Beira é uma designação tradicional, sem um significado preciso
que traduza uma homogeneidade de caracteres físicos, vegetais e animais,
Passa-se sem grandes contrastes da Beira Alta à província de
Trás-os-Montes; uma parte da Beira Baixa, como, por exemplo, a
nesga sul do distrito de Castelo Branco, é a continuação do norte
alentejano, A Beira Litoral é completamente diferente. Das
imediações do Douro à bacia do Lis e dentro das formas análogas do
terreno, uma desigualdade no grau da humidade relativa dá lugar a um
manto vegetal com feições que denunciam a passagem de um clima
semelhante ao da Europa Central
/
2 / para outro em que
prevalece a vestimenta mediterrânea. A serra da Estrela, de um lado, e a
de Montemuro e os planaltos de Leomil, do outro, encerram entre os seus
flancos a Beira Central, fechada ao poente pelas serras da
Gralheira, Caramulo e Buçaco. A leste deste vasto triângulo a rede do
Côa desce ao encontro do Douro e os platós retalhados da Guarda e
Sabugal estabelecem contacto com as terras altas da Espanha.
A oeste,
transpostas as gargantas do Vouga e Mondego e as depressões de Mortágua
e Lousã, entra-se na parte menos acidentada, de fraca ondulação, que vai
ter ao mar. Estes caracteres gerais desdobram-se em outros que resultam
de elementos de várias categorias, como são a altitude, o modelado
especial da superfície, o tipo arquitectónico, a qualidade dos
afloramentos rochosos, a composição geológica e o revestimento vegetal.
Da maneira como se associam todas estas particularidades fisionómicas
surgem compartimentos que se subdividem, a seu turno, em outros de menor
superfície e são verdadeiras formas de transição de um a outro quadro
geográfico.
A grande
província portuguesa, que é a parte mais importante do bloco central do
nosso território, não é uma região bem distinta, uma unidade
morfo-altimétrica com traços especiais. À medida que se avança para o
mar, o factor oceânico torna-se predominante: o solo é mais húmido, o ar
mais brumoso e a policromia vegetal mais acentuada, Na faixa vizinha da
Espanha o clima é continental, de estios secos e invernos rigorosos, com
maiores amplitudes anuais de temperatura.
Mas, ao
contrário do que se observa além-fronteiras, onde a vasta superfície das
Castelas é bloqueada por espessas massas de montanhas arrogantes, na
terra beirense o relevo é muito menos hostil, em regra discordante com a
linha do litoral, de modo que os ventos predominantes do oeste carreiam
o vapor de água em quantidade suficiente para criar pastagens e
florestas longe do mar, retalhos de maior ou menor densidade vegetal,
cada um com a sua beleza própria, ora de ondulação larga de vales
velhos, ora em recantos graciosos de uma suavidade inexprimível. Da
Beira interior, de aspecto severo, à Beira sublitoral, de paisagem
suave, que infinidade de quadros a admirar! E é esta justamente a maior
dificuldade de colher em flagrante uma fácies mais característica e
empolgante.
A Beira
trasmontana, a Beira vouguense, a Beira
/
3 / estremenha, a Beira
alentejana (2),
são realidades geográficas, compartimentos diversos resultantes de
numerosos elementos, mas indecisos nos seus limites.
A parte
limitada ao norte pelo Douro e a oeste e sul pelo Paiva, pelas nascentes
do Vouga e o Dão, estende-se para o oriente, em nível mais baixo, até à
fronteira, por toda a bacia do Côa. A sua pendente dominante é para o
norte. Os seus rios correm quase paralelamente, alguns em falhas de
terreno, como o Varosa, outros em vales de erosão abertos nas
plataformas peneplanas de Trancoso, Aguiar da Beira, Penedono,
Sernancelhe, Meda, Moimenta e outros concelhos. A muralha de Montemuro,
de Noroeste para Sudeste, encerrada entre o Douro e o Paiva, fecha ao
ocidente, com uma acidentação altimétrica e orográfica fica
/
4 / muito pronunciada, a
superfície triangular que a bacia do Mondego separa dos terrados que vão
ter às culminâncias da serra da Estrela. Na parte oriental o Côa desce
rectilíneo, em linha meridiana, atraindo as águas duma área considerável
e lança-se num encurvamento tectónico do Douro em frente de Vila Nova de
Foz Côa, prolongando-se o seu vale com o de Vilariça, um dos mais
férteis e pitorescos de Trás-os-Montes. Toda esta zona beirense, a que
chamamos Beira setentrional ou trasmontana, apresenta
caracteres análogos aos das terras próximas do Além-Douro, mas
distingue-se delas por algumas feições muito importantes. Encarada no
seu conjunto, compõe-se de três degraus irregulares, caindo de nível de
ocidente para o oriente e do norte para o sul. Esta disposição
morfo-altimétrica e a sua situação topográfica em relação ao mar
provocam a formação de um tipo de cobertura vegetal que não se assemelha
exactamente ao do vale do Douro e das terras trasmontanas vizinhas. A
sua paisagem compõe-se de vales altos e em fase de maturidade de
peneplanos em vastos terrados, sem arestas orográficas agudas, em muitos
pontos castelos de granito a desagregarem-se lentamente, e, perto do
Douro, trechos de xistos duros aflorando em solo câmbrico de melhores
aptidões. É uma arquitectura sóbria, linhas simples, de aspecto geral
por vezes duro, especialmente na parte que constitui o pendor que vai
dar ao rio, mas sem o descarnamento adiantado das cumeadas das serras
trasmontanas.
