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Os Sapatos Vermelhos
O filme
Título original: The Red Shoes.
Produção: The Archers. Produtores: Michael Powel e Emeric
Pressburger. Produtor Associado: George Busby. Argumento: Michael Powela e Emeric Pressburger, segundo uma história de Emeric
Pressburger inspirada num conto de Hans Christian Andersen.
Fotografia: (technicolor): Jack Cardiff. Direcção artística: Hein Heckroth.
Cenografia: Arthur Lawson. Montagem: Reginald Mills.
Música: Brian Easdale. Direcção musical: Brian Easdale e Sir
Thomas Beecham. Som: Charles Poulton. Coreografia: Robert Helpmann.
Efeitos fotográficos especiais: George Dunn e D. Hague.
Interpretação: Marius Goring (Julian Craster) , Anton Walbrook
(Boris Lermontov), Moira Shearer (Victoria Page), Leonid Massine (Ljubov),
Austin Trevor (Professor Palmer), Esmond Knight (Livy), Eric
Berry (Dimitri), Irene Browne (Lady Neston), Ludmilla Tcherina (Boronskaja),
Jerry Vemo (o porteiro), Robert Helpmann (Ivan Boleslawsky),
Albert Basserman (Ratov), Derek Elphinstone (Lord Oldham).
Duração: 133 minutos.
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Sinopse
Boris Lermontov é um famoso
empresário do mundo do ballet.
As suas produções são admiradas pela criatividade e pelo rigor
técnico. Ao descobrir Victoria Page, percebe que pode vir a
revelar ao mundo uma grande bailarina.
Para Victoria, é a possibilidade de concretizar todos os seus
sonhos de estudante: seguir a sua vocação de bailarina, trabalhar
numa companhia de enorme prestígio, enfim, ascender à condição de
vedeta internacional.
Mas Lermontov é de uma exigência extrema, quase ditatorial,
sujeitando Victoria a uma existência austera − para ele, o bailado
não exige apenas dedicação profissional, é quase um sacerdócio. Só
em Julian Craster, o compositor que trabalha para a companhia de
Lermontov, Victoria encontra alguma protecção e carinho.
Dançando com os seus sapatos vermelhos, Victoria acaba por passar
para um universo de fantasia de onde, em boa verdade, não sabe
como sair. E toda a sua existência que se encontra posta em causa
pela sua entrega ao bailado.
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O Cinema
do lado da fantasia
«Muitas vezes me perguntam por que é que, de todos os filmes,
Os
Sapatos Vermelhos se transformou num tão grande sucesso em todos
os países do mundo. Mais do que um sucesso, transformou-se numa
lenda. Ainda hoje, continuo a encontrar homens e mulheres que
consideram que o filme mudou as suas vidas. Isto será natural para
as mulheres que, na altura, eram raparigas, e que cresciam em
países que tinham sido devastados pela guerra. Mas o meu amigo Ron
Kitai, que na época pensava seguir estudos artísticos, disse-me o
mesmo. "Mudou a minha orientação", disse-me ele. "Deu à arte um novo significado para
mim". São reacções pessoais, mas penso que a verdadeira razão do
tão grande sucesso de Os Sapatos Vermelhos foi o facto de, durante
dez anos, nos terem dito que era preciso ir combater e morrer pela
liberdade e pela democracia, por isto e por aquilo; agora, que a
guerra tinha acabado, Os Sapatos Vermelhos
vinha dizer-nos que era preciso ir morrer, mas pela arte.»
Estas palavras extraídas da autobiografia de Michael Powell (A Life in Movies, Alfred A. Knopf, Inc., 1986) são bem reveladoras
do contexto histórico em que sugiu Os Sapatos Vermelhos. A Segunda
Guerra Mundial tinha terminado há apenas três anos e a Europa, em
geral, e a Grã-Bretanha, em particular, empenhavam-se ainda na
reconstrução do muito que tinha ficado destruído: as cidades e os
campos, mas também, inevitavelmente, os laços sociais e
familiares, afectivos e humanos.
