Ricardo Nogueira Souto - Angeja e a região do Baixo Vouga, 1ª ed., Aveiro, 1937, pp. 129-131.

 



Nosso vizinho, ali de Cacia, o Sr. Conselheiro Manuel Nunes da Silva é a personalidade de maior relevo na inteligência, no saber, na hierarquia social e, como benfeitor e promotor, no Progresso da sua terra. Pela sua acção e actividade é o seu maior benemérito. Apesar da sua idade avançada, sabemo-lo e vemo-lo sempre o primeiro, como iniciador e dirigente de todos os movimentos de natureza bairrista. A idade não lhe atinge o espírito; sempre moço, com actividade e boa disposição em servir a sua terra e os seus amigos, que acolhe sorridente e fraternal. 

Na construção do belo edifício escolar, nas obras ou refor­ma da sua igreja, na melhoria das ruas, na aquisição da luz eléctrica, etc., ocupou sempre e em tudo o primeiro lugar.

A sua coroa de glória de bairrista e regionalista é ter conseguido o apeadeiro em Cacia e tê-lo, posteriormente, transformado em estação, que serve não só Cacia, mas também e muito, Angeja e as povoações ao sul desta, das margens do Vouga.

A mais bonita obra hidráulica que existe nas margens do Vouga é sem dúvida a Mota ou dique, do lado direito, entre as duas pontes, de cerca de três quilómetros de comprido, com o fim, principalmente, de defender os campos de Angeja, Fermelã, Canelas e Salreu, dos assoreamentos das enchentes do Vouga. Essa obra, pela sua grandeza e beleza, atrai ali muitos forasteiros e turistas a gozá-la e admirá-la. Pois o Sr. conselheiro Nunes da Silva, apesar de a Mota ficar do lado oposto a Cacia, em terreno de Angeja, foi quem mais se interessou e tra­balhou por ela, desde o seu início, conseguindo dos Poderes Públicos subsídios sucessivos para a sua construção, que levou alguns anos. Ainda o ano passado o vimos interessado e na brecha, perante os mesmos Poderes Públicos, na inadiável repa­ração dos rasgões ou estragos que a brutalidade das enchentes do Vouga fez naquela bela Obra no inverno anterior.

Estes factos, que tanto beneficiam Angeja e suas redonde­zas, justificam perfeitamente o interesse que temos em focar nesta nossa galeria regional a individualidade do Sr. conselheiro Nunes da Silva, e ao mesmo tempo o nosso desejo e dever de patentear-lhe este modesto e despretensioso preito de reconhecimento em nome de Angeja.

O Sr. Conselheiro Manuel Nunes da Silva foi deputado no antigo regime e um distinto membro da Magistratura Judicial Portuguesa. Essa qualidade interessa menos ao nosso objectivo que os factos referidos, nem competência temos para julgar dos seus méritos judiciários, mas justo é fazer-lhe aqui, ao menos, ligeira referência. Logo no princípio da sua carreira judicial revelou, como foi notório, esplêndidas faculdades de trabalho e de inteli­gência, servindo, como delegado, comarcas importantes — Ovar e Barcelos, a maior e mais trabalhosa comarca do país. Como Juiz soube sempre honrar a sua classe e engrandecer o seu nome, sendo por vezes escolhido pelos governos para desempenhar funções de confiança e de alta responsabilidade, como Juiz do Contencioso Fiscal do Norte, Sindicâncias, Inspecção de comarcas, Presidente do Tribunal do Comércio de Lisboa, Presidente da Relação, Juiz do Supremo Tribunal, etc., desempenhando sempre as suas elevadas funções, segundo consta, com muita competência e brilho.

Quando lhe bateu à porta, apanhando-o em pleno vigor físico e intelectual, o implacável limite de idade, os seus colegas e amigos diligenciaram, perante os Poderes Públicos, que ele continuasse a prestar ao país os seus bons serviços de magistrado, mas a inflexibilidade da lei venceu e todos tiveram de conformar-se.

Não ficou inactivo. Continuou a trabalhar pela sua terra, a servir os seus amigos, e mesmo em Lisboa a desempenhar o lugar de Presidente da Comissão Permanente de Direito Internacional e Marítimo, composto de Generais, Almirantes notabilidades jurídicas.

Bem educado, sempre amável e prestável, o Sr. Conselheiro Nunes da Silva conquistou e vive um ambiente de amizades e benquerenças, que lhe proporcionam um feliz fim de vida.

Oxalá esta lhe seja ainda duradoura, como merece, e poder continuar o seu bem-fazer.

Ricardo Nogueira Souto - Angeja e a região do Baixo Vouga, 1ª ed., Aveiro, 1937, pp. 129-131.

  
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