogar. Não havia substituições".
Teve Szabo como treinador, "um excelente técnico que fez do filho, que
não era guarda-redes, um bom guarda-redes". Foram os melhores anos da
sua vida.
No Sporting jogou duas épocas, antes de ir para a tropa, em
1943. Cumpriu o serviço militar nos Açores
e aí vestiu a camisola do Marítimo de S. Miguel, voltando, entretanto,
para o clube dos "Leões".
O Beira Mar contratou-o em 1946, onde fez três temporadas.
Em 1948/49, foi para o Porto. Já comum na época, o clube aveirense ficou a
dever-lhe algum dinheiro, "mas ganhou bastante com a minha
transferência para o FC Porto." Saiu do Porto por causa de algumas
politiquices, e "tive a pouca sorte de ir para o Salgueiros. Não fiquei lá muito tempo, porque só vi o tesoureiro uma vez! Não pagavam!" A seguir, ainda
alinhou no Famalicão e no Vianense. Regressou ao Beira Mar, onde jogou
mais duas épocas.
Aos 32 anos, deixou de jogar e foi trabalhar para Cacia
−
"acabou o futebol". As saudades são muitas. Abandonar o futebol não foi
fácil, mas a vida é assim, e Magalhães bem se pode orgulhar dos seus
momentos de glória. Tempos bem vividos em que "o futebol era outra
coisa! Agora não se joga como se jogava antigamente: havia a carga ao
guarda-redes; os campos não eram de relva, mas de terra; jogávamos sem
luvas e até as bolas eram diferentes
−
quando chovia ficavam com um peso doido! Agora, parece que têm medo de
ir aos pés dos jogadores..." Tempos diferentes em que o futebol se
jogava "por amor a uma
arte" que hoje em dia é paga a peso de ouro. Naquela
altura, "não éramos considerados profissionais, porque o regime não o
permitia e, por isso, os clubes não eram obrigados a pagar. E muitas
vezes não pagavam mesmo!"
Do Sporting e do F. C. do Porto não tem razão de queixa. Estes
clubes "pagavam bem. No Sporting recebia 1.000 escudos por mês e no F. C.
do
Porto ainda ganhava mais: 3 contos por mês. Não nos faltava nada."
Feitas as contas, e contados os anos que nos separam da época de que Magalhães nos fala, era
realmente um bom salário. Mas registe-se que "foi nestes clubes e na
primeira temporada que fiz pelo Beira Mar que ganhei mais dinheiro."
Mesmo assim, foi a trabalhar na fábrica de Cacia, como caldeireiro, que
conseguiu amealhar alguns trocados que lhe permitem viver sem grandes
sobressaltos.
Hoje, ainda gosta de ir ver "a bola", mas vai menos vezes
porque, o "aborrece o sistema empregado pelos grandes clubes." Também
não perde os jogos da televisão, aos quais assiste com grande emoção e para aflição da esposa, com quem casou há quase 50
anos, que se assusta com os gritos que ele dá: "Passa a bola! Força! É
falta!"
Os problemas nos ossos são as medalhas que carrega num
corpo que em tempos foi capaz de voar... Não escondeu a alegria que
sentiu, quando o lembrámos que é muito querido entre os aveirenses...
Este é, porventura, o maior prémio que este homem pode receber. É um pai vaidoso, um avô babado, mas não teve, ainda, ninguém que lhe seguisse
as pisadas. Deixou de acreditar na paixão dos jogadores, mas continua
um amante do futebol.
|
A
equipa do Beira Mar em 1946. |
Ora, bolas!
António Magalhães conta
«Tive
um treinador que me fazia voar de um lado ao outro da baliza por cima de
um banco comprido!»
«O Azevedo coroava a assistência com grandes exibições.
Foi um senhor do futebol que até jogava com as costelas partidas.
Onde ele ia, as pessoas levantavam-se! Foi um grande
guarda-redes!»
"Estive para ir para o Celta de Vigo, mas a minha
falecida sogra não me deixou. E ainda bem! Em Espanha, pagavam muito mal
e a peseta era muito fraca.»
«O Sporting, quando era o Sporting, tinha o Albano sempre à linha e o Jesus
Correia jogava no outro extremo, os jogos eram: bola apanhada; bola chutada.»
«Choca-me que um jogador ganhe para cima de 20 mil
contos por mês! No meu tempo nem se podia reivindicar pelo salário!»
«Nunca vai haver outro como o Manuel Marques
−
o mãos-de-ouro. Ele era um grande massagista.»
«O Figo é o melhor jogador português a jogar no
estrangeiro. Não é qualquer um que é capitão do Barcelona!»
|