A
distância no espaço e no tempo apaga a dor e a revolta,
clarifica o discernimento, estabiliza, e deixa que floresçam
novas esperanças no nosso olhar que pode ser selectivo ou
abrangente, transmitir raiva ou ternura, inconformismo ou resignação
... Feitiço, lenda, realidade, pesadelo e ... saudade!... Tudo é
Angola.
A
Angola do verbo abandonar conjugado a doer tem profundas
cicatrizes cujo testemunho, “a geração dos retornados,” não
poderia deixar de legar...
Dado o
poder que nos assiste de nos indignarmos, e pretendendo não tanto
ajuizar sobre a gestão da culpa nem tão pouco analisar questões
políticas mas antes relatar um pouco do drama vivido pelos civis
que, estando em Angola, foram espoliados de seus haveres, com
risco de suas próprias vidas, procurámos retratar a tragédia e
o desespero vividos por tantas famílias reduzidas à mais ínfima
miséria, tantos seres humanos destroçados psicologicamente,
corridos da terra que ajudaram a defender e a progredir e
recebidos com tão grande hostilidade na terra que os viu nascer.
Patenteando
a sensação de que Angola, tal como a lendária Atlântida, se
sumiu, não da crosta terrestre mas sim do rol das preocupações
do mundo, questionamos a razão pela qual os Angolanos continuam a
ser trucidados por granadas que semearam na sua terra em lugar de
pão, massacrados, desenraizados de suas casas, desmembradas as
suas famílias, ou mortos do modo mais ignóbil, à fome, numa
terra onde tudo cresce quase espontaneamente, através de uma
guerra da qual não se vislumbra o fim.
A
descolonização portuguesa ultrapassou tudo o que se poderia
imaginar, os acontecimentos sucederam-se de modo tão imprevisível
que mais pareciam ficção.
Na
nossa narração a imaginação insistiu tanto que acabou por
entrar neste ou naquele espaço mais ou menos ficcionado; mas eis
que sentimos haver saldado uma dívida que tínhamos para com
aqueles que, não tendo vivido estes tempos em Angola, os julgavam
sem terem ouvido um testemunho. Poderemos de agora em diante
reiniciar um velho hábito de viver a saborear a vida, pese-nos
embora a certeza de que há guerras que não mais acabam dentro de
nós...
|