FOI AOS PATOS...
E CAIU COMO UM PATO!

A «estória» que vou contar foi passada entre dois colegas nossos, ambos caçarretas
inveterados, danadinhos por puxar ao gatilho... mesmo no escuro.
Foi
na adega de um deles que a «estória» me foi contada ao jeito de lamentação.
Embora
eu guarde a identidade dos intervenientes, não resisto à tentação de a
recontar, quanto mais não seja para gáudio de meia centena de colegas adeptos
de Santo Huberto.
Neste
meu propósito haverá um pouco de sadismo, mas isso terá a sua desculpa, pois
o principal personagem da «estória», o que caiu no bidão, anda sempre à
cata do lado humorístico e não se poupa a uma boa gargalhada quando algum
outro caçarreta cai em situação caricata.
E
veja-se a propaganda que ele fez, quando um cão de caça do Vitorino, ao lamber
por dentro uma panela de barro a cheirar a rojões, lá enfiou a cabeça de tal
maneira que foi preciso, para soltar o cão, partir a panela à paulada, facto
que na altura mereceu honras de um satírico desenho que correu de mão em mão!
Ora
lá diz o velho ditado: quem com ferros mata, com ferros morre. Mas
vamos à nossa «estória»:
É
costume de alguns caçadores desta região irem à espera do pato de arribação:
agacham-se entre as «canizes» ou cobrem-se com ramos de salgueiro e ali ficam,
caladinhos e matreiros, e, às tantas, aí vai disto, à queima-roupa, zás,
catrapás, já está...
Em
questões de ciladas, o homem é inventor nato e a evolução foi-se dando,
naturalmente, até atingir uma perfeição a cem por cento: escolhem um sapal
frequentado ou visitado pelas aves, fazem um buraco na lama, colocam um bidão
de forma a que a boca fique de fora por causa das marés e metem-se dentro,
espertos como ratos, olho fino a rodar como um periscópio, espreitando o voar
das aves. E quando estas se aproximam a menos de um tiro de mosquete, aí vai
balázio certeiro, chumbo com força a zunir no céu... As pobres das aves nem
chegam a saber de que lado vem aquela saraivada!
Feridas
de morte, abrem as asas e aí vêm elas a pingar sangue, peso morto a cair quase
ao pé do bidão, onde o caçador, como lacrau, sai da toca e pendura à cinta a
vítima dessa emboscada.
Pois
foi nos preparativos para a instalação do bidão que um colega nosso, ao
buscar do fundo do latão a boina que lá tinha caído, se enfiou como um saco
na armadilha que para os patos engendrara: uma bota escorregou na lama e lá vai
o nosso herói, de cabeça para baixo, entalado como salsicha, ficando de fora
as pernas a pedalar em seco, desalmadamente...

Do
fundo do latão, mais por repercussão dos sons através da lama que por orifício
disponível, ouvia-se em voz roufenha, como vinda do além-túmulo, um ronco
apavorante — mais ronco que grito: «acudam, acudam... acudam!
O
outro companheiro, surpreso por espectáculo tão insólito, e vendo o andarilho
dos pés em pedaladas tão céleres, desatou a rir às gargalhadas, sem forças
e sem ânimo para acudir de imediato ao pobre do colega que, com a cabeça no
fundo do latão e o sangue a descer-lhe à moleirinha, dava roncos de fazer
estarrecer uma alma-penada.
Não
me contou ele como saiu de situação tão humilhante. Mas é de crer que foi içado
pelo traseiro, como quem tira com saca-trapos uma bucha encravada em escopeta
enferrujada.
Enfim,
foi uma boa «escaramentação», pois quando ele me contou o sucedido fê-lo ao
jeito de confissão pesarosa:
—
«O porreta do meu companheiro, a ver-me aflitinho de todo, eu a gritar.., e o
maroto a rir-se, que eu bem o ouvia, e eu esganadinho, todo tolhido dos braços,
sem me poder mexer... Eu bem esperneava, mas que valia?! E o maroto a rir-se...»
Aguentei
o desabafo sem me rir. Mas depois, quando o deixei, disse com os meus botões:
«Boa partida esta! Ah! mas vou-a contar... no jornal, ali, tudo
escarrapachadinho, tim-tim por tim-tim... Até vou fazer também um desenho!...»
Dezembro – 1982
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