Nos
períodos de Verão, são mais que frequentes os incêndios florestais nos
países mediterrâneos e atlânticos e, de há uns tempos a esta parte, o
nosso país tem sido demasiado flagelado por eles. O mesmo se passa em
zonas subpolares como as áreas de tundra e de vegetação de coníferas do
Alasca e da Rússia. (http://
www.icn.destaques.2005-04-26.15,47). Mas o dilema impõe-se por que
associadas as simples queimadas aos sistemas de produção mais primitivos
e que também se praticam na agricultura intensiva moderna.
Afinal como distinguir as
queimadas dos incêndios florestais dado que sabemos que estes podem
acontecer na Natureza sem a intervenção do Homem quando certas condições
climáticas as e os provocam? Os incêndios são, por definição, de maiores
dimensões, sempre indesejados e difíceis de controlar, o que, em
princípio, não deverá acontecer com as queimadas, quer seja para
desmatamento, quer para a destruição de pragas ou resíduos agrícolas. Os
incêndios só apresentam alta periculosidade quando surgem em vegetações
propícias, como, por exemplo, as florestas de resinosas à base do
eucalipto e do pinheiro bravo, degradadas pelo pinheiro araucária,
entremeadas por arbustos e gramíneas. Na Mata Atlântica, por que mais
húmida, um incêndio em vegetação primária é muito difícil não só de
ocorrer como de se propagar, dado que as plantas continuam verdes,
guardando por vezes substanciais quantidades de água no seu interior.
Portugal, ultimamente vítima de incêndios florestais que surgem em zonas
com essas características, por vezes com cinco e mais frentes de fogo, é
um triste exemplo de impacto ambiental provocado por acções de claro
banditismo. Em poucas horas e minutos destrói-se o que pode não voltar a
ser alvo da sucessão natural, mas se torna propício à construção de
estradas, urbanizações selvagens ou campos de agricultura intensiva.
Possui-se uma Lei de Bases do Ambiente – Lei nº11/87 de 7 de Abril – que
não funciona a 50% e se torna, frequentemente, confusa de interpretar. O
ICN (Instituto de Conservação da Natureza) alerta e persuade que há que
pôr a funcionar planos com vista ao ordenamento do território, este
inexistente na prática por falta de coordenação e concentração de
esforços entre os intervenientes interessados que mantenham os recursos
naturais e previnam a sua exaustão, com vista à preservação dos
ecossistemas que suportam a vida. A biodiversidade, património genético
da humanidade, está em perigo e essa riqueza de hoje não será decerto a
de amanhã. A ocupação desenfreada de solos e o seu esgotamento poluem e
destroem água, ar, terra, fauna e flora. Se o actual sistema económico,
e sócio-político não começar a utilizar planos de desenvolvimento
sustentável no ordenamento do território a biosfera, essa crosta
terráquea à base de água e solo, interage com o Homem, apenas
interessado no progresso pelo progresso e nos lucros que este lhe traz a
curto prazo, e a catástrofe será a realidade do amanhã: uma situação de
completa ruptura onde os vindouros não poderão sobreviver.
Ao falar-se de desenvolvimento
sustentável, chavão político muito em voga, e ao criarem-se parques e
reservas naturais de interesse nacional ou regional, julga-se vãmente
que bastam como investimento futuro. Mas no panorama mundial, com a
explosão demográfica dos últimos cem anos, sobretudo nos países
terceiro-mundistas onde a fome e a miséria são a realidade quotidiana,
essas modestas tentativas não passam de uma panaceia que não evita o
irremediável e que foi o que já se destruiu. (Reis.1992) As queimadas
que degeneram em monumentais incêndios afectam o ar, poluindo-o,
tornando-o irrespirável para um ser vivente que dele necessita e influi
nas chuvas, tornando-as ácidas, nos recursos hídricos de superfície e
subterrâneos e estima-se que dentro de cinquenta anos estejam esgotadas
as reservas de água potável. As águas dos rios, ao brotarem da terra,
estarão poluídos à nascença e os seus afluentes que, por sua vez, são
depósitos de venenos produzidos sobretudo pelas fábricas onde a
tecnologia é cada vez mais avançada, ou sujeitos aos efeitos decorrentes
da mineração, ou de lixos e excrementos humanos e de produção em série
de fauna, flora e indústrias transformistas, lançar-se-ão nos mares e
oceanos que, por sua vez, já não estarão de boa saúde. Os derrames de
crude dos petroleiros, só por si, vão-se encarregando da destruição da
fauna e flora marinhas e os grandes gigantes dos oceanos, como o tubarão
e a baleia, estarão na situação de “canto do cisne”, parafraseando um
conceito cultural adquirido. Ao intrometer-se no seu domínio,
roubando-lhes terreno com a construção de diques, desviando as suas
correntes e modificando as suas marés, interferindo no clima pelo
desmatamento selvagem que produziu o sobreaquecimento da biosfera e da
atmosfera, o Homem destruiu os ecossistemas marinhos e foi cavando
também a sua sepultura e não terá como sobreviver aos crimes praticados.