Directa ou indirectamente, o cinema estava, assim, incumbido de
uma tarefa colectiva, com o seu quê de pedagógico: numa altura em
que os filmes eram ainda o espectáculo popular, por excelência,
competia-lhes, de alguma maneira, devolver aos espectadores a
crença nos seus valores, projectando-os de novo nos seus mundos
mais ou menos imaginários.
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Em termos artísticos, uma das formas cinematográficas mais
elaboradas de tal fenómeno de reconversão histórico-social foi,
sem dúvida, o género musical. E isto, curiosamente, dos dois lados
do Atlântico. Se Os Sapatos Vermelhos é automaticamente
reconhecido como um exemplo maior do género tal como se praticou
na Grã-Bretanha, ao mesmo tempo nos EUA, o musical atingia alguns
dos seus momentos mais altos e sofisticados.
Em rigor, deverá dizer-se que existem filmes musicais britânicos e
um género musical americano. É que, na Grã-Bretanha, o musical
nunca passou da condição de variante pouco praticada de uma
indústria mais orientada para outras formas de espectáculo e
"entertainment". Nos EUA, bem pelo contrário, o musical
constituiu-se como uma área especifica de produção fabricados
desde o advento do cinema sonoro e com particular intensidade
durante os anos 40 e até meados da década de 50. Mais ainda: o
musical funcionou durante largos anos como uma especialidade, uma
verdadeira imagem de marca de um dos maiores estúdios − a Metro Goldwyn Mayer
− da produção de Hollywood.
Quando se classifica Os Sapatos Vermelhos como um musical, deverá,
por isso, ter-se em conta que isso não decorre de uma verdadeira
semelhança com os produtos americanos do mesmo género. Bastará
comparar o filme de Powell/Pressburger com alguns dos títulos
clássicos da produção americana da época, como Um dia em Nova
lorque (1949) e Serenata à Chuva (1952), ambos com Gene Kelly e
Stanley Donen, ou ainda Um Americano em Paris (1951), de Vincente
Minneli. Em termos simples e necessariamente esquemáticos,
poderemos dizer que o musical americano exibe as marcas de uma
sociedade descomplexada (porventura de forma frívola) em relação
às preferências artísticas: o musical sempre funcionou como um
género de integração das mais diversas inspirações artísticas, sem
a preocupação obrigatória de as conservar numa hierarquia
clássica.
Ora, Os Sapatos Vermelhos reflecte uma visão algo diferente. A
odisseia da sua protagonista resulta, antes do mais, do seu
envolvimento com a Arte (com "A" maiúsculo). Dito de outro modo: o
artista é, aqui, alguém que, através do seu trabalho, empenha todo
o seu ser ou mesmo, como no caso de Victoria Page, a própria vida.
Daí que as raízes do filme de Powell/Pressburger não estejam no
musical americano (para além de todas as influências de pormenor
que se possam detectar), mas sim na memória da arte europeia e, em
particular, nas suas componentes expressionistas.
Os Sapatos Vermelhos, na verdade, mais do que tudo,
são uma soberba
ilustração do poder do cinema para percorrer os mistérios da
fantasia − mas não uma fantasia desligada da vida, antes um
processo de penetração em mundos imaginários que mantêm relações
perturbantes com as pulsões da vida, do amor e da morte.
Nesta perspectiva, será fundamental recordar que
Os Sapatos
Vermelhos, ainda que, enquanto musical surgisse como uma relativa
surpresa na produção de Powell/Pressburger sob a chancela de The
Archer, acaba por manter esclarecedoras relações com
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alguns dos seus títulos anteriores. Basta citar dois
significativos exemplos: em primeiro lugar, A Matter of Life and
Death (1946), filme que narrava a aventura fabulosa de um piloto
que recusava aceitar a sua morte durante a guerra, chegando ao
ponto de exigir (e conseguir) ser ouvido por um tribunal reunido
nas alturas celestiais; depois, Black Narcissus (1947), história
de violentos contrastes românticos, tendo por cenário um convento
de freiras, algures, nos confins dos Himalaias.
