Ezequiel Arteiro, Palavras que eu canto,  1ª ed., Aveiro, O Nosso Jornal - Portucel, 1984, 96 pp.

Quadras - Breve amostra

 

Cuidado com certa gente
Que antes da missa e no fim
Vai à Sacristia sempre
Falar de ti e de mim.


Não sou na vida quem quero
Mas quero ser como sou,
Ser tão honrado e sincero
Quanto o meu Pai me ensinou.


Foi sempre minha paixão
Dormir bem e bem deitado...
Mas ao ver televisão,
Sem querer, durmo sentado!


Lá por ser pobre o seu fim,
Com doenças torturantes,
Aleixo foi, para mim,
Um Gigante entre os gigantes!


Quem usa, nas procissões
Opas que metem cobiça,
Salvo raras excepções,
Não vai ao Domingo à Missa.


O amor começa a ferver
Quando o Natal aparece!
Vamos dar as mãos p'ra ver
Se o mundo nunca arrefece.
 

Nunca a terra teve fome;
A fome é que tem a Terra
Crivada de quem mal come
Por se gastar tanto em guerra!...


Nunca diga ser honrado
Se come e sempre comeu
Pão, do melhor, amassado
Com o suor que não é seu.


Trabalho com alegria
Na alegria do trabalho.
Assim que busco em cada dia
O meu pão e agasalho.


Todo aquele que trabalha
Tem a condecoração
Da mais ilustre medalha
Na palma de cada mão.


Faço da pá a guitarra
E do pico o violão,
Das valas casa bizarra
E do trabalho a canção.


Em propaganda, um partido
É tudo p'ra quem trabalha;
Mas depois que sobem ao podium
Sempre se tem visto
— falha!


Já Bordalo desenhou
Uma porca com leitões,
Trabalho que apelidou
De política e mamões.

                     *
                 *       *

Tenho amigos cá na Empresa
Que me dispensam carinhos,
Mas nunca, dou a certeza,
Farei deles meus «padrinhos»...


Se de algum fosse afilhado
Já não seria pedreiro,
Mas, sim, um «galo encristado»
A cantar de bom «poleiro»!...


                     *
                 *       *

Fiquei agora a saber
(Sem duvidar), as razões
De, só à distância ver,
As boas colocações!


                     *
                 *       *

Quanto mais me sacudir
A «peneira» deste mundo,
Mais se vê o grande subir
E o pequeno ir p'ró fundo...


Em nada se dignifica
Quem gasta dinheiro à toa;
Não pense a pessoa rica
Que é também rica pessoa.


Há muitos ladrões honestos
E honestos muitos ladrões!...
Aqueles, só «roubam» restos,
Estes, «desviam» milhões!...


Ó Senhor de Matosinhos,
Quando o mar enche as marés,
Quer chegar os seus beijinhos
Às chagas que tens nos pés.


Há muito quem passe fome
Porque não tem que comer,
Mas há também quem não come
Com dinheiro a apodrecer!


O homem nem sequer pensa
Que reza o Pai-Nosso à toa!
Sempre que surge uma ofensa
Quer perdão, mas não perdoa!


Quantas vezes se pões fora
As sobras de certa mesa
Esquecendo-se que mora
Pertinho tanta pobreza.


Quando Deus criou a Terra
Deixou ficar tudo em Paz.
Se nela aparece guerra
É porque o homem a faz.


Pobreza manifestada
Esconde, às vezes, riqueza
E pobreza envergonhada
Não deixa de ser pobreza.


Vem o Natal e com ele
Surge tanto amor fingido!...
É pena que depois dele
Volte a ser como tem sido.


Quantas vezes orações
São feitas por comodismo!...
— Rezar sem haver acções
É falso cristianismo.


Injustiça, consentida
Por quem a pode impedir,
É uma falta desmedida
Que nunca deve existir.


É acto sem caridade,
Que nada tem de cristão
Quando se dá com vaidade
Ao pobre um naco de pão.
 

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