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farol n.º 28 - mil novecentos e sessenta e oito ♦ sessenta e nove, págs. 14 e 15

INTERVALO POÉTICO

Melancolia

Alves Moreira

Caem velhas, tristemente,
Gotas de chuva, chuva de rosas.
Batem à janela, suavemente,
Gotas de flores mimosas...


Dentro, no coração,
Existem hinos de prece,
Fervor de oração,
Dor que o destino tece!


Cá ouve-se a mágoa
Da sinfonia da vida;
Ao longe soam trovões;


Aqui cai a água;
Ali há terra mexida:
Sofrem corações...


Velho...

Zé Triste

Neve que esvoaça...
Cai do céu,
Trespassa
Pobre velho da rua!...
Caminhando
De cara nua,
Procurando em vão
Uma casa...
E continua,
Caminhando pela rua...
Rompendo, a gélida manhã...
Andando, sempre, sempre...
Para o longe!
Para o céu que está perto,
Para o sol que nasce
Na sua vida de velho.
E continua,
Caminhando pela rua...


HOMEM

J. Raposo

Homem, que és capaz de ver cair a teus pés
                  um corpo mutilado e ficar sereno como uma
                  estátua!


Homem, que permaneces indiferente ao velho
                  aleijado que à tua frente pede esmola!


Homem, que desejas a morte e falas da vida!


Homem, tu és um inútil
                                e eu nasci.


Passarito

J. Raposo

Passarito que voas sem voar,
que sorris sem sorrir,
que amas sem amar,
que sofres sem sofrer,
que gritas sem gritar
e vives sem viver:
compreendo-te e amo-te!


Menino só

Maria Fernanda Martins das Dores

O menino só,
assustado e nu,


As pessoas que passavam
olhavam e tinham dó
do menino só...


O menino só
pedia uma esmola
de amor...


Mas as pessoas que passavam
só tinham para lhe dar
a sua dor...


E, apesar de tudo, eu sei
que eles tinham dó
do menino só...


Numa noite de calma e de luar

Ema Manuela da Silva

Numa noite de calma e de luar
Os meus olhos poisaram, com carinho,
Nas pedras muito velhas de um moinho,
Que, sonhando, pareciam desejar


Que entre os meus dedos fizesse passar
As velas, uma a uma, de mansinho,
Cantando, com amor e com carinho,
Uma cantiga linda de embalar...


Triste moinho, há muito abandonado
Sorrindo com doçura ao caminheiro,
A chamar para si toda a atenção:


Recorda, pois, alegre, o teu passado.
Em que as velas rolavas, bem ligeiro,
Transformando em farinha o loiro grão

 

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09-06-2018