Se a faceta expressionista de
Os Sapatos Vermelhos começa nessa
relação dos factos narrados com o enigma do desconhecido e da
morte, acaba por se revelar em todo o seu esplendor no tratamento
dos espaços e da luz. De facto, Powell/Pressburger foram sempre
cineastas que procuraram ultrapassar os possíveis efeitos
naturalistas das suas histórias. Mesmo quando filmavam espaços
naturais, isso resultava, não poucas vezes, de cenários
pacientemente elaborados em estúdio.
No caso de Os Sapatos Vermelhos, tal gosto pela fantasia
cenográfica resulta também, evidentemente, do facto de se tratar
de uma história que apresenta como palco privilegiado o próprio
palco teatral. A modernidade do filme − vários cineastas
contemporâneos, de Francis Ford Coppola a Martin Scorsese,
passando por Steven Spielberg, têm-se assumido como herdeiros
directos de Powell/Pressburger − provém, assim, da sensação de
constante envolvimento entre o palco e os bastidores, a arte e a
vida.
Não se poderá dizer, portanto, que
Os Sapatos Vermelhos seja
exactamente um filme sobre o bailado como actividade profissional.
Ou melhor: o mundo profissional do bailado surge encenado com um
espírito de artificio e um delírio cromático e visual em grande
parte idênticos aos do próprio bailado em palco. O trabalho de
Powell/Pressburger envolveu, assim, várias ousadias em relação à
tradição do musical e, muito em particular, do musical americano.
A começar pela própria duração de alguns números: o bailado que dá
o titulo ao filme dura nada mais nada menos que
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catorze minutos e meio, tempo francamente invulgar no género
musical, quase sempre construído a partir de "sketches" mais
breves e com muito menor densidade narrativa.
Se há maneira de definir numa
simples expressão a beleza e o impacto de Os Sapatos Vermelhos,
poderá ser esta: trata-se de um espectáculo total em que o cinema,
aplicando toda a variedade dos seus recursos e técnicas específicas, consegue inventar um
universo singular e, por isso mesmo, irrepetível.
De facto, Powell/Pressburger estiveram muito longe de se limitar a
transcrever para filme um bailado previamente criado em palco.
Aquilo que distingue Os Sapatos Vermelhos − como, afinal, os
outros exemplos da sua filmografia − é a criação de um espaço
figurativo e um tempo de acção que só no cinema tem lugar, e que
só pelo cinema pode aceder ao espectador. Basta lembrar o modo
como (por exemplo, na já citada sequência de onde deriva o título)
os fabulosos cenários concebidos por hein Heckroth escapam
constantemente à lógica tradicional do, palco de teatro. Tudo se
passa como se estivéssemos perante uma nunca esgotada caixinha de
surpresas, com cada elemento a gerar sempre um novo elemento. Esse
é, afinal, o "segredo" deste cinema construído a partir de uma
inabalável crença nos poderes "mágicos" das imagens e dos sons.
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Os actores e os técnicos
Antes de qualquer destaque para um outro nome entre os que
colaboraram com Powell/Pressburger na fabricação de Os Sapatos
Vermelhos, será fundamental sublinhar a qualidade global dessa
mesma fabricação. É que, ao contrário do que algumas ideias feitas
tendem a sugerir, está longe de ser verdade que a tradição
britânica se reduza, em termos de cinema, ao seu tão (justamente)
célebre realismo.
