O
Conselheiro!...

Conheci
o Conselheiro era eu ainda criança. Foi quando, com apenas sete anos, entrei
pela primeira vez numa escola de
Cacia, uma habitação encostada à cocheira do Solar do Conselheiro, pessoa que
recordo, com um halo de respeito e deslumbramento, sentado na sua charrete
puxada por cavalo, a acenar com gentileza às pessoas que o cumprimentavam com
profundo recolhimento.
Nesse
tempo - década de vinte - Cacia
era uma aldeia ecologicamente rural, onde prevalecia a figura do agricultor,
simples e pacato, descalço ou de tamancos, à frente do carro de vacas, a levar
para o campo os apetrechos da exigente e esforçada vida de lavoura.
O
Conselheiro era para todos, crianças e adultos, uma figura aristocrática, a
merecer a consideração de todos os cacienses.
"Homo
Perfectus" — Homem Perfeito — lhe chamou o Dr. Alberto Souto, esse
saudoso e laureado intelectual aveirense, quando discursou na Homenagem que
prestaram ao Conselheiro em sessão de gala realizada em 25 de Abril de 1931,
vinte anos antes do seu falecimento. E disse porquê: "O Conselheiro possui
a Justiça e a Bondade, a Dignidade e o Carácter, a Polidez de Maneiras, a Prudência
e o Saber, — é um exemplo de perfeição moral".
E não
só em Aveiro e Cacia a sua personalidade foi distinguida; todos os sectores da
Vida Portuguesa lhe teceram, em vida, louvores e lhe ergueram aplausos!
Ricardo
Nogueira Souto, no seu livro "ANGEJA E A REGIÃO DO BAIXO-VOUGA",
editado em 1937, lavra referência, com elevados elogios, ao Conselheiro Dr.
Manuel Nunes da Silva, nestes termos: "... é uma personalidade de grande
relevo na inteligência, no saber, na hierarquia social, como benfeitor e
promotor, no progresso de Cacia". Deputado no Regime Monárquico, sofreu,
depois da instauração da República, em 1910, algumas ingratidões e irreverências,
mas a sua admirável serenidade não o impediram de sempre desempenhar as mais
altas funções sociais no Regime Republicano, merecendo os mais elevados encómios,
pela isenção e alto critério com que sempre cumpriu as exigentes funções em
que fora investido, sem nunca se submeter às paixões dos vencedores nem às
dos vencidos, merecendo por isso, e sempre, o respeito e a admiração de uns e
de outros.
E
altos foram os cargos que desempenhou, além do de Deputado nas Cortes Monárquicas:
- Delegado Judicial nas Comarcas de Ovar e Barcelos;
- Juiz do Contencioso Fiscal do Norte;
- Inspecção de Câmaras;
- Presidente do Tribunal do Comércio de Lisboa;
- Presidente da Relação;
- Juiz do Supremo Tribunal de Justiça; e depois de reformado ainda desempenhou
o cargo de Presidente da Comissão Permanente do Direito Internacional e Marítimo.
Na
área das iniciativas locais, e no mérito do alto conceito em que era tido nas
esferas governamentais e judiciais, aliado à sua alma de grande bairrista, o
Conselheiro liderou ainda a concretização de obras relevantes para o progresso
de Cacia:
- O apeadeiro em Cacia, ao serviço de
toda a região do Baixo Vouga;
- A Mota ou Dique, entre as duas pontes, na margem direita do Vouga, em defesa
dos campos agrícolas, com vantagem também para os agricultores de Cacia,
proprietários de muitos campos agrícolas naquela área;
- A construção do primeiro edifício
escolar da Freguesia;
- A instalação de luz na Freguesia;
- Restauração da Igreja, arranjo de ruas, etc., etc..
Este
curriculum, aliado ao trato de elevada educação, à amabilidade com que
tratava o povo, à sua sempre prestante colaboração no progresso de Cacia,
tudo isto faz com que o Conselheiro Dr. Manuel Nunes da Silva seja, com toda a
justiça e mérito, uma memória imperecível de grande bairrista, de benemérito,
de homem culto, bondoso e justo, em suma, um Homo Perfectus, como judiciosamente
o qualificou esse padrinho histórico de Cacia - o Dr. Alberto Souto - que
baptizou Cacia de "A Avozinha de Aveiro"! — tal como o Conselheiro
merece ser o "Avozinho de Cacia".
Março de 2002
Bartolomeu Conde
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