Nosso vizinho, ali de Cacia, o Sr. Conselheiro Manuel Nunes da Silva é a
personalidade de maior relevo na inteligência, no saber, na hierarquia social
e, como benfeitor e promotor, no Progresso da sua terra. Pela sua acção e
actividade é o seu maior benemérito. Apesar da sua idade avançada, sabemo-lo
e vemo-lo sempre o primeiro, como iniciador e dirigente de todos os movimentos
de natureza bairrista. A idade não lhe atinge o espírito; sempre moço, com
actividade e boa disposição em servir a sua terra e os seus amigos, que acolhe
sorridente e fraternal.
Na
construção do belo edifício escolar, nas obras ou reforma da sua igreja, na
melhoria das ruas, na aquisição da luz eléctrica, etc., ocupou sempre e em
tudo o primeiro lugar.
A sua coroa de glória de bairrista e regionalista é ter conseguido o apeadeiro
em Cacia e tê-lo, posteriormente, transformado em estação, que serve não só
Cacia, mas também e muito, Angeja e as povoações ao sul desta, das margens do
Vouga.
A
mais bonita obra hidráulica que existe nas margens do Vouga é sem dúvida a
Mota ou dique, do lado direito, entre as duas pontes, de cerca de três quilómetros
de comprido, com o fim, principalmente, de defender os campos de Angeja, Fermelã,
Canelas e Salreu, dos assoreamentos das enchentes do Vouga. Essa obra, pela sua
grandeza e beleza, atrai ali muitos forasteiros e turistas a gozá-la e admirá-la.
Pois o Sr. conselheiro Nunes da Silva, apesar de a Mota ficar do lado oposto a
Cacia, em terreno de Angeja, foi quem mais se interessou e trabalhou por ela,
desde o seu início, conseguindo dos Poderes Públicos subsídios sucessivos
para a sua construção, que levou alguns anos. Ainda o ano passado o vimos
interessado e na brecha, perante os mesmos Poderes Públicos, na inadiável reparação
dos rasgões ou estragos que a brutalidade das enchentes do Vouga fez naquela
bela Obra no inverno anterior.
Estes
factos, que tanto beneficiam Angeja e suas redondezas, justificam
perfeitamente o interesse que temos em focar nesta nossa galeria regional a
individualidade do Sr. conselheiro Nunes da Silva, e ao mesmo tempo o nosso
desejo e dever de patentear-lhe este modesto e despretensioso preito de reconhecimento
em nome de Angeja.
O Sr. Conselheiro Manuel Nunes da Silva foi deputado no antigo regime e um
distinto membro da Magistratura Judicial Portuguesa.
Essa
qualidade interessa menos ao nosso objectivo que os factos referidos, nem competência
temos para julgar dos seus méritos judiciários, mas justo é fazer-lhe aqui,
ao menos, ligeira referência. Logo no princípio da sua carreira judicial
revelou, como foi notório, esplêndidas faculdades de trabalho e de inteligência,
servindo, como delegado, comarcas importantes — Ovar e Barcelos, a maior e
mais trabalhosa comarca do país. Como Juiz soube sempre honrar a sua classe e
engrandecer o seu nome, sendo por vezes escolhido pelos governos para
desempenhar funções de confiança e de alta responsabilidade, como Juiz do
Contencioso Fiscal do Norte, Sindicâncias, Inspecção de comarcas, Presidente
do Tribunal do Comércio de Lisboa, Presidente da Relação, Juiz do Supremo
Tribunal, etc., desempenhando sempre as suas elevadas funções, segundo consta,
com muita competência e brilho.
Quando
lhe bateu à porta, apanhando-o em pleno vigor físico e intelectual, o implacável
limite de idade, os seus colegas e amigos diligenciaram, perante os Poderes Públicos,
que ele continuasse a prestar ao país os seus bons serviços de magistrado, mas
a inflexibilidade da lei venceu e todos tiveram de conformar-se.
Não
ficou inactivo. Continuou a trabalhar pela sua terra, a servir os seus amigos, e
mesmo em Lisboa a desempenhar o lugar de Presidente da Comissão Permanente de Direito Internacional e Marítimo,
composto de Generais,
Almirantes notabilidades jurídicas.
Bem
educado, sempre amável e prestável, o Sr. Conselheiro Nunes da Silva
conquistou e vive um ambiente de amizades e benquerenças, que lhe proporcionam
um feliz fim de vida.
Oxalá
esta lhe seja ainda duradoura, como merece, e poder continuar o seu bem-fazer.
Ricardo
Nogueira Souto -
Angeja e a região do Baixo Vouga, 1ª ed., Aveiro, 1937, pp. 129-131.
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