Claro que, desde pioneiros como John Grierson até à geração do
chamado "free cinema" (Lindsay Anderson, Karel Reisz, Tony
Richardson, John Schlesinger), o realismo é um dado importante da
produção britânica. Mais ainda: o género documental tem, no
interior dessa produção, alguns dos títulos de eleição da sua
história. Seja como for, o cinema britânico tem sido também um
cinema marcado pela excelência dos seus artifícios (por oposição à
"espontaneidade" do documentário) e, muito especialmente, pela
superior qualidade dos seus estúdios e respectivos técnicos. Prova
cabal dessa qualidade foi, ao longo dos anos 80 (e ainda hoje), o
facto de os americanos se deslocarem com frequência aos estúdios
britânicos para rodar alguns dos seus filmes mais espectaculares e
com mais significativa aplicação de efeitos especiais.
No caso particular de Os Sapatos Vermelhos, forçoso se torna
destacar a contribuição do director de fotografia Jack Cardiff
para a ambiência onírica e delirante do filme. Era a terceira
colaboração de Cardiff com Powell/Pressburger, depois de A Matter
of Live and Death e Black Narcissus.
No campo dos actores, os dois cineastas também recorreram a
profissionais com quem tinham trabalhado ou viriam a trabalhar,
noutras ocasiões. Destaque para o caso de Anton Walbrook, também
presente, por exemplo, em 49th Parallél (apenas de Powell) ou
The
Life and Death of Colonel Blimp; Moira Shearer viria a ser
protagonista feminina escolhida por Powell para o seu Peeping Tom,
depois de ter participado também em The Tales of Hoffman.
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Questões interdisciplinares
O facto de Os Sapatos Vermelhos constituir uma referência
eminentemente popular na história do cinema musical e, afinal, em
toda a história do cinema britânico, não deverá criar ilusões
sobre o seu impacto imediato no presente. Não que o filme tenha
perdido o seu encanto e a sua capacidade de encantamento. Mas é
bem verdade que Os Sapatos Vermelhos não corresponde de forma
clara a nenhum modelo de espectáculo corrente.
Valerá a pena, por isso mesmo, mais do que insistir na sua
dimensão musical (óbvia), sublinhar a sua condição de filme de
grandes artifícios técnicos (por exemplo, no tratamento não
realista da cor). Neste aspecto, não será exagerado − poderá ser,
até, pedagogicamente motivador − chamar a atenção para o facto de
Os Sapatos Vermelhos aplicar alguns efeitos hoje em dia correntes
nos telediscos de muitas canções: a dança como forma de narrar uma
história ou encenar uma situação; a cor como elemento que escapa
constantemente ao mero naturalismo; o espaço como factor
descontínuo (de cenário para cenário) e alheio a qualquer
realismo; enfim, o tempo como uma medida que tem pouco de
objectivo e muito mais de subjectivo (ou até mesmo onírico).
O confronto com outros filmes de Powell/Pressburger será,
obviamente, esclarecedor. Mas não serão de menosprezar os
possíveis paralelismos com outros musicais, sejam eles da época
clássica do cinema americano, sejam outros, mais recentes, que
lidam com o limite existencial e figurativo da morte. Exemplo
extremo desta última vertente: All That Jazz (1979), de Bob Fosse.
Tudo isto, enfim, ganhará em ser sempre conduzido através da
interrogação central que o próprio filme coloca: o que é a
produção artística? Ou ainda: como − e até que ponto − essa
produção pode mobilizar o próprio artista, a ponto de pôr em causa
toda a sua identidade social e psicológica?
