Acesso à hierarquia superior.

Águeda - Monumentos, paisagem e arredores

Atravessada a linha férrea do Vouga, entra-se, a 21,5 km, por uma alameda, em Águeda (1), vila de 4302 habitantes, sede de concelho de 2.ª ordem e duma comarca de 2.ª classe do distrito de Aveiro, da qual dista 22,5 km, fica situada na margem direita do rio do mesmo nome, recostada numa leve encosta, ao centro duma paisagem de admirável suavidade (cfr. Adolfo Portela, Águeda, 1904; Serafim Soares da Graça, Águeda antiga (in-“Soberania do Povo”, de Águeda, 1919); Abade João Domingos Arede, art. publ. em 1924 e segs., no mesmo jornal, sobre a parte caramulana no concelho).

História e tradições. – Até 1888 foi por alguns arqueológos identificada a vila de Águeda com a Aeminium romana, citada no Itinerário de Antonino e mencionada por Caio Plínio Segundo, na sua descrição corográfica da Lusitânia. No mencionado ano, descobriu-se em Coimbra uma lápide (pág. 237) que obrigou a pôr de parte aquela presunção, já adoptada por André de Resende no seu De Antiquitatibus Lusitaniae. Posteriormente asseverou, Borges de Figueiredo, que o nome primitivo da vila fora Santa Ágata e não / 571 / simplesmente Ágata; mas a circunstância de ser a padroeira da igreja de Águeda, desde remotos tempos, Santa Eulália e não Santa Águeda, deita por terra a afirmação do arqueólogo.

«Não viria o nome da vila do rio, que já no século IX se chamava Agata? No célebre inventário de Paio Gonçalves, em que se descrevem os limites dum casal dentro do qual assenta Águeda, fala-se do porto de Santa Eulália como aí situado. Pode não ser este o nome da povoação então existente, mas pode crer-se que a igreja existia já ao tempo e em sua volta se teria formado o burgo de Águeda.» (conde da Borralha).

No livro II das Doações de D. Dinis há sessenta e duas cartas relativas à região de Riba d’Águeda, Vouga e Certomos, duas delas datadas de Águeda e uma terceira de Recardães, a 3 de Junho de 1292. Tudo leva a supor que a via romana entre Aeminium (Coimbra) e Cale (Gaia) passava por Águeda. – Nas Cortes de Évora (1451) diziam os procuradores de Aveiro: «Em Agueda nom podemos achar nenhuas pessoas que sejam ouvidores nem jurados que todos teem privilégios» –, o que mostra que os moradores da vila desfrutavam importantes franquias. – Já no recenseamento de D. João III (1527) figura Águeda com um número de habitantes muito superior ao de outras povoações da mesma região, porque era ponto obrigado de passagem para quase todo o tráfego entre a beira-mar e a Beira Alta, e assim se compreende que de longo tempo houvesse sido considerada como jóia da coroa ducal de Aveiro, de cujo termo fazia parte. Por notável coincidência, erguia-se Águeda precisamente no ponto limítrofe de quatro concelhos – Aveiro, Paos, Assequins e Recardães, que pertenciam a outras tantas casas dos mais poderosos do Reino: Bragança, Góis, Aveiro e Angeja (Monizes Porteiros-mores), sendo por isso considerados como o superlativo de complicação jurisdicional. – Só depois da queda do Absolutismo é que Águeda, apesar da sua importância, foi elevada a concelho.

De Águeda são oriundos Ferraz de Macedo (1845-1907) e Adolfo Portela.
 

