Helena Silva, Queimadas e incêndios - A natureza em perigo. Março de 2005

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Capítulo 4 – “Homo lupus homini”

 

 

Nos períodos de Verão, são mais que frequentes os incêndios florestais nos países mediterrâneos e atlânticos e, de há uns tempos a esta parte, o nosso país tem sido demasiado flagelado por eles. O mesmo se passa em zonas subpolares como as áreas de tundra e de vegetação de coníferas do Alasca e da Rússia. (http:// www.icn.destaques.2005-04-26.15,47). Mas o dilema impõe-se por que associadas as simples queimadas aos sistemas de produção mais primitivos e que também se praticam na agricultura intensiva moderna.

 

Afinal como distinguir as queimadas dos incêndios florestais dado que sabemos que estes podem acontecer na Natureza sem a intervenção do Homem quando certas condições climáticas as e os provocam? Os incêndios são, por definição, de maiores dimensões, sempre indesejados e difíceis de controlar, o que, em princípio, não deverá acontecer com as queimadas, quer seja para desmatamento, quer para a destruição de pragas ou resíduos agrícolas. Os incêndios só apresentam alta periculosidade quando surgem em vegetações propícias, como, por exemplo, as florestas de resinosas à base do eucalipto e do pinheiro bravo, degradadas pelo pinheiro araucária, entremeadas por arbustos e gramíneas. Na Mata Atlântica, por que mais húmida, um incêndio em vegetação primária é muito difícil não só de ocorrer como de se propagar, dado que as plantas continuam verdes, guardando por vezes substanciais quantidades de água no seu interior. Portugal, ultimamente vítima de incêndios florestais que surgem em zonas com essas características, por vezes com cinco e mais frentes de fogo, é um triste exemplo de impacto ambiental provocado por acções de claro banditismo. Em poucas horas e minutos destrói-se o que pode não voltar a ser alvo da sucessão natural, mas se torna propício à construção de estradas, urbanizações selvagens ou campos de agricultura intensiva. Possui-se uma Lei de Bases do Ambiente – Lei nº11/87 de 7 de Abril – que não funciona a 50% e se torna, frequentemente, confusa de interpretar. O ICN (Instituto de Conservação da Natureza) alerta e persuade que há que pôr a funcionar planos com vista ao ordenamento do território, este inexistente na prática por falta de coordenação e concentração de esforços entre os intervenientes interessados que mantenham os recursos naturais e previnam a sua exaustão, com vista à preservação dos ecossistemas que suportam a vida. A biodiversidade, património genético da humanidade, está em perigo e essa riqueza de hoje não será decerto a de amanhã. A ocupação desenfreada de solos e o seu esgotamento poluem e destroem água, ar, terra, fauna e flora. Se o actual sistema económico, e sócio-político não começar a utilizar planos de desenvolvimento sustentável no ordenamento do território a biosfera, essa crosta terráquea à base de água e solo, interage com o Homem, apenas interessado no progresso pelo progresso e nos lucros que este lhe traz a curto prazo, e a catástrofe será a realidade do amanhã: uma situação de completa ruptura onde os vindouros não poderão sobreviver.

 

Ao falar-se de desenvolvimento sustentável, chavão político muito em voga, e ao criarem-se parques e reservas naturais de interesse nacional ou regional, julga-se vãmente que bastam como investimento futuro. Mas no panorama mundial, com a explosão demográfica dos últimos cem anos, sobretudo nos países terceiro-mundistas onde a fome e a miséria são a realidade quotidiana, essas modestas tentativas não passam de uma panaceia que não evita o irremediável e que foi o que já se destruiu. (Reis.1992) As queimadas que degeneram em monumentais incêndios afectam o ar, poluindo-o, tornando-o irrespirável para um ser vivente que dele necessita e influi nas chuvas, tornando-as ácidas, nos recursos hídricos de superfície e subterrâneos e estima-se que dentro de cinquenta anos estejam esgotadas as reservas de água potável. As águas dos rios, ao brotarem da terra, estarão poluídos à nascença e os seus afluentes que, por sua vez, são depósitos de venenos produzidos sobretudo pelas fábricas onde a tecnologia é cada vez mais avançada, ou sujeitos aos efeitos decorrentes da mineração, ou de lixos e excrementos humanos e de produção em série de fauna, flora e indústrias transformistas, lançar-se-ão nos mares e oceanos que, por sua vez, já não estarão de boa saúde. Os derrames de crude dos petroleiros, só por si, vão-se encarregando da destruição da fauna e flora marinhas e os grandes gigantes dos oceanos, como o tubarão e a baleia, estarão na situação de “canto do cisne”, parafraseando um conceito cultural adquirido. Ao intrometer-se no seu domínio, roubando-lhes terreno com a construção de diques, desviando as suas correntes e modificando as suas marés, interferindo no clima pelo desmatamento selvagem que produziu o sobreaquecimento da biosfera e da atmosfera, o Homem destruiu os ecossistemas marinhos e foi cavando também a sua sepultura e não terá como sobreviver aos crimes praticados. Não sabemos bem quando, mas todos estes factores de impacto constituirão uma grave ameaça a que não se poderá fugir porque o “stress” permanente a que o nosso ambiente tem sido sujeito provocará o caos por se ter interferido abusivamente naquele ciclo regenerador do ambiente – aquele em que já viveram os auroques há muitos e muitos anos.