A sua
cobertura vegetal não é idêntica à dos outros fragmentos beirenses nem
igual à da província de Trás-os-Montes. Onde a influência do mar é menos
sensível, como a nesga marginal câmbrica encostada ao Douro, desde
Armamar à fronteira, desaparece o pinheiro marítimo, espécie
desconhecida no norte trasmontano, desde o Marão às lombadas de
Mogadouro. Pelo contrário, do Côa, sua fronteira oriental, até ao
concelho de Resende, abrangendo todo o restante da Beira setentrional,
essa espécie florestal representa o tipo de vegetação dominante. Como
contraste fito-geográfico e denunciando uma secura mais sensível do
clima, a azinheira distribui-se por Castelo Rodrigo, Vila Nova de Foz
Côa, S. João da Pesqueira, Armamar e Lamego. Com exclusão dos concelhos
de Pinhel e Trancoso, onde a sua densidade é menor, a área desta
essência florestal coincide precisamente
/
5 / com a da faixa em que
se não encontra o pinheiro bravo. Como a revelar condições médias
análogas da atmosfera, a sua expansão ao norte do rio Douro vai até uma
linha transversal que liga o tributário Tua a Lagoaça.
Também o
carvalho negral e o carvalho lusitano denunciam uma fácies especial na
Beira trasmontana. O carvalho negral, cuja densidade máxima se observa
nas terras mais altas da Beira, serras da Estrela e Gardunha, e em quase
toda a província de Trás-os-Montes, desaparece completamente entre o
Águeda e Tabuaço e é pouco frequente nos restantes concelhos. Em
oposição com esta feição vegetal, o carvalho lusitano, ao norte do
Vouga, localiza-se na parte da Beira que tem a azinheira como espécie
florestal predominante, alcançando em Trás-os-Montes precisamente os
limites que pertencem à azinheira. Quanto ao carvalho roble, compacto
entre o Minho e o Douro e entre o litoral e a pendente ocidental das
massas orográficas do Marão, Alvão, Padrela e Montalegre e em menos
quantidade nos trechos beirenses mais expostos ao oceano, tem uma fraca
representação na parte central da Beira setentrional e desaparece de
toda a parte oriental. Finalmente, o castanheiro, cujo habitat
geográfico corresponde pouco mais ou menos ao do carvalho negral, é
desconhecido em toda a faixa câmbrica duriense e a leste do Côa, mas
deixa-se ver, embora esparsamente, nos concelhos de Aguiar da Beira,
Sernancelhe, Trancoso, Moimenta e Resende.
Semelhanças ao sul com a Beira central, ao norte com a nesga câmbrica
trasmontana, e prolongando-se pela bacia do Côa com as terras altas da
Guarda, a Beira setentrional, com um conjunto de feições
morfo-altimétricas e fito-geográficas muito características, constitui
um quadro especial na grande província beirense, mas com transições
graduais para outros trechos do território português ao norte do Tejo.
