Maria Odete F. Marçal
(6.º ano, b)
Volvidos
todos estes anos,
desde o primeiro dia em que a vida – essa ingrata – nos separou,
é sempre com o deslizar duma
lágrima fugidia que recordo a
tua imagem já meio esfumada na poeira do tempo. Mas ei-la que ganha
contornos, se vai
definindo e aparece de novo,
tão nítida e firme como se se tivesse passado um só segundo, desde o
instante da nossa separação.
O teu corpo pequeno e flexível,
de delicados contornos femininos, aparece-me ainda envolto por aquele vestido, tão lindo, que tu
tinhas, o teu vestido cor-de-rosa, lembras-te dele? Leve e
vaporoso como se fosse o de uma pequenina deusa, tornava-te para
mim num ser quase irreal.
O teu rosto redondo,
quando dourado pelo sol generoso do Verão,
era ainda mais doce e pensativo; os teus grandes olhos castanhos,
sempre por detrás desses óculos, que tu detestavas, mas que eu
gostava tanto de te ver; a tua boca pequena e rosada; o teu perfil
suave; os teus cabelos encaracolados sempre indomáveis, até mesmo
debaixo do lenço; as tuas mãos delgadas e meigas, que às vezes
vinham pousar muito de mansinho sobre a minha fronte irrequieta de
adolescente – tudo isso era para mim motivo de encanto e de enlevo.
Bastava-me olhar para o teu rosto e o espírito sossegava, a dúvida
desfazia-se e a tempestade desaparecia com uma só palavra amiga
saída dos teus lábios. Eras a minha confidente, o meu guia, sempre
disposta a tudo, não havendo um pedido meu a que a tua alma generosa
e altruísta não tentasse dar satisfação.
Lita, a minha mãe
ralhou-me!
E tu lá consolavas,
conforme podias, a tua amiga pequenita.
Lita, o ponto correu-me
mal!
Lita, vem comigo ao
cinema!
A Lita, sempre a Lita,
como se fosse a minha tábua de salvação. E eu, egoísta, que
barafustava sempre, quando estavas atrasada, na hora de
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sairmos as duas, esquecia-me
logo de tudo o que tinhas feito por mim. Embora normalmente
sorrisses, quantas vezes eu recebi também as tuas confidências cheias de amargura e tristeza.
Mas um dia – como me lembro bem
– apareceu alguém na tua vida que reavivou o teu sorriso, te fez sonhar com
voos mais altos, e, muito naturalmente, te levou. Desde então,
nunca mais te vi, mas sei que, embora separadas, nunca morrerá a
amizade tão linda que nos juntou na nossa juventude.... |