Maria Teresa Navarro
(7.º ano - Letras)
CHEGOU por
fim a mais bela e ansiada noite do ano – a da Consoada.
Através da janela embaciada
diviso os vultos encasacados das pessoas que apressadamente
se dirigem para os seus lares onde por certo os espero o calor amigo
de uma lareira crepitante.
Lá fora o ambiente é
gélido e o vento fustiga-os asperamente como a
obrigá-los a recolherem-se mais depressa, para celebrarem tão grande noite.
Contemplando a rua tão vazio e triste
uma lembrança assalta-me o
espírito. Por que será que não neva?
Desde criança sempre idealizei um Natal todo branco em que
a neve,
com toda a sua alvura, resplandeceria como milhares de estrelas,
cegando-me pelo seu fulgor indescritível, mas fazendo-me vibrar o
coração.
Fecho por momentos os olhos e parece que estou
a ver. Oh, meu Deus,
como é belo! As árvores que até há pouco se apresentavam descarnadas, erguendo ao céu
os braços esquálidos e tortuosos, estão agora acolchoadas de neve
muito branca e macia que lhes encobre as formas sinuosas.
E as flores? Essas estão mais belas que nunca. As suas belas, mas
comuns cores, escondem-se agora como envergonhadas de competir com a
radiante brancura da neve que as cobre; e quando o vento impiedoso
lhes agita o caule trémule, mais parecem alegres pombas brancas,
alardeando àqueles que embevecidos os contemplam a extrema pureza
que essa noite encerra.
Como tudo seria belo se assim acontecesse! Mas deixemo-nos de
divagações, porque, afinal, o que realmente interesso é a alegria e
a pureza que cada um sente no seu coração.
Absorta por este pensamento nem dei conta que toda
a minha família
se encontra já reunida na sala.
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Bem, toda a família é como quem diz, porque as senhoras, as eternas
sacrificadas, andam afogueadas, dando os últimos retoques domésticos
e só de quando em quando ousam chegar à sala. Ah como é bom estar
em família! Que reconfortante encontrarmo-nos entre pessoas a quem
queremos bem e que sabemos também nos quererem!
Ali, no centro do sala, está o meu tio e, como é inevitável tem
forçosamente de estar a discutir com o meu pai sobre o tão falado
tema eterno: o futebol. Será possível que esse tema nunca se esgote?
Parece que não, pois não há meio de se calarem e até
vão reunindo à sua volta toda a restante família masculina. Pronto,
eis que estão todos no seu elemento: um afirma que o seu clube é
que merecia ganhar e logo outro afirma o contrário, apresentando
provas convincentes, lidas no último jornal desportivo.
Ui, já não suporto mais e,
como pelos vistos aqui ninguém
me liga nenhuma, vou dar uma
espreitadela à cozinha, onde por certo serei mais bem recebido. Ah,
que belo cheirinho e que quentinho que está aqui. A minha
mãe e companhia movimentam-se apressadamente no meio de toda aquela barafunda. Assim que me vêem
enxotam-me para a sala mandando-me arranjar bem a mesa, ordem que eu
entendi como uma desculpa elegante para me verem pelas costas.
Finalmente chega a hora de irmos para a
mesa com grande
gáudio de todos. Realmente um pratinho de bom bacalhau vem sempre a
calhar, principalmente quando a hora da refeição foi, digamos «um
bocadinho» retardada. O silêncio é geral, pois todos se limitavam a
comer, procurando por todos os meios calar o bichinho que no estômago há muito protestava.
Passados estes primeiros momentos
a conversa generalizou-se, tornando-se o ambiente animado e convidativo.
Chegou por fim a altura dos
brindes em que a animação atinge o auge e invocámos saudosamente
aqueles entes queridos que não puderam juntar-se a nós nesta noite
tão significativa.
Após animada conversa e dando ocasião a que os mais
folgazões contem a sua anedota (se não as contam quase que
rebentam) todos se despedem animadamente e regressam aos seus lares.
Da mesma janela, agora
ainda mais embaciada, vejo-os partir e uma
indescritível saudade apodera-se de mim. Saudade por algo muito
belo que acabou.
E então um desejo irreprimível brota em mim e faz-me murmurar:
– Natal, volta depressa! |