A Beira arrogante, verdadeira corda
dorsal da província, é constituída pelas duas grandes serras da Estrela
e Gardunha, que, separadas por um vale de notável aspereza, resultado de
agentes modeladores endógenos e de erosão e onde o Zêzere se encaixa em
rápidos sucessivos, se afastam tanto mais quanto mais avançam de
Sudoeste para Nordeste, a Estrela
/
6 / prosseguindo rectilínea
até como que se diluir nos platós retalhados da Guarda, e a Gardunha
suspendendo quase bruscamente a sua marcha em frente da Cova da Beira,
da zona rica de Fundão. A cadeia da Estrela
(3) em dois blocos,
o do norte mais alteroso, entre a Covilhã, Seia e Gouveia, e o do sul,
mais agreste, em quebradas irregulares e altitudes distribuídas
assimetricamente de Unhais da Serra à Lousã, sofre uma constrição na sua
espessura a Noroeste do Fundão, entre o Zêzere, que corre para o Tejo, e
o Alva, que se dirige para o Mondego. É nos seus últimos degraus, onde
os valores orométricos caem consideravelmente e começam os pene-planos a
dominar, que a trincheira meândrica do Alva mostra nos seus
encurvamentos dois dos recantos mais belos da nossa terra, Avô e Coja. A
Gardunha, assimétrica, de porte sombrio, flancos corroídos, despida em
grandes
/ 7 /
trechos,
de
composição geológica mais complexa e arquitectura pluriforme,
desnivela-se nos seus prolongamentos em contacto com a fenda do Tejo,
como a Estrela, ao norte, se abate do mesmo modo junto da depressão de
Lousã e Arganil.
Toda esta
faixa beirense, à qual pertence com mais propriedade a designação de
Beira Alta, forma no seu conjunto uma feição característica do
território português. Distingue-se por uma notável espessura orográfica,
caracteres hípsicos máximos, traços uniformes acentuados, pendente
oriental dominante, com poucas paisagens de trânsito fácil, e, pela sua
orientação e diferenças altimétricas dos dois feixes montanhosos
contíguos, apresenta dois tipos de revestimento vegetal revelando fácies
climáticas não idênticas, uma sofrendo a influência continental das
Castelas e a outra exposta à acção benéfica do Atlântico. O castanheiro
e o carvalho negral são as duas essências florestais mais
características, em suas grandes manchas, mais cerrada na Estrela e
menos na Gardunha, dispostas Nordeste–Sudoeste, desde a fronteira
oriental até à depressão da Lousã e o baixo Zêzere. O carvalho lusitano
localiza-se, insuliforme, na Estrela, a oeste da Covilhã e Manteigas, e
vai até ao Mondego, enquanto o carvalho roble traduz melhor o conflito
das energias climáticas continental e oceânica, desaparecendo
completamente na Gardunha, nos platós da Guarda e Sabugal e na vertente
oriental da Estrela, para se distribuir unicamente, com menos capacidade
que no Além-Douro litoral, na face voltada aos ventos húmidos dominantes
do oeste.
As duas
zonas beirenses, cujos principais traços fisionómicos acabámos de
indicar e cujas linhas de maiores alturas se juntam virtualmente entre
Celorico e Trancoso, onde a linha férrea se flecte na direcção da
Guarda, limitam ao norte e sul uma superfície triangular, mais simétrica
na parte meridional, servida pelos rios Mondego e Vouga. É a Beira
central, que se distingue, por muitos caracteres, das outras regiões
beirenses já descritas. As suas feições morfo-altimétricas e a sua
situação topográfica permitem uma exposição franca aos ventos dominantes
do oeste, o que explica as suas notáveis aptidões agrícolas e
florestais. Incompletamente fechada ao ocidente pelas serras da
Gralheira e Caramulo, as suas águas refluem ao sul, em maior quantidade,
/ 8 /
para o portal de Penacova, escoando-se para o Atlântico através da
trincheira meândrica do Mondego que vai até Coimbra. Pela depressão da
Lousã põe-se em contacto com o vale tectónico de Ansião, que separa as
formações geográficas do nosso sistema central das montanhas da orla
mesozóica e estabelece uma fácil comunicação com a bacia do Tejo; pela
depressão de Mortágua, estrada histórica por onde corre a via férrea,
faz-se o encontro com a Beira Litoral e a planície marginal que chega
até o Douro.
Entre a
parte norte e a parte sul da Beira central há diferenças geográficas que
permitem uma subdivisão regional. Os vales do Paiva e Vouga retalham a
nesga mais acidentada, abrindo caminhos para o Douro e para o poente e
cercam a massa montanhosa estrelada da Gralheira. Onde os xistos
dominam, a paisagem é mais alterosa, e o Vouga cai em rápidos; o
granito, pelo contrário, suaviza as formas do terreno em curvas de maior
regularidade. Mas no conjunto o quadro diverge do sul, irrigado pelo
Mondego, cujos numerosos afluentes se encaminham para a baixa de
Mortágua sem fortes desníveis.
