João Raposo
(6.º e)
O
Pedro viera das terras quentes de África, para onde os pais o tinham levado ainda em criança. Lá passou cinco
anos despreocupados, fazendo inúmeras amizades entre os
negritos seus companheiros e entregando-se à aprendizagem das primeiras letras. Ao fim daquele período, o pai recebeu
uma ordem de transferência, que o colocava de novo no continente.
Urgia partir. Os preparativos fizeram-se em seis longos mas breves
dias. Depois, a viagem, o desembarque em Lisboa e a fixação numa
aldeola perto daqui.
Quando conheci o Pedro, contava ele 13 anos. Era um moço da minha
estatura, loiro, de ombros largos e cara redonda. Nela sobressaíam
as sobrancelhas, extraordinariamente carregadas, e os olhos húmidos,
de cor de azeitona. Quando estava atento, como
que os semicerrava, assumindo o seu rosto um ar grave, mas divertido. Verdadeiramente curioso era o seu modo de andar, muito
direito, atirando as pernas, violentamente, para a frente. Havia até
quem lhe chamasse o «paraquedista...» Ele é que não se importava e,
tirando partido da sua longa passada, conseguia ser dos corredores
mais velozes da turma.
Ao lado do aspecto físico, cultivou o Pedro um certo número de
qualidades, que o tornaram respeitado não só por nós, colegas, mas
também pelos seus superiores. Assim, se bem que não fosse dos mais
trabalhadores, era dos mais estimados pela correcção, aprumo e
pontualidade. Nunca chegava tarde a uma aula ou se dirigia a um
empregado num tom mais ríspido.
O Pedro nunca pertenceu a nenhum grupo de recreio, por considerar
isso odioso. Procurava sempre estar em toda a parte, tomando parte
nas conversas e expondo as suas opiniões acerca disto ou daquilo.
As duas qualidades morais que nele se destacavam mais eram a bondade
e a modéstia. Nunca deixava sem esmola um pobre que lha pedisse,
procurando manter sempre no anonimato as suas atitudes louváveis.
Todavia, ao lado destas qualidades, tinha o Pedro um defeito
capital, que consistia em se irritar facilmente. Se alguém
discordava de uma opinião sua, era certo e sabido que haveria
discussão acalorada. Porém, em breve se esqueciam esses momentos
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menos agradáveis, voluntariamente integrados num passado muito
remoto.
No final do ano, o Pedro deixou-nos. Mudou-se para Faro,
donde periodicamente me escreve. Hoje frequenta o 6.º ano de
Germânicas e, segundo creio, continua a ser aquele moço loiro e de
andar esquisito, correcto e aprumado. Aqui lhe deixo expresso um
pouco da profunda admiração que lhe dedico. |