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                                                  Graça Marto


Acerca da Pintora e do livro Posso entrar

Dedico este trabalho: “Todos Nós Animais”

Aos meus queridos amigos:

Chim, Jóia, Vouga, Matisse, Michele, que já partiram (também à Charlote) e à Matilde, Martinho e Miró que continuam a colorir o meu habitat e, cujos sentimentos de amor, lealdade e alegria têm sido uma lição para a evolução do comportamento humano.

Se a minha pintura é quase sempre animada por animais, é porque eles estão constantemente a atravessar-se nas minhas intenções. Tive-os na infância, nas viagens, na cama, nos sonhos, ou abandonados na rua. Misturados com o resto da família devo-lhes as maiores alegrias!

Não poderia ter infância mais rica em brincadeiras e amor (a par de emocionantes desgostos com o seu sofrimento ou partida), se não os tivesse como pessoinhas de companhia.

Não me lembro de ter estado alguma vez, no meu atelier, sem ter por lá, pelo menos um ou dois gatos, quase sempre três! Nunca pintei sem música e um gato à vista, a sapatinhar-me os papéis. É quase um ritual. Devemo-nos comunicar telepaticamente, porque adivinham quando venho a chegar a casa, e, também quando me apetece pintar! Antes de chegar ao terraço já eles me esperam à porta do atelier! Sabem que são tão imprescindíveis quanto os pincéis, as tintas e o mar que vejo lá em baixo, onde o sol vem afogar-se ao fim da tarde em cores verdadeiramente impossíveis. Mesmo agora, aqui, ao computador, a Matilde não pára de me estorvar os movimentos, querendo invadir o colo que é o seu universo.

E o meu universo, este das tintas, gatos e mar com sol, é o que me desliga do outro, o dos noticiários, onde o bicho homem, monopolista da riqueza e da razão, continua a ser o mais vil e criminoso de todos, teimando na demora da sua natural evolução.

Há quem me arranhe e morda por não achar esta minha paixão pelos animais, (seria melhor dedicar-me à caça, touradas, tiro aos pombos, lutas e outros divertimentos, pacíficos e inocentes? Os que considero: estúpidos, cruéis e medievais?).

Mas se o grau de civilização dum país se conhece pelo modo como trata os seus animais, eu só quero fazer parte dessa metade que quer evoluir, contra a outra metade que não deixa.

Para defender esta ideia, acho importante citar Milan Kundera, no último capítulo da Insustentável Leveza do Ser:

«A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros.»

A minha pintura (estilizada) continua a ser figurativa, porque só através da figura “Todos Nós Animais “posso transmitir sentimentos e contestar ideias.

Graça Marto


 

O mais fascinante nos gatos é o facto de, mesmo antes de chegarmos a casa, eles já se encontrarem na soleira da porta para nos receber Parece que adivinham os nossos passos, nas dezenas de passos que ouvem todos os dias. Nos cães, aquele abanar de cauda, a língua de fora e olhos ternurentos quando lhes falamos. Nos pássaros, uma melodia quando nos aproximamos, um transbordar de alegria que ecoa pela casa. Na infância e na idade adulta, os animais fizeram (fazem) parte do quotidiano, parte da reciprocidade do dar e receber. Sendo a arte uma expressão do quotidiano, nas obras de Graça Marto, estão presentes os dela (o Chim, o Matisse, o Miró, a Matilde), os nossos (a Puca, a Casca, o Guna, o Paco, o Nó, o Chakra) e aqueles que não conhecemos (os galispos, os gatos escaldados, os pássaros de arribação, os patos bravos, os ratos de sacristia, os cavalos dados).

E a todos ela acarinha por igual.

Fernando Rocha
Vereador da Cultura

 


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