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farol n.º 21 - mil novecentos e sessenta e cinco ♦ sessenta e seis, págs. 5 e 6.

LITA

Maria Odete F. Marçal
(6.º ano, b)
 

Volvidos todos estes anos, desde o primeiro dia em que a vida – essa ingrata – nos separou, é sempre com o deslizar duma lágrima fugidia que recordo a tua imagem já meio esfumada na poeira do tempo. Mas ei-la que ganha contornos, se vai definindo e aparece de novo, tão nítida e firme como se se tivesse passado um só segundo, desde o instante da nossa separação.

O teu corpo pequeno e flexível, de delicados contornos femininos, aparece-me ainda envolto por aquele vestido, tão lindo, que tu tinhas, o teu vestido cor-de-rosa, lembras-te dele? Leve e vaporoso como se fosse o de uma pequenina deusa, tornava-te para mim num ser quase irreal.

O teu rosto redondo, quando dourado pelo sol generoso do Verão, era ainda mais doce e pensativo; os teus grandes olhos castanhos, sempre por detrás desses óculos, que tu detestavas, mas que eu gostava tanto de te ver; a tua boca pequena e rosada; o teu perfil suave; os teus cabelos encaracolados sempre indomáveis, até mesmo debaixo do lenço; as tuas mãos delgadas e meigas, que às vezes vinham pousar muito de mansinho sobre a minha fronte irrequieta de adolescente – tudo isso era para mim motivo de encanto e de enlevo. Bastava-me olhar para o teu rosto e o espírito sossegava, a dúvida desfazia-se e a tempestade desaparecia com uma só palavra amiga saída dos teus lábios. Eras a minha confidente, o meu guia, sempre disposta a tudo, não havendo um pedido meu a que a tua alma generosa e altruísta não tentasse dar satisfação.

Lita, a minha mãe ralhou-me!

E tu lá consolavas, conforme podias, a tua amiga pequenita.

Lita, o ponto correu-me mal!

Lita, vem comigo ao cinema!

A Lita, sempre a Lita, como se fosse a minha tábua de salvação. E eu, egoísta, que barafustava sempre, quando estavas atrasada, na hora de / 6 / sairmos as duas, esquecia-me logo de tudo o que tinhas feito por mim. Embora normalmente sorrisses, quantas vezes eu recebi também as tuas confidências cheias de amargura e tristeza.

Mas um dia – como me lembro bem – apareceu alguém na tua vida que reavivou o teu sorriso, te fez sonhar com voos mais altos, e, muito naturalmente, te levou. Desde então, nunca mais te vi, mas sei que, embora separadas, nunca morrerá a amizade tão linda que nos juntou na nossa juventude....

 

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08-06-2018