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Michael Powell
e
Emeric Pressburguer
Bio-filmografia
Michael Powel e Emeric Pressburger nasceram em contextos bem
diferentes: o primeiro, em 1905, na Inglaterra; o segundo, em
1902, na Hungria. De qualquer modo, desde muito cedo o cinema
passou a desempenhar um papel decisivo nas suas trajectórias. O
primeiro começou em França, em 1925, nos estúdios Victorine, de
Nice, como assistente de Rex Ingram; fez a sua aprendizagem nas
mais diversas tarefas, trabalhando, por exemplo, com Alfred
Hitchcock, em Champagne (1928), como fotógrafo de cena, e
Blackmail (1929), como argumentista. Quanto a Pressburger, depois
de uma experiência na área do jornalismo, começou a escrever
argumentos para filmes austríacos e alemães; estabeleceu-se em
Inglaterra, em 1936, como argumentista para produções de Alexandre
Korda.
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Era a época em que a indústria britânica de cinema procurava impor
a sua própria identidade face à concorrência sempre presente dos
produtos vindos do outro lado do Atlântico, isto é, dos grandes
estúdios americanos. Um dos pilares desse processo foi a Rank
Organization, de Arthur Rank, um verdadeiro império que, a certa
altura, controlava cerca de metade da produção britânica e mais de
mil salas em todo o pais.
Alexandre Korda, de origem húngara tal como Pressburger, viria a
revelar-se um dos produtores mais importantes da Rank e, em boa
verdade, uma das personalidades decisivas para o renascimento do
cinema britânico. É ele, aliás, o primeiro elo de ligação entre
Powell e Pressburger. Para ele, Pressburger, já o vimos,
iniciou-se a escrever argumentos. Quanto a Powell, começou por se
revelar na realização de mais de duas dezenas de filmes de pequena
produção, os chamados "Quotas Quickies", normalmente histórias de
cerca de uma hora de duração cuja função primordial era reagir à
ocupação do mercado britânico pelos filmes provenientes dos EUA.
As provas dadas nesse campo permitiriam a Powell realizar The Edge
of the World (1937), uma aventura filmada nas ilhas Hébridas,
título habitualmente apontado como o seu primeiro filme
verdadeiramente pessoal; foi, justamente, The Edge of the World
que despertou o interesse de Korda pelo jovem cineasta, tendo-lhe
proposto de imediato a rodagem de The Spy in Black (1938). O
argumentista de The Spy in Black estava sob contrato, ao serviço
de Korda: era Emeric Pressburger.
Seria quatro anos mais tarde, portanto em 1942, que Powell/Pressburger
se viriam a constituir como associação estável, fundando a sua
própria companhia de produção: The Archers. Através dela, os dois
homens assinaram conjuntamente quinze
longas-metragens, entre as quais se incluem alguns dos melhores e
mais famosos títulos do cinema clássico britânico. A assinatura
"escrito, produzido e realizado por Michael Powell e Emeric
Pressburger" transformou-se, assim, numa das marcas mais
prestigiadas de toda a história do cinema britânico.
Por vezes, analistas e historiadores têm discutido sobre o peso
real de cada um dos cineastas em tão frutuosa aliança. Quase
sempre a figura de Powell surge mais valorizada face à
contribuição de Pressburguer. Argumento que parece justificar tal
interpretação é a relativa menoridade da obra de Pressburger a
solo face à vitalidade de alguns dos filmes que Powell realizou.
Recorde-se,
neste aspecto, Peeping Tom (1960), sem dúvida um dos mais célebres
e perturbantes filmes que já se fizeram tendo como personagem
central um cineasta e por tema nuclear o seu próprio trabalho.
Seja como for, esta valorização de Powell (e consequente
desvalorização de Pressburger) parece esquecer um factor essencial
na avaliação da própria aliança dos dois homens. É que Powell e
Pressburger tiveram, antes do mais, a inteligência de criar um
sistema de produção próprio e relativamente autónomo que lhes
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permitiu mover-se com grande liberdade criativa no interior de uma
indústria que, quanto mais não fosse por imposição histórica,
estava condicionada a exprimir-se no interior de modelos muito
precisos.
