Rita Pinto C. R. Miranda, Poesia, 2002.

Os anjos perderam as asas

                                     I

Os anjos perderam as asas
A voz perdeu o murmúrio dos trovões
Perdeu tudo o mistério
Sentido do medo partiu-se em milhões
De ventos loiros de pele azul
De ondas castanhas de mel e de lama
De corpo só restou o silêncio
Desse olhar que grita
Que chama
Que sofre
Que espera
E os anjos perderam as asas
Sós na noite dormiram sem poderem
regressar
Porque o sonho nunca existiu
E o céu é só de quem o pode comprar
Chamam as conchas o mar que não vem
Morrem as flores nos seios da mãe
Partem-se as montanhas
Sufocam-se os rios
E tu, que perdeste asas, dormes em becos
vazios
Mais tremerá a terra
Que dos anjos era amante
Muito mais morrerá a morte
Levando a vida no beijo restante
E a luz
E a lua
E a lentidão do teu gesto macio
Descansa em meu peito, jazigo frio
Onde não entra raiva, nem sol, nem amor
Onde não resta corpo, nem ossos, nem chorar
Onde não cabe nada, só as asas que te
souberam  cortar. 


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