Em toda a
área triangular da Beira central destacam-se no seu manto vegetal duas
essências florestais: o pinheiro marítimo e o carvalho roble, a primeira
incomparavelmente com mais densidade; o carvalho negral e o castanheiro
só em volta de Viseu e S. Pedro do Sul, e o carvalho lusitano, compacto
em torno de Coimbra, é menos frequente, e só a oeste de Gouveia até ao
Mondego. São os caracteres geográficos que imprimem, associados às
condições climáticas, à fácies fitológica distinta deste compartimento
beirense um aspecto pluriforme e alegre. A sua paisagem é movimentada. A
serra do Caramulo, a mais pitoresca talvez das serras portuguesas,
florestada desde o sopé, no vale de Besteiros, até altitudes de 800
metros, ergue-se bruscamente na face oriental, elegante e simétrica, e
abate-se em quebradas regulares, sem íngremes declives, até se diluir na
planície litoral. À simbiose perfeita do solo como clima, que se observa
no fertilíssimo vale do Paiva, opõe-se uma vegetação subalpina nas
imediações de Vouzela e S. Pedro do Sul; o baixo Alva, encaixado e
serpeante, produto duma crise orgânica do solo, não se assemelha, pela
sua beleza agreste, à faixa compacta de pinheiros marítimos que
acompanha o Dão;
/ 9 /
o perfil minhoto de Santa Comba destoa completamente da baixa de
Poiares.
A
diversidade dos tipos de paisagem da Beira central, ora de feições
calmas, ora agitadas, provém de factores diversos, destacando-se a
influência da sua periferia montanhosa. Ao lado do vale de Besteiras, a
serra do Caramulo levanta-se de salto, sem tentativas de ondulação
prévia; a Arada, assimétrica e de desníveis fortes, aperta o vale do
Paiva, tornando-o sinuoso em contacto com o Montemuro; os peneplanos da
Beira setentrional descem regularmente dos Altos de Trancoso às origens
do Vouga, mandando as suas águas ao Dão e ao Mondego; toda a pendente
ocidental da serra da Estrela até à depressão de Arganil-Lousã é formada
de largos terrados, como vagas colossais que se abatessem
alumetricamente sem serem perturbadas por acidentes episódicos. Todas
estas massas montanhosas vão ter a uma zona abatida, ocupada pelo médio
Mondego. É tal a multiplicidade dos quadros geográficos resultantes, que
nos sentimos umas vezes transportados a um fragmento beirense do norte,
outras nos encontramos em frente duma paisagem de entre o Lima e o
/ 10 /
Minho, ora um recanto nos lembra a aspereza dos flancos altos da serra
da Estrela, ora na parte xistosa do vale do Vouga temos a ilusão dum
compartimento alpino.
A
Beira meridional é alentejana na parte que fica a leste da serra de
Moradal; porém, à medida que nos afastamos da fronteira e nos
aproximamos do Zêzere, a transição para o quadro estremenho vai-se
tornando gradualmente mais sensível. Transposto o salto do Tejo nas
portas de Ródão, o vale alarga-se a pouco e pouco, as ramificações da
Gardunha cobrem-se de mais vegetação e vão perdendo o seu ar sombrio e
os tons verde-escuros. Abrantes, fronteira ao Ribatejo, pitoresca na sua
posição senhoril, já não mostra a secura característica das terras
banhadas pelos rios Ocreza e Pônsul. Toda a face sul da Gardunha e a
parte mais importante do distrito de Castelo Branco, voltadas para a
planície alentejana, sofrem as consequências dos seus caracteres
morfo-altimétricos e topográficos. Chegam-lhes pobres de frescor os
ventos do mar, a humidade escasseia, a temperatura ganha desvios anuais
consideráveis, a pluviosidade não é abundante, de modo que o seu
revestimento vegetal aproxima-se muito mais do manto alentejano que do
das terras beirenses que se estendem para o norte. A paisagem é, em
regra, sombria. Quem do vértice da serra de S. Mamede ou de Castelo de
Vide, em dia de céu azul, possa colher em flagrante o perfil da Gardunha
completamente limpo de bruma, recebe uma impressão que não se assemelha
àquela que sentimos na maior parte da província beirense. Há, é certo,
para os lados de Idanha-a-Nova, recantos a que não faltam linhas de
beleza; mas a monotonia das formas do terreno é dominante em todo o
vasto plano inclinado que vai morrer ao Tejo.
