Bartolomeu Conde - 2002

O Conselheiro!...

Conheci o Conselheiro era eu ainda criança. Foi quando, com apenas sete anos, entrei pela primeira vez  numa escola de Cacia, uma habitação encostada à cocheira do Solar do Conselheiro, pessoa que recordo, com um halo de respeito e deslumbramento, sentado na sua charrete puxada por cavalo, a acenar com gentileza às pessoas que o cumprimentavam com profundo recolhimento.

Nesse tempo -  década de vinte - Cacia era uma aldeia ecologicamente rural, onde prevalecia a figura do agricultor, simples e pacato, descalço ou de tamancos, à frente do carro de vacas, a levar para o campo os apetrechos da exigente e esforçada vida de lavoura.

O Conselheiro era para todos, crianças e adultos, uma figura aristocrática, a merecer a consideração de todos os cacienses.

"Homo Perfectus" — Homem Perfeito — lhe chamou o Dr. Alberto Souto, esse saudoso e laureado intelectual aveirense, quando discursou na Homenagem que prestaram ao Conselheiro em sessão de gala realizada em 25 de Abril de 1931, vinte anos antes do seu falecimento. E disse porquê: "O Conselheiro possui a Justiça e a Bondade, a Dignidade e o Carácter, a Polidez de Maneiras, a Prudência e o Saber, — é um exemplo de perfeição moral".

E não só em Aveiro e Cacia a sua personalidade foi distinguida; todos os sectores da Vida Portuguesa lhe teceram, em vida, louvores e lhe ergueram aplausos!

Ricardo Nogueira Souto, no seu livro "ANGEJA E A REGIÃO DO BAIXO-VOUGA", editado em 1937, lavra referência, com elevados elogios, ao Conselheiro Dr. Manuel Nunes da Silva, nestes termos: "... é uma personalidade de grande relevo na inteligência, no saber, na hierarquia social, como benfeitor e promotor, no progresso de Cacia". Deputado no Regime Monárquico, sofreu, depois da instauração da República, em 1910, algumas ingratidões e irreverências, mas a sua admirável serenidade não o impediram de sempre desempenhar as mais altas funções sociais no Regime Republicano, merecendo os mais elevados encómios, pela isenção e alto critério com que sempre cumpriu as exigentes funções em que fora investido, sem nunca se submeter às paixões dos vencedores nem às dos vencidos, merecendo por isso, e sempre, o respeito e a admiração de uns e de outros.

E altos foram os cargos que desempenhou, além do de Deputado nas Cortes Monárquicas:

     - Delegado Judicial nas Comarcas de Ovar e Barcelos;

     - Juiz do Contencioso Fiscal do Norte;

     - Inspecção de Câmaras;

     - Presidente do Tribunal do Comércio de Lisboa;

     - Presidente da Relação;

     - Juiz do Supremo Tribunal de Justiça; e depois de reformado ainda desempenhou o cargo de Presidente da Comissão Permanente do Direito Internacional e Marítimo.

 

Na área das iniciativas locais, e no mérito do alto conceito em que era tido nas esferas governamentais e judiciais, aliado à sua alma de grande bairrista, o Conselheiro liderou ainda a concretização de obras relevantes para o progresso de Cacia:

     - O apeadeiro em Cacia, ao serviço de toda a região do Baixo Vouga;

     - A Mota ou Dique, entre as duas pontes, na margem direita do Vouga, em defesa dos campos agrícolas, com vantagem também para os agricultores de Cacia, proprietários de muitos campos agrícolas naquela área;

     - A construção do  primeiro edifício escolar da Freguesia;

     - A instalação de luz na Freguesia;

     - Restauração da Igreja, arranjo de ruas, etc., etc..

 

Este curriculum, aliado ao trato de elevada educação, à amabilidade com que tratava o povo, à sua sempre prestante colaboração no progresso de Cacia, tudo isto faz com que o Conselheiro Dr. Manuel Nunes da Silva seja, com toda a justiça e mérito, uma memória imperecível de grande bairrista, de benemérito, de homem culto, bondoso e justo, em suma, um Homo Perfectus, como judiciosamente o qualificou esse padrinho histórico de Cacia - o Dr. Alberto Souto - que baptizou Cacia de "A Avozinha de Aveiro"! — tal como o Conselheiro merece ser o "Avozinho de Cacia".

                                                                 Março de 2002

                                                              Bartolomeu Conde

Página anterior Página inicial Página seguinte