Basta recordar que alguns dos filmes dos anos 40 de Powell/Pressburger
são, primeiro que tudo, obras de propaganda que se inseriam no
interior da batalha mais geral para derrotar o agressor nazi. Ora,
o certo é que, sem deixarem de cumprir a sua função de denúncia
daquela agressão, filmes como The Life and Death of Colonel Blimp
(1943) ou, já no final da guerra, A Matter of Life and Death
(1946) contam-se entre os mais extraordinários exemplos de um
"realismo fantástico" que, ainda hoje, surpreende pelo seu fulgor
criativo.
Os Sapatos Vermelhos (1948) é a experiência mais célebre da dupla
no campo específico do filme musical e também uma das suas
produções mais populares. Como curiosidade recorde-se que o filme
serviu para inaugurar, a 23 de Fevereiro de 1950, o cinema São
Jorge, em Lisboa, sala que, na altura, pertencia à organização Rank.
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Sobre o filme
e sobre Powell/Pressburger
"A má língua tem dado cabo de muitos bons filmes antes que
qualquer membro do público os tenha visto. Realizadores da actual
geração, como Martin Scorsese, Francis Coppola, George Lucas e
Michel Cimino podem confirmá-lo muito a sério, BiII Heineman (...)
fez a sua pesquisa e encontrou o Bijou Cinema, na Rua 45, longe
da Broadway, garantindo aos seus responsáveis um exclusivo de seis
meses se lançassem o filme. Era um cinema de duzentos lugares;
aceitaram o filme e iniciaram uma campanha publicitária. (...)
Depois de um ano de exibição, Bil Heineman e a família não se
calavam: "Eu bem te dizia", e o cinema contratou o filme por mais
um ano. Ao fim de uma exibição ininterrupta de dois anos e sete
semanas, Os Sapatos Vermelhos tinha-se imposto. Toda a gente o
queria. Ainda hoje, toda a gente o quer." −
Michael Powell in "A life in Movies", Alfred A. Knopf, Londres,
1986)
"Fosse qual fosse a importância de Pressburger na equipa, o certo
é que ela decorria, antes do mais, da sua condição de
argumentista: na rodagem, era Powell que assumia sempre o comando,
sendo as tarefas de produção partilhadas por ambos." −
John Russel Taylor in "Cinema − a Critical Dictionary", Secker &
Warburg, Londres, 1980)
"Quando o filme começa (a correria), o espectador pode ser levado
a crer que entrou num 'policial' e só depois descobre que se trata
de um público de 'galinheiro' ávido de encontrar os melhores
lugares para ver. Nessa avidez (que é também a de Walbrook) somos
todos convidados à participação, desinteressando-nos da trama
romanesca para esperar o momento do bailado. Só que quando este
nos é repetido a maior atracção já lá não está. O que fica são, de
facto, os 'red shoes' que, como no conto de Andersen, no bailado,
e na ficção, se colaram tanto à protagonista que lhe implicaram a
danação. Ou como escreveu Raphael Basson, se a concepção da arte,
que o protagonista veicula, é 'efectivamente muito romântica,
muito século XIX, a sua tradução é das mais modernas'. Porque nos
conduz da avidez de ver ao vazio da visão. Ao foco de luz e ao
fetiche, abolidas as presenças e os dramas humanos." −
João Bénard da Costa, in "Textos da Cinemateca")
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Michael Powell/Emeric Pressburger Bibliografia
É francamente maior a bibliografia disponível sobre Michael Powell
do que a que existe sobre Emeric Pressburger. Seja como for,
quase todas as abordagens da obra de Powell destacam a importância
dos seus filmes realizados em colaboração com Pressburger. Entre
nós, o principal modo de acesso a tal bibliografia é o sector de
documentação da Cinemateca Portuguesa (Rua Barata Salgueiro, 39 −
Lisboa); para além da quantidade de livros e revistas arquivados,
a Cinemateca possui um sistema de indexação que permite uma
pesquisa eficaz e uma consulta rápida.
