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Igreja da Misericórdia

A igreja da Misericórdia (PI. n.º 15), que ocupa a face leste da Praça e serviu de Sé de 1775 a 1826, é um bom exemplar da arquitectura clássico-romana que dominou em Portugal na segunda metade do séc. XVI e na qual pontificou Filipe Terzio, um dos melhores cultores do rígido estilo de Vignola. Embora falha de elegância, dura e fria, esta igreja distingue-se por certa grandeza e pela homogeneidade dos seus elementos.

Filipe Terzio riscou o projecto, em 1585, a convite do Provedor da Misericórdia (H. E. Veiga), que por ele pagou 7000 réis, relativos a sete dias de trabalho. Na execução, porém, efectuada muitos anos depois, algumas alterações lhe fizeram e substituíram a capela-mor. (Terzio morre em 1598). O facto dessa autoria é afiançado por Marques Gomes, sem, todavia, mencionar o respectivo documento. Não repugna crê-la, apesar de na obra inteiramente se não observarem as formas pessoais de Terzio. A falta de dinheiro estorvou durante longos anos a construção. A irmandade, por fim, obteve de Filipe II o subsídio anual de 4000 cruzados (1598). No ano seguinte / 480 / chamou Francisco Fernandes, mestre coimbrão de pedraria, não só para escolher o terreno adequado como para riscar as plantas em relação ao projecto de Terzio. A 2 de Junho de 1660 começou a obra, dirigida pelo mestre Gregório Lourenço, do Porto. Sucedeu-lhe Francisco João desde 1603 a 1606; de 1607 a 1612 coube tal encargo a Jorge Afonso. Só em 1623 ficou a nave pronta. Como novamente falhasse o dinheiro, pararam as obras, e até 1630 a igreja esteve acéfala. Neste ano Filipe III concedeu outro subsídio; afinal, as obras não subiram além dos alicerces, por falhar o pagamento do subsídio. Só continuaram em 1651, findando em 1653. Então riscou a traça da capela-mor, sem se afastar do já realizado, o mestre Manuel Azenha, de Ançã, por 4000 réis, o qual assumiu a direcção das obras. Lavraram a abóbada e os retábulos colaterais, de calcário de Ançã, os entalhadores João Fernandes, João Samarroso e Bartolomeu Fragoso.

Na fachada, coberta em 1867 com azulejos mesquinhos, avulta o grandioso portal notável, construído como se fora um retábulo. Integra-se, pelo desenho, no tipo clássico, embora seja barroca a ornamentação. É de calcário e formam-no dois andares. No primeiro, aberto por um arco pleno, figuram quatro colunas coríntias (ornatos geométricos no terço inferior, caneluras no resto), assentes em altos pedestais; entre elas, nichos com imagens e cartelas barrocas sobrepostas. Iguais as linhas do segundo, mas com janelas entre as colunas e no meio do nicho com a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia, de pedra. Sobre a cornija um escudo régio, urnas, a cruz de Cristo e a esfera armilar. Estes dois motivos manuelinos a ornarem uma obra filipina constituem uma singularidade.

No interior domina o cunho da grandeza fria e rígida. Na comprida nave, muito alta, sobressaem a abóbada apainelada e cilíndrica, os azulejos (de dois padrões seiscentistas, colocados em princípios do séc. XIX) e os bancos laterais, resguardados por teias com guarnições metálicas. (São óptimas obras de torno e ensamblador, às quais se junta o púlpito). O banco da epístola tem espaldar entalhado. Em abóbada apainelada se firma o coro. O arco triunfal, análogo ao da igreja portuense dos Grilos (anterior), barroco, é ornado com caixotões no intradorso e apoia-se em pilastras; sobre o entablamento, muito elevado e firmado em pilastras encurvadas, ergue-se uma espécie de nicho rematado por frontão curvo. São agradáveis os retábulos colaterais, de tipo barroco, policromados; no do Evangelho figura a imagem do Ecce Homo, talhada num bloco de madeira (alecrim?), em relevo artístico. Avulta na capela-mor a feição da grandeza da obra, realçada pelos dourados e policromia da abóbada apainelada, de pedra de Ançã, e ainda pelo retábulo. Este reproduz o desenho e a decoração do portal da fachada (por deliberação da Mesa); no primeiro andar incluem-se quatro pinturas hagiológicas e três no segundo (a do meio patenteia N.ª Sr.ª da Misericórdia), cujo valor artístico é superior às de baixo. Esta peça foi construída em 1653 pelos entalhadores João Dinis, Manuel de Azevedo, João Fernandes, Domingos Alves e Manuel de Oliveira. Em nicho lateral descansa uma Virgem da Conceição, de madeira estofada, obra do séc. XVII sem relevo. Interessante a sacristia, também com abóbada apainelada, / 481 / de calcário. Forram-na azulejos (padrões do séc. XVII) e guarnecem-na um lavabo e um nicho barroco. Como obra notável, porém, assinala-se um grande crucifixo de marfim, pelo cunho dramático. Segundo a tradição veio da Índia, oferecido por um aveirense.

A rua de Gustavo Pinto Bastos, que parte a sudeste da Praça da República, junto aos Paços do Concelho, desemboca na Praça Marquês de Pombal, ajardinada, a oeste da qual fica o Governo Civil (PI. n.º 23). (Das sacadas do último andar, vasto panorama sobre a cidade e seus arredores). Ao sul, o novo edifício dos Correios e a igreja das Carmelitas (monumento nacional; PI. n.º 24), da invocação de S. João Evangelista.

 

 

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