Para
mal dos meus pecados mas para bem da minha saúde, estou a fazer,
num hospital particular, tratamentos periódicos com substâncias químicas
especiais, misturadas em soro fisiológico, ministrados pelo método
usual. É um “troço chato, como dizem os brasileiros. Mas,
segundo o adágio popular, paciência e caldos de galinha nunca
fizeram mal a ninguém. Aliás, de acordo com a minha maneira de
pensar, toda a moeda tem reverso. E o importante é saber
aproveitar o que de bom tem esse reverso.
Há
tempos, enquanto decorria uma sessão de tratamento, detive-me a
analisar a aparelhagem que utilizava: um frasco invertido contendo
soro e as tais mezinhas, um tubo de descarga entrecortado por um
visor conta-gotas, um regulador manual de débito e, no topo, uma
agulha espetada numa veia.
Crescido
numa aldeia minhota do interior, sou muito dado a coisas de
agricultura. E das observações feitas durante o tratamento, admiti
que se é possível administrar soro e medicamentos a um paciente
por via intravenosa, porque não fazer o mesmo para alimentação de
plantas? E vai daí, apetrechado de aparelhagem adequada obtida no
hospital, injectei um limoeiro entre a casca e a superfície
lenhosa. Nem uma gota correu. Experimentei sucessivamente cedros,
mioporos, sardinheiras e até cactos. O resultado foi o mesmo: um
fracasso total. Já convencido que não sabia patavina de histologia
vegetal, decidi-me a prosseguir pelo único caminho lógico: ler,
estudar e pedir opinião técnica de silviculturas. Um deles
disse-me ironicamente: se você conseguir o que pretende, dessa
forma ainda acaba por ser galardoado com o prémio Nobel. Aprendi o
suficiente para concluir que as experiências efectuadas eram uma
tolaria de ignorante insolente; que, imediatamente por baixo da
casca, existem fiadas verticais de canalinhos por onde sobe, por osmose,
a seiva bruta a caminho das folhas onde é oxigenada; que,
adjacentes a eles, para o interior do caule, há novos canalinhos
verticais contendo seiva elaborada em via descendente por acção da
gravidade; e ainda fiadas horizontais radicais de canalinhos
transportando, para o interior do lenho, diversas substâncias
destinadas a proteger a árvore de doenças e conferir maior consistência
ao tronco.
Peço
perdão aos técnicos especialistas na matéria se a explicação
que dei não é rigorosamente científica. De qualquer modo, não
andará muito longe da verdade. Santa ignorância, tentar introduzir
uma agulha em vasos capilares é o mesmo que querer meter o Rossio
na Betesga.
Não
sou homem para desistir às boas duma Ideia que se me encasquetou na
cabeça e, como tal, decidi ultrapassar o clássico método de rega
e adubação à superfície, velho de milénios.
Regar
à superfície não leva água às raízes fundas e espalhadas, a não
ser que se consuma grande quantidade de água. E, pior ainda, no Verão,
quando a rega é mais precisa, o calor do Sol, a temperatura do ar e
os ventos secos encarregam-se de evaporar grande parte da água
utilizada. Não é minha intenção competir com a tecnologia avançada
dos israelitas, que com um simples bochecho diário de água
conseguem colheitas espectaculares de frutos no deserto, há
milhares de anos estéril e supostamente impróprio para cultivo
seja do que for. Mas se a água e adubos não chegam às raízes,
como conviria, há que levá-los lá. Espete-se no terreno um tubo
de plástico rígido (do tipo usado para condução de cabos eléctricos
no interior das paredes) até uma profundidade de 40 a 80 centímetros,
consoante o tipo de raiz e a idade da árvore. Depois abastece-se o
tubo com água e nutrientes nela dissolvidos, utilizando a
aparelhagem e o sistema gota a gota, idêntico ao usado na
administração de soro, por via intravenosa.
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Tenho
sete pés de maracujá plantados em canteiros de cerca de 40
centímetros de largura, contendo terra de má qualidade.
Terreno impróprio para cultura, mas não disponho de melhor.
Guiei os ramos para uma vinha improvisada e, além de frutos,
passei a ter sombra no quintal.
Com
uns escassos litros de água e meio quilo de adubo solúvel
obtive, no ano passado, nessa terra má, mais de 1600 frutos
de maracujá, com o peso superior a 850 quilos, à razão de
uns 230 frutos por pé e uma média de 50 por metro quadrado.
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E já
agora avanço que uma frutaria se prontificou a adquirir a produção
a 350/400 escudos por quilo, o que, contas redondas, rondaria mais
de 15 contos. Digo rondaria, porque o raio da loja ardeu totalmente
no incêndio da zona do Chiado.
Mas
incêndios não há todos os anos em frutarias. E se o leitor
experimentar plantar uns pés de maracujá em bom terreno,
regando-os e adubando-os em profundidade pelo sistema gota a gota,
estou certo que obterá uma produção mais rendível do que a que
obtive o ano passado.
Boa
produção, caro leitor.
N.
A. — Já lá vão mais de dois anos e meio desde que este artigo
foi escrito. Acrescento agora que, graças ao sistema gota a gota, pés
de maracujá e eu estamos bem, muito obrigado.
A.
Pereira de Miranda (Capitão-de-Mar-e-Guerra) , In: “Combatente”
N.º 232, Junho de 1991, pág. 17
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