A Paisagem. – Por ordenação administrativa pertence Águeda ao distrito de Aveiro; mas a sua paisagem, das mais belas de Portugal, classificam-na os nossos olhos, a par da de Coimbra ou Montemor-o-Velho. O rio Águeda é a imagem do Mondego, e toda aquela região de doces colinas e vales românticos veste sobre a estamenha beiroa o seu luxo discreto de verduras suavemente variadas. O poeta aguedense Adolfo Portela, no seu livro Águeda, celebra em reptos de filial amor as belezas da sua terra:

«Quem, das bandas de Oliveira do Bairro, se dirigir a Águeda, pela linda estrada que passa pelos povoados rústicos de Perrães, da Giesta, da Piedade e de Ferreiros, há-de por certo impressionar-se muito agradavelmente, à volta da Corga-do-Fontão, quando aquela estrada, quase imprevistamente, torneia e desce a ladeira sobre o opulento Vale-de-Águeda, logo dá de cara com o rio, lá a todo o fundo, a abrir rego pelo campo abaixo, como se o rio fosse uma charrua de prata, que andasse por ali a lavrar. Há-de por força quedar-se um instante, para poisar os olhos em cima desse pequenino trecho de paisagem, tão meigo, tão português, salpicado de casais e povoados, com os seus penachos de fundo azul, as suas ermidas devotamente caiadas, a sua teia-de-aranha de vielas, de estradas e atalhos – todo um beijinho de terra abençoada, onde, a / 572 / bem dizer, não há um torrão que não tenha a alegria verde duma folha, ou o estremecer de uma pena de água. O Vale de Águeda, que se desdobra desde o rincão mimoso do Soito-do-Rlo até às alturas de Almear, é todo ele um rico tapete de verdura, com as suas quatro léguas de milharais, os seus vinhedos e pomares na encosta dos outeiros que o debruam. Os seus freixos e amieiros velhos a agasalharem os estanca-rios, que, no aspecto antigo, lembram farrapos da Bíblia. E, à vista do rio, todos os cabeços do Vale de Águeda – Assequins, Giesteira, Gravanço, Bicera-Moira, Paredes, Cabeço-da-Ruiva, Crasto, Corga, Randam, Redolho – parece que mal têm força para erguer-se do chão, a modos que saudosos da frescura que a água do rio lhes dá. E as quintas pequeninas, e o campo todo às leiras, com as suas vielas e serventias em malha de rede, logo ensinam à gente como a lavoura do Vale de Águeda, e toda ela, por bem de todos, uma fatia de terra para cada casal, um bocado de alegria para cada alma. Semeadas à roda do Vale, as terras de Riba-Águeda – Assequins, Paredes, Borralha, Recardães, Sardão, Ameal – quase que se beijam umas às outras, a meio palmo de lonjura como estão, e tão igual e tão irmão é o seu modo de vida. Os carreiros de Assequins vão dar dias aos lavradores da Borralha; os da Borralha aos de Paredes e os de Paredes aos de Assequins. É tudo gente da mesma família, a comer da mesma tigela. Em temporadas de arraial, então, as ermidas mostram de lá, umas às outras, toda a garridice domingueira dos seus adros, as bandeiras, os mastros, os arcos de flores. Mas, fora disso, em toda a roda do ano, as suas sinetas, quando tocam à missa ou a novena, como que conversam de cá para lá, intimamente.