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Eis algumas hipóteses:
A Life in Movies, de Michael Powel (Alfred A. Knopf, Inc., Londres
1986): autobiografia de Powell, muito
esclarecedora sobre as condições de produção dos filmes da dupla.
Festival lnternazionale di Locarno, (1983): edição especial deste
certame dedicada a Powell.
O Musical, (Cinemateca Portuguesa, quatro volumes, Lisboa, 1985):
história global do género.
Michael Powell, (Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1991): catálogo
sobre Powell, organizado por ocasião do ciclo
que a Cinemateca lhe dedicou.
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Entre os muitos artigos que abordam Os Sapatos Vermelhos, citam-se
apenas dois:
"Il n'y avait pas de chaise, il n'y avait pas de route" (revista "Positif",
Março 1985): análise comparada com o filme The Tales of Hoftman, outro musical da dupla.
"Dance, Girl, Dance" (revista "American Film", Março 1987):
extracto de A Life in Movies, acompanhado de uma
pequena entrevista com Powell.
Vale a pena sublinhar, a este propósito, que muita da bibliografia
sobre Powell (e Powell/Pressburger) é relativamente recente,
tendo-se sucedido ao processo de redescoberta e revalorização do
seu cinema desencadeado, a partir de meados dos anos 70, por
cineastas como Martin Scorsese.
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Videografia
Além de Os Sapatos Vermelhos, pode encontrar-se no mercado
português outro filme de Powell/Pressburger: Quando Os Sinos Dobram (Lusomundo).
Algumas hipóteses de paralelismo com Os Sapatos Vermelhos também
disponíveis:
Serenata à Chuva, de Gene Kelly e Stanley Donen
(Legal Video);
All That Jazz, de Bob Fosse (Publivideo);
Absolutamente Principiantes, de Julien Temple (Publivídeo);
Amor Sem Barreiras, de Robert Wise e Jerome Robbins (KodaklWarner);
Cabaret, de Bob Fosse (Ecovideo);
Flashdance, de Adrian Lyne (Edivídeo);
Isto é Dança, de Jack Haley Jr. (Legal Video);
Rolling Stones − Vídeo Rewind (Edivídeo);
Sete Noivas Para Sete Irmãos, de Stanley Donen (Legal Vídeo);
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Filmografia
(filmes co-realizados por Powell e Pressburger)
1942 - One of Our
Aircraft Is Missing (Falta Um Dos Nossos Aviões);
1943 - The
Volunteer;
1943 - The Life And Death of Colonel Blimp (A Vida Do Coronel
Blimp);
1944 - A Canterbury Tale;
1945 - I Know Where /'m Going;
1946 - A Matter of Life And Death (Um Caso de Vida Ou De Morte);
1947 - Black Narcissus (Quando Os Sinos Dobram);
1948 - The Small Back Room (O Seu Pior Inimigo);
1948 - The Red Shoes (Os Sapatos Vermelhos);
1950 - The Elusive Pimpernel (O Libertador);
1950 - Gone To Earth (A Raposa);
1951 - The Tales of Hoffman (Os Contos de Hoftman);
1955 - Oh Rosalinda!! (Contos Vienenses);
1956 - The Batle of The River Platé (A Batalha do Rio da Prata);
1956 - I'll Meet By Moonlight (Perigo Na Sombra).
Ficha técnica
João Lopes
Colaborou na
Cinemateca Portuguesa
e na RTP 2,
como programador. Crítico do
Jornal
"Expresso».
Paginação e Grafismo
Cândida Teresa
Gabinete de
Meios Técnicos e Materiais
da Direcção
Geral de Extensão Educativa
Dim. 21x14,5 cm
Edição
Secretaria de
Estado da Reforma Educativa
Composto e impresso
na Editorial do Ministério da Educação
Algueirão
Reconversão para HTML
Henrique J. C. de Oliveira
Espaço Aveiro e Cultura
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Aveiro - 2012
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