Carla Maria Campos e
Sá
(7.°ano de Letras)
FALAR de
cinema e teatro? É um tema aliciante, mas que se me
apresenta ao espírito como um plurifacetado corpo, de forma
irregular, que, na profusão dos ângulos, encerra a virtualidade de
mil formas diferentes.
A escolha do ângulo, o
aspecto a encarar, eis a minha primeira
dificuldade. De que me ocuparei eu? Da minha preferência por um ou
por outro, e das razões dessa preferência? Mas como, se ela não
existe? Aprecio igualmente o cinema e o teatro, por razões bem
diferentes, sensível que sou às variadas formas que a beleza possa
assumir, pronta a receber a sua mensagem a captar a potencialidade
da emoção estética que qualquer dessas formas de arte, quando
superiormente manifestada, possa conter. Compará-las? É tão difícil! São tão diferentes! O campo de acção do cinema é imensamente mais vasto que o do teatro, e nisso está
a sua grande vantagem. Sim o teatro não é o
cinema, mas está, de certo modo, contido nele. No entanto ouso dizer
que, perante o teatro filmado, a reacção do espectador não é
exactamente a mesma que perante um palco, em que se movimentam,
falam, riem, choram, amam, odeiam, numa palavra, vivem figuras de
carne e osso, que o calor da plateia aquece.
Representar perante um público que se faz vibrar, estabelecendo como
que uma corrente magnética entre a cena e a plateia,
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é muito diferente de actuar perante frias máquinas, por muito calor
que possam gerar os potentes reflectores. No cinema, a interposição das câmaras,
da película e do ecrã entre actor e espectador, atenuam bastante a
impressão de vida autêntica que se
quer produzir. É que a essência, a natureza especifica do teatro é muito outra que
a do cinema. O teatro está muito preso
à literatura, que a precede e sem a qual não existe. Antes de
ser acção, é verbo. A essência, o miolo do teatro, é o diálogo
que o gesto e o jogo fisionómico completam. O resto é «décor», como se diz em linguagem teatral. Por isso no teatro não
há apenas espectadores, mas também, e antes de tudo, auditores. O
cinema é essencialmente a linguagem das imagens. São
estas que devem falar, e o diálogo deve ser, tanto quanto possível, suprimido. O
cinema é uma arte plástica, e, por isso, no
cinema, há apenas espectadores.
Não resta dúvida, porém, que os limites do teatro são
muito mais estreitos que os do cinema, que, como acima dissemos, contém, de certo modo, o teatro, quando
nos conta uma
história. Mas o cinema pode passar sem o teatro, abolir totalmente a
história, como acontece nos documentários cinematográficos. Todavia,
aqui, já não se trata de uma arte, mas de uma
técnica. Realizadores há, porém, segundo li algures, realizadores
artistas, como Visconti, Antonioni e Ingmar Bergman, que se esforçam por
abolir a história, por depurar o cinema do que lhe é acessório, e, quanto
a eles, um obstáculo, até, pretendendo que
se opere no domínio cinematográfico algo de semelhante ao que se
verificou na pintura, em que, ao evoluir para pintura abstracta,
o quadro deixou de «contar», e indo mais longe, deixou mesmo
de «representar», para dar apenas impressões de cor. Talvez esteja
aqui o futuro e a salvação do cinema, seriamente ameaçado pela
concorrência da televisão. Mas isto vai dar outro
caminho em que não quero aventurar-me, desviando-me do meu.
Aludi às vantagens do cinema sobre o teatro, e ainda não falei do
principal: a grande mobilidade que pode permitir-se em contraposição
ao carácter estático do teatro, para o qual as barreiras
do espaço e do tempo são intransponíveis; a acção do teatro decorre sempre num palco onde, mesmo
as mudanças de cenário não são fáceis nem rápidas. O cinema pode levar-nos tão
longe quanto queira, utilizando os mais diversos meios de transporte.
Assim, só ele me permitiu, até agora, visitar países com que muito tenho sonhado, só ele me proporcionou viajar num submarino, num
avião a jacto, ao mesmo tempo que me permite acompanhar até certa
altura, claro, um foguetão que a curiosidade e a insatisfação do homem dispara
contra os céus, para devassar o que até agora tem sido um segredo ciosamente
guardado. |