Por todo esse Portugal adiante, de região em região, poucos trechos de paisagem haverá que tenham o ar delicado e honesto dos panoramas do Vale de Águeda. Está a gente sentada num cambaIhão do rio, e pareceu-lhe à vista que é capaz de chegar com a mão ao cimo dos outeiros que há em volta; está a gente no alto dum outeiro, e parece-lhe que as velas dos barcos que vão rio acima, a todo o pano, nos roçam ao de leve pelos pés. Tudo pequenino, tudo humilde. E mais pequenino parecendo ainda, à vista do Caramulo, que corre ao Nascente, com toda a rude majestade dos seus contrafortes. O Caramulo é a única serra a valer que temos no limite do concelho de Águeda, As outras – Silveirinha, Rompe-Cilhas, Penedo-do-Carvoeiro, Alombada, Serrado e Murtede – são tudo ramificações ou raízes do Caramulo, já um tudo-nada amaciadas, menos agrestes e de aspecto mais mimoso. A parte montanhosa do concelho, toda ela ao Nascente, fica para as bandas de Bela-Zaima, Agadão, Castanheira, Préstimo, Macieira-de-Alcoba e ainda Macinhata-do-Vouga, abrangendo tudo uma estreita faixa da área do concelho, de Norte a Sul. As restantes regiões são todas de configuração mais ou menos plana, com pequenos outeiros e cabeços, quer em cadeia, quer isolados, os quais se estendem na direcção Nascente-Poente; e acompanham os três rios principais do concelho – Vouga, Águeda e Cértima… Além dos três rios indicados, outros há em rede por toda a área do concelho, mais ou menos caudalosos, em cujas margens, e por benefício de suas águas, o campo frutifica exuberantemente. – Sobre uma das orlas verdes do Vale de Águeda, ao Norte, a Vila recosta-se, e como que se espreguiça, até molhar os pés na água do rio. Lembra uma aldeia da Suíça... Parece a imagem de Coimbra… – disseram poetas, ao vê-la um dia. Não tem monumentos, nem castelos, nem muralhas, em cujas pedras históricas os olhos parem, a ler romances e lendas velhas... Como giga de flores, alguns quintais e jardins mostram o seu arvoredo tufado ao de cima dos muros, por Além-da-Ponte, pelo Adro, pela Alta-Vila, pelas Hortas-do-Vale, pelo Outeiro. Só a Alta-Vila, à sua conta, com todo o lindo parque que / 573 / ela é, chega de sobra para romantizar todo o panorama de Águeda… Ao sopé da vila o rio passa, de águas claras e tranquilas, a espreguiçar-se pelos areais. Não é longa a sua jornada; mas, em compensação, é toda ela feita sempre, desde Souralvo até Almear, pelo meio dos mais lindos bocados de terra portuguesa. E em cada um desses bocados, como flores passadas, há restos de lendas velhas, que a poesia das tradições banha dum luar puríssimo: a Mesa-dos-Moiros, Abadinhos, o Poço-da-Sarge, o Poço-do-Engano, o Ribeirinho, o Botaréu, o Poço-de-Ferro».

Do Adro da vila avista-se largo trecho do vale de Águeda, campina extensa e verdejante que o rio sinuosamente corta e pela qual transborda no Inverno, transformando-a em vasta lagoa: a nascente, sul e poente, colinas emoldurando-a; na raiz da colina, a nascente, o povoado de Assequins; ao sul, a Borralha, cujo casario vai da raiz ao alto do monte, e a norte da qual fica o Sardão; no último plano, a nascente, o Caramulo.

A construção mais antiga que se nos depara na vila é a igreja matriz, templo espaçoso, bem proporcionado e de bom efeito de conjunto.

O aspecto geral é o de um monumento do tempo de D. João V. Houve por essa época reedificação, com acrescentamento visivelmente denunciado por uma pequena torre colada à parede E. da torre (do século XVIII) e que era com certeza de um templo anterior. Naturalmente essa torre ficou para lhe ser aproveitada a escada de pedra como entrada exterior para a nova. A igreja tem pirâmides, cunhais e uma pesada frontaria de granito, ao lado Sul, da qual se ergue a torre. É formada de três naves, com capelas laterais de abóbadas, suportadas cada uma pelo cruzamento de / 574 / dois arcos ogivais de pedra, assentes em colunas e capitéis de granito, e em cujos vértices se vêem bocetes com lavrados. Interiormente, sofreu o templo reforma nos últimos anos do século passado (1898-1900), reforma que, embora em parte necessária e feita na melhor intenção, se ressente duma absoluta falta de competência e bom gosto. Fizeram-se barbaridades irremediáveis. Cobriram-se com estuque os caixotes de castanho do tecto; trocou-se o ouro velho da talha, discreta e preciosamente patinado pelos anos por tinta branca e ouro novo, berrantes, espectaculosos, próprios de teatro ou café-concerto; umas grades pesadas, de ferro, bem interessantes, que separavam as capelas laterais da nave, desapareceram; e até lajeados cobertos de Inscrições e armoriados foram substituídos por mosaico. A igreja conserva, porém, ainda duas capelas laterais do século XVII. São ambas particulares: uma, com a invocação de Nossa Senhora da Esperança, pertence à casa da Borralha; a outra, da invocação do Menino Jesus, foi instituída por Pedro Fernandes Chucre e sua mulher, Beatriz João, de Águeda, e pertence à casa das Lágrimas (Coimbra). As restantes capelas, embora não haja documentos que o atestem, parecem da mesma época.

