Nota histórica e descritiva
Vagos é uma Vila de fundação romana.
Diz Pinho Leal: «Os romanos lhe chamaram Vacus e é com pequena
corrupção o seu actual nome». Há relativamente poucos anos, existiam em
Vagos, próximas do Santuário da Senhora de Vagos, as ruínas duma ponte
feita de tijolos e argamassa, que se supunha de construção romana com
muitas e sérias razões. Nas muralhas da velha Vila de Aveiro existiam
umas portas do lado sul chamadas «Portas de Vagos», o que vem provar a
importância que tinha Vagos naquela época. O que é verdade, porém, é que
existe pouca e pobre bibliografia sobre Vagos e por isso se torna
difícil escrever sobre a sua história, dada a escassez de fontes onde
beber.
Em Vagos existiram outrora várias
famílias nobres, das quais as principais eram as seguintes: Cardosos,
Fonsecas, Huet Bacellares, Brancos de Mello, Loureiros, Fonseca
Guimarães, etc. Foram Senhores donatários da Vila de Vagos, os Condes de
Aveiras e mais tarde Marqueses de Vagos. O primeiro Marquês de Vagos foi
Duarte Anastácio da Silva Telo de Menezes, 6.º conde e 17.º
Senhor de Aveiras, que foi feito Marquês de Vagos por D. João VI, quando
ainda era Príncipe Regente.
D. Manuel deu foral a Vagos em Lisboa,
a 12 de Agosto de 1514.
É célebre em Vagos a Romaria da Nossa
Senhora de Vagos, que atrai romeiros de muitos pontos do País,
especialmente de Cantanhede, sendo muito curioso o bodo que os romeiros
daquela Vila costumam distribuir no dia da festa da Santa.
É antiquíssima a devoção pela Senhora
de Vagos e data pelo menos do tempo de D. Sancho I. Conta a lenda que,
tendo naufragado por esse tempo, na Praia da Vagueira, um barco francês,
o capitão conseguira salvar uma Imagem Veneranda e que, escondendo-a
numa mata existente no sítio, se dirigiu à Vila de Esgueira que era a
povoação que lhe ficava mais perto, segundo diz o Santuário Mariano, a
dar parte ao pároco para que a fosse buscar e a guardasse na sua igreja.
Veio o pároco com muito povo e o dito capitão ao local indicado, mas não
conseguiram encontrar a imagem. Sabendo disto D. Sancho I que se
encontrava em Viseu, veio ao local referido e depois de pesquisar mais
aturadamente conseguiu encontrar a Imagem, mandando-lhe construir
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no local uma Ermida e legando para a sua conservação várias rendas e o
Senhorio do Couto de S. Romão. Junto dessa Capela construiu-se também
uma torre para defender o Santuário e os romeiros, das investidas dos
piratas, que frequentemente desembarcavam nestas paragens saqueando as
povoações e levando cativos os seus naturais. Nesta torre ainda existem
hoje alguns restos erguidos a que os povos da região chamam «as paredes
da torre», ou «as paredes da Senhora». A maior parte da construção
encontra-se soterrada pelas areias. Uns 400 anos esteve o templo neste
sítio, mas as areias das dunas foram cobrindo a construção até que se
resolveu mudá-la para o local onde hoje se encontra. O Santuário foi
doado por D. Sancho I aos Crúsios do Convento de Grijó.
É muito conhecida aqui a lenda do
fidalgo Estevam Coelho, natural da Vila de Sandomil, hoje
concelho de Seia, que sofria de lepra e foi curado por milagre da
Senhora de Vagos, pelo que resolveu viver toda a vida junto da Ermida e
ser sepultado nela, doando tudo que possuía à sua protectora. É pois
tradição muito antiga a devoção da Nossa Senhora de Vagos.
O concelho é para o lado do poente
todo constituído de terrenos arenosos, que o natural tem transformado em
terra produtiva à custa de um grande esforço e misturando-lhe moliço
colhido nos diversos braços da Ria de Aveiro. A faixa das Gafanhas é
mesmo de recente cultivo e produz óptima batata, excelente feijão e
ervilha da melhor. Dá-se admiravelmente nesta região a laranjeira. Pelo
nascente estende-se o Rio Boco, ramo da Ria de Aveiro, mas cuja
salinidade é hoje pequena. Em tempos houve aqui marinhas de sal como é
opinião do Prof. Mendes Correia, do Doutor Manuel da Maia
Alcoforado, e doutros. Hoje cria-se nas margens do Rio Boco bastante
arroz e «caniça» que é usada como estrume.
O homem da região é dum modo geral
agricultor e da terra extrai tudo que possui, sendo certo que a
propriedade na região se encontra extraordinariamente dividida, e o
torrão é indigente de qualidades nutritivas devido à sua constituição
arenosa. Mas o homem é lutador e não desfalece na sua labuta que mal lhe
compensa o esforço que despende. A paisagem das cercanias, e que da Vila
se divisa, é encantadora, toda tocada de verde e cortada de água
sereníssima. Não há olhos que gostem de acariciar a beleza, que não
fiquem encantados ao debruçarem-se de todo o miradouro que é a Vila
estendida em comprimento, para o lado do nascente, tão rica de cor é a
paisagem, tão suave de aspectos é o panorama, sulcado aqui e além por
alguma gaivota transviada ou guardado por qualquer cegonha cismática no
meio das praias de estrume das margens do Boco.
Do lado do poente são as areias,
recentemente semeadas de pinhal, e terras cultivadas onde há poucos anos
não existia senão areia movediça e seca, absolutamente pobre de matéria
orgânica. Deste lado sente-se bem o hálito salgado do mar, que é longa
rendilha de espuma a Praia da Vagueira, onde existiram em tempos as
companhas de sardinha e onde agora se começa a desenhar o retorno da
indústria.
A olaria caseira ou popular tem em
Vagos a sua tradição, mas sendo essencialmente utilitária, não tem
grande interesse, pois que os ceramistas da região não dão grande
importância à parte estética, deixando predominar a parte útil. E é de
estranhar, pois uma grande parte da população da Vila é constituída por
operários da Fábrica da Vista Alegre, no vizinho Concelho de Ílhavo, e
das suas mãos saem as preciosas e artísticas porcelanas, tão bem
conhecidas do País inteiro.
Sumaríssima nota histórica e
descritiva foi o que me pediram e suponho que o consegui, não no tamanho
que foi suficiente para maçar o leitor, mas na qualidade que é pouco
rica e no estilo que é pobre mas despretensioso.
Frederico de Moura