Não sabemos bem quando, mas todos estes factores de impacto constituirão
uma grave ameaça a que não se poderá fugir porque o “stress” permanente
a que o nosso ambiente tem sido sujeito provocará o caos por se ter
interferido abusivamente naquele ciclo regenerador do ambiente – aquele
em que já viveram os auroques há muitos e muitos anos.
Modificado inconscientemente o
ciclo de regeneração da Natureza, com tanto dióxido de carbono, azoto ou
metano, esses gases poluentes que envenenam tudo e todos, o Homem passou
a ter uma pesada factura para pagar. Desde 1810, altura em que se
começou por acreditar que na tecnologia avançada residia a felicidade do
ser humano, que residiria na sua esperança de melhoria sócio-económica e
interesses culturais, esse progresso levou ao abate de zonas verdes para
urbanizar cada vez mais, abrir estradas e rasgar linhas-férreas, e a
paisagem substituiu progressivamente a frondosa mancha florestal. Esse
impacto ambiental de duzentos anos desviou os incêndios das grandes
cidades para os tornar o flagelo sazonal do pouco que resta de bom e
belo no nosso património natural: a biodiversidade ecológica. Tornou-se
uma bola de neve que, desequilibrando os ecossistemas, vai avolumando a
imensa factura da qual falávamos atrás. Como consequência o Homem perdeu
qualidade de vida e não se vê que esteja muito preocupado com as dos
seus descendentes. (Brito.1999). Quantidade e qualidade são dois pratos
de uma balança muito desequilibrados porque nem sempre é escolhida a
melhor atitude, ou efectuada a acção mais conveniente. Se os interesses
forem de cariz económico vai-se privilegiando a primeira em detrimento
da segunda.
Barry Rommoner, “um dos pais do
ecologismo”, citado por Dominique Simonnet in O Ecologismo, afirmou não
haver refeições gratuitas: «… As actividades do homem, as suas
“refeições”, são pagas em energia.» e refere que um dos mais importantes
princípios da visão global desta disciplina derivada da biologia diz
respeito ao carácter ético que lhe anda ligado. Por isso alguns
estudiosos afirmam ser uma filosofia de vida, uma forma de aprender a
interagir equilibradamente com todo o ser vivente ou inerme que nos
rodeia.
Concluindo: o simpático
burrinho, espécie comum que corre perigo de extinção, não é único, como
não o são os paquidermes africanos e asiáticos, elefantes e rinocerontes
(para lhes roubarem as presas), ou felinos como o leopardo,
a chita, o lince ibérico e o lobo, entre muitos outros. Entre nós, no
dia a dia, vão-se extinguindo espécies descendentes dos arcaicos
auroques dada a urbanização progressiva das nossas aldeias onde tratar
de gado dá trabalho, dá despesa e não é visto como labor dignificante.
Os animais, outrora domesticados pelos primeiros homens sedentarizados,
são agora vítimas da especulação de grandes empresários que exploram o
abate em massa para abastecer as grandes urbes e não aproveitam os
dejectos para estrumar as terras, mas para poluir as águas dos rios.
Segundo a lei da vida, os mais velhos morreram e os filhos abandonaram
os seus antigos lugares fugindo à vida sacrificada que os pais levaram.
Os silvados e as gramíneas são os habitantes únicos de lugares onde só
as pedras das casas construídas falam dos seus antigos donos, aqueles
que abatiam árvores, mas plantavam outras e enriqueciam o subsolo com os
dejectos dos seus animais e os seus próprios, modelando a Natureza por
um lado e protegendo-a por outro. As máquinas do progresso não respeitam
ecossistemas quando utilizadas para culturas intensivas e extensivas. Os
adubos químicos e o DDT matam animais, plantas e seres humanos e os
decompositores, como as minhocas e outros seres infinitamente mais
minúsculos, também perderam os seus habitats porque se tornou
desnecessária, e menos asseada, a sua função e o relógio biológico da
Natureza vai-se desequilibrando a pouco e pouco. Em breve, e com os
incêndios a destruir sistematicamente a mancha verde da paisagem,
deixamos de ter o quer que seja que valha a pena salvar. Também não
ficará por aqui ninguém para contar a história...
Quando é que tecnologias limpas
se desenvolvem para tentar preservar e recuperar o muito que a grande
fogueira da estupidez, da maldade, da ignorância e da ambição
desenfreada fizeram arder? Ao grande senhor da Terra não falta,
parafraseando Camões, nem «engenho», nem «arte». Talvez «honesto estudo»
e vontade. É deprimente termos de fazer de “Velhos do Restelo”.
Lamentamos não estarmos sozinhos.
Maria
Helena Silva – Março/2005
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