Pode admirar-se o arco cruzeiro e a tribuna, com alguma talha de merecimento, do meado do século XVIII, e duas obras de pedra de Ançã, de valor artístico: um retábulo na capela do Sacramento, com o sacrário em forma de castelinho com suas amuradas, na parte central; aos lados, figuras de anjos esculpidas na pedra, e na parte superior um alto-relevo que representa a Ceia de Cristo. Esta obra afigura-se inspirada nos moldes da escola do Renascimento coimbrão, atentos alguns pontos de semelhança entre este retábulo e a capela do Sacramento da Sé Velha de Coimbra. A outra obra de pedra de Ançã existente na igreja de Águeda e digna de referência é um grupo da Deposição de Cristo no Túmulo: a imagem da Virgem e algumas das dos Apóstolos têm bordaduras a guarnecer as roupagens bem delineadas. Mas o que representa maior valor arqueológico na igreja é a Pia baptismal, de granito, muito antiga, talvez do século XIV, o que não repugna acreditar, além de outros motivos por haver notícia de uma igreja em Águeda numa relação do ano de 1320 e já um século antes, nas inquirições de D. Afonso II, se declara ser este Rei padroeiro da igreja, o que continuam atestando as armas colocadas sobre o arco do cruzeiro.

Nos Paços do Concelho podem admirar-se dois retratos de José Luciano de Castro e José Maria de Alpoim, por Malhoa.

Houve em Águeda e redondezas muitas casas solarengas, de que subsistem hoje muito poucas: a casa do capitão José Xavier da Silva, na vila, rua da Venda Nova, conserva a sua feição antiga e foi construída nos fins do séc. XVIII; a casa do Atalho, na quinta do mesmo nome, pertence actualmente ao engenheiro José de Sousa Tudela; a casa do Morangal, solar da antiga e distinta família dos Pintos, pertence hoje ao dr. António Homem de Melo e dela mal se conserva uma boa capela do século XVII.

Parque digno de ver-se é o da Alta-Vila (largas vistas sobre o vale de Águeda) plantado pelo dr. Eduardo Caldeira, da casa da Borralha, irmão do poeta Fernando Caldeira.

Nas imediações de Águeda, há a citar o parque da Borralha (pág. 576), e, no Casalinho, o Casal de St.º António / 575 / de Raul Martins Guimarães, sóbria e discreta arquitectura de Silvestre Mota (vistas para o vale, a Borralha, o Caramulo, a linha férrea). Na Casa de S. Bernardo, aviário industrial.

À parte a igreja, merece referência um dos dois cruzeiros que restam dos quatro que em tempo houve, e aos quais já em 1747, no Dicionário Geográfico do P. Luís Cardoso, se atribuía remota antiguidade: o chamado do Calvário, por a cruz assentar num soco de folhagens a emergir de pedras amontoadas que simbolizam aquele, tem a data de 1630, e, esculpida na pedra da cruz, a imagem da Virgem com o Senhor morto nos braços.

______________________________________________

(1) – Por AGOSTINHO DE CAMPOS (notas do sr. Conde da Borralha).
 

 

Página anterior.

Página seguinte.

pp. 570-575