 

Modificado inconscientemente o ciclo de regeneração da Natureza, com tanto dióxido de carbono, azoto ou metano, esses gases poluentes que envenenam tudo e todos, o Homem passou a ter uma pesada factura para pagar. Desde 1810, altura em que se começou por acreditar que na tecnologia avançada residia a felicidade do ser humano, que residiria na sua esperança de melhoria sócio-económica e interesses culturais, esse progresso levou ao abate de zonas verdes para urbanizar cada vez mais, abrir estradas e rasgar linhas-férreas, e a paisagem substituiu progressivamente a frondosa mancha florestal. Esse impacto ambiental de duzentos anos desviou os incêndios das grandes cidades para os tornar o flagelo sazonal do pouco que resta de bom e belo no nosso património natural: a biodiversidade ecológica. Tornou-se uma bola de neve que, desequilibrando os ecossistemas, vai avolumando a imensa factura da qual falávamos atrás. Como consequência o Homem perdeu qualidade de vida e não se vê que esteja muito preocupado com as dos seus descendentes. (Brito.1999). Quantidade e qualidade são dois pratos de uma balança muito desequilibrados porque nem sempre é escolhida a melhor atitude, ou efectuada a acção mais conveniente. Se os interesses forem de cariz económico vai-se privilegiando a primeira em detrimento da segunda.

 

Barry Rommoner, “um dos pais do ecologismo”, citado por Dominique Simonnet in O Ecologismo, afirmou não haver refeições gratuitas: «… As actividades do homem, as suas “refeições”, são pagas em energia.» e refere que um dos mais importantes princípios da visão global desta disciplina derivada da biologia diz respeito ao carácter ético que lhe anda ligado. Por isso alguns estudiosos afirmam ser uma filosofia de vida, uma forma de aprender a interagir equilibradamente com todo o ser vivente ou inerme que nos rodeia.

 

 

 

Concluindo: o simpático burrinho, espécie comum que corre perigo de extinção, não é único, como não o são os paquidermes africanos e asiáticos, elefantes e rinocerontes (para lhes roubarem as presas), ou felinos como o leopardo, a chita, o lince ibérico e o lobo, entre muitos outros. Entre nós, no dia a dia, vão-se extinguindo espécies descendentes dos arcaicos auroques dada a urbanização progressiva das nossas aldeias onde tratar de gado dá trabalho, dá despesa e não é visto como labor dignificante. Os animais, outrora domesticados pelos primeiros homens sedentarizados, são agora vítimas da especulação de grandes empresários que exploram o abate em massa para abastecer as grandes urbes e não aproveitam os dejectos para estrumar as terras, mas para poluir as águas dos rios. Segundo a lei da vida, os mais velhos morreram e os filhos abandonaram os seus antigos lugares fugindo à vida sacrificada que os pais levaram. Os silvados e as gramíneas são os habitantes únicos de lugares onde só as pedras das casas construídas falam dos seus antigos donos, aqueles que abatiam árvores, mas plantavam outras e enriqueciam o subsolo com os dejectos dos seus animais e os seus próprios, modelando a Natureza por um lado e protegendo-a por outro. As máquinas do progresso não respeitam ecossistemas quando utilizadas para culturas intensivas e extensivas. Os adubos químicos e o DDT matam animais, plantas e seres humanos e os decompositores, como as minhocas e outros seres infinitamente mais minúsculos, também perderam os seus habitats porque se tornou desnecessária, e menos asseada, a sua função e o relógio biológico da Natureza vai-se desequilibrando a pouco e pouco. Em breve, e com os incêndios a destruir sistematicamente a mancha verde da paisagem, deixamos de ter o quer que seja que valha a pena salvar. Também não ficará por aqui ninguém para contar a história...

 

Quando é que tecnologias limpas se desenvolvem para tentar preservar e recuperar o muito que a grande fogueira da estupidez, da maldade, da ignorância e da ambição desenfreada fizeram arder? Ao grande senhor da Terra não falta, parafraseando Camões, nem «engenho», nem «arte». Talvez «honesto estudo» e vontade. É deprimente termos de fazer de “Velhos do Restelo”. Lamentamos não estarmos sozinhos.

 

Maria Helena Silva – Março/2005

 

BIBLIOGRAFIA
 

Brito, António José dos Santos Lopes de, (1977). A Protecção do Ambiente e os Planos Regionais de Ordenamento do Território. Coimbra. Almedina. (pp.25 – 47)

Elegido, Maximiano. (1977) Proteccion del Medio Ambiente. Seminario de Estudios para Presidentes de Deputaciones Provinciales. Instituto de Administration Social.Madrid. (pp.39 – 62)

Instituto de Conservação da Natureza. (2005) Flora em perigo. (sem autor; s.d.).  Recuperado em 2005. Abril 26 – 16,75 de Destaques:

http://www.icn.pt/pcn.flora_perigo/principal.htm

Instituto de Conservação da Natureza. (2005) Destaques. Versão electrónica recuperada em 2005. Abril 26 – 15,47 de

 http://www.icn.pt/destaques.htm

Liga para a Protecção da Natureza: Portugal Natural. (Outubro / 1995). Lisboa.

EDIDECO – EDITORES. Cap. 1 – “A natureza em mudança”. (pp.18-31)

Moura, Domingos & Ferreira, Francisco & Correia, Francisco Nunes & Telles,  Gonçalo Ribeiro & Soromenho-Marques, Viriato. (s.d.) Ecologia e Ideologia. (Direcção de colaboração e moderação dos debates de José Rebelo). Colecção “Mesa Redonda”.(s.d.). Lisboa. Livros e Leituras. (pp.37 – 63)

Reis, João Pereira, (1992). Lei de Bases do Ambiente. Lei nº11 / 87, de 7 de Abril. Coimbra, Almedina, pp.7 – 23.

Simonnet, Dominique. (1981), O Ecologismo, Lisboa. Moraes, pp. 7 – 29.

 

 

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