Não poderia o jornal do
nosso Liceu deixar de recolher nas suas colunas algumas palavras
de quem, por largos anos, dedicou incansavelmente a esta Casa o
melhor da sua inteligência, da sua saúde e do seu trabalho, no
sentido de servir, o melhor possível, o Liceu a que muito quer e a
terra que adora – duas paixões constantes da sua vida.
Não nos interessa aqui traçar uma biografia, pois isso já o fizeram
os jornais da cidade, mas tão somente recolher algumas impressões
que melhor concretizem algumas das facetas da alma dum homem que nos habituámos a
conhecer na sua figura inconfundível desde os primeiros dias em
que começámos a frequentar o liceu.
Ao Sr. Dr. Assis agradece o «Farol» a gentileza de se ter dignado
conceder esta entrevista.
Procurámo-lo na sua casa, no meio das recordações do passado e
entregue às alegrias do presente: o amor da família e os extremos
de carinho para o netinho que idolatra.
E a entrevista começa.
– Durante quantos anos exerceu V. Ex.ª o professorado no nosso
Liceu?
– Durante 37 anos: desde 1926 (Outubro) a Dezembro de 1964, excepto
no ano lectivo de 1928 – (Vila Real).
– Durante quantos anos
ocupou o cargo de secretário do Liceu? E
com quantos reitores serviu?
– Desde 1929 (Outubro – interino) a 1964 (Dezembro)
– 35 anos incompletos. Servi com cinco Reitores e um
Vice-Reitor.
– A sua experiência dos homens é grande, pois lhe passou pelas mãos
uma série de
gerações. Que nos poderá dizer a este respeito?
– Conheci vários caracteres. Encontrei, por via de regra, alunos
dóceis, que sempre
se mostraram multo meus
amigos. Excepções? Sem dúvida! Mas muitíssimas poucas... um ou outro
– anormal...
Meninas – duas ou três turmas, dignas de Louvor.
– Permita-nos, agora, duas
perguntas indiscretas: – Está arrependido de ter seguido a vida de
professor? – Se agora tivesse de recomeçar, escolheria uma outra
actividade?
– Pelo contrário. Só gostaria que fossem todos tão felizes como
eu, que, tendo duas armas, optei pela do ensino, onde sempre fui
feliz!
– Qual terá sido a maior satisfação que a vida de professor lhe
proporcionou?
– De momento, não sei responder-lhes
– parece-me quase
impossível responder concretamente.
Foram tantas as alegrias!...
– Que episódio mais o impressionou, na sua vida de Professor?
– Um dia, a propósito da 1.ª Grande Guerra, falei em soldados
portugueses que passaram fome, quando prisioneiros na Alemanha.
Perguntei se alguém sabia o que era fome
– e levantou-se uma aluna, muito digna e trabalhadora. Logo me
estalaram as lágrimas nos
olhos e
fiquei entalado. Prometi a mim mesmo nunca mais fazer tal pergunta.
(Encontra-se já há anos na Venezuela e nunca se esquece de me enviar
as Boas Festas).
Um aluno (6.º ano), dos
tais que eu sempre procurei «desencantar da timidez», designado por mim para
«Moço
de Giz», na disciplina de Ciências Geográficas, desatou logo a
chorar e, chamado ao quadro, de tal modo se desfez em lágrimas, que
me comoveu e me obrigou a escolher outro! É formado em Germânicas...
e muito meu amigo!
– Qual seria agora o seu
maior desejo?
– Na impossibilidade de
voltar ao princípio, que dizer ? – Gostaria de ser professor... do meu netinho, que
tem, em 21 do corrente, ano e meio. E, para já, saúde e
paz para mim e para a minha mulher! E também para meus
filhos... e neto.
Estava terminada a entrevista. Resta-nos agradecer mais uma vez e
desejar que realmente o sr. Doutor Assis encontre, no seu merecido
descanso, saúde e paz para si e para os seus. |