É pelas suas aptidões florestais e pelo
seu tipo de vegetação que a Beira meridional mais acentuadamente se
afasta das outras regiões da província. O carvalho lusitano, que se
encontra em duas manchas, uma ao norte, e outra ao sul, no flanco
ocidental da serra da Estrela e na parte leste da Beira trasmontana,
desaparece completamente na Gardunha e na Beira meridional. O
castanheiro, que se distribui na Gardunha e se espalha pelos platós da
Guarda e Sabugal, não se propaga ao sul de Idanha-a-Nova. O
/
11 / carvalho negral, em
grande densidade nas duas grandes serras da Beira, é esparso ao sul da
Gardunha. O carvalho roble, disperso por toda a face da serra da Estrela
voltada ao poente, é desconhecido ao sul e leste do Zêzere. Mas são as
três essências florestais, o pinheiro marítimo, a azinheira e o
sobreiro, que denunciam melhor no quadro vegetal da Beira meridional as
suas particularidades climáticas dominantes.
O pinheiro marítimo foge
dos climas secos: não pertence à flora da Beira do sul. Pelo contrário,
a azinheira e o sobreiro são espécies de carvalho que se adaptam a um
meio semiárido: predominam no Alentejo. Destas últimas espécies, a
primeira não se
/ 12 /
vê na Gardunha, mas forma uma mancha compacta entre o Ocreza e a
fronteira e entre Penha Garcia e o Tejo; a segunda, episódica nas
últimas ramificações meridionais da mesma serra, é incomparavelmente
mais frequente na parte do distrito de Castelo Branco, onde se distribui
a azinheira. Uma e outra espécie seguem do Alentejo, sem solução de
continuidade, pela Beira meridional.
A
Beira Litoral deve ser considerada como um compartimento geográfico
distinto. Para ela drena todo o espaço triangular compreendido entre a
serra da Estrela e a linha das alturas que vai da serra de Montemuro aos
platós de Trancoso. Limita-o ao poente a nesga plana do litoral, da foz
do Douro (4) até
onde os afluentes do Mondego se aproximam dos do Lis. Fica-lhe ao sul a
zona de transição para o clima mediterrâneo. Das serras da Gralheira,
Caramulo e Buçaco, a ondulação do solo esbate-se a pouco e pouco, até se
encontrar com os terrenos secundários, de menor agitação orogénica. O
seu tipo arquitectónico e a sua estrutura divergem completamente da
Beira montanhosa. Composta de terrenos de períodos geológicos menos
antigos, a sua história física foi diferente; exposta directamente ao
mar e varrida pelos ventos do oeste, a bruma que a cobre com frequência
e a chuva que a favorece criam-lhe uma policromia vegetal
característica. É uma formação autónoma. O mar dá-lhe mais calor e mais
humidade e uniformiza a sua temperatura; a sua linha de contacto com o
Oceano não é perturbada por intrusões orográficas violentas; grandes
restingas represam trechos do mar em lagoas de vida efémera e compridos
esteiros. Para os lados do nascente a propagação das vagas montanhosas
movimenta aqui e além o solo, provocando contrastes com a zona próxima
do mar. Falta-lhe porém a severidade da Beira: nem choques de serras
dando vales largos ou profundos, nem afloramentos de rochas antigas
revelando um descarnamento de terras altas. Fica-lhe distante a
monotonia das dunas e da planície mole do pólder; as nesgas planas
entremeiam-se com relevos-testemunhos, de modo que a paisagem torna-se
pluriforme, mas sem um elemento constitutivo saliente.
/
13 /
A Beira,
não sendo, em resumo, uma unidade geográfica bem definida, parece reunir
os principais fragmentos do nosso território. Há semelhanças notáveis
entre a Beira setentrional e o além-Douro trasmontano; a bacia do Côa é
um prolongamento da pequena bacia de Vilariça; da coroa de montanhas que
constituem o rebordo da Beira meridional passa-se gradualmente aos
peneplanos do norte alentejano; se nela ingressarmos por noroeste, pela
orla arborizada de Oliveira de Azeméis ou Vale de Cambra, afigura-se-nos
estar num pórtico do Minho; se tomamos como ponto de partida a região da
ria de Aveiro, a amenidade desta com as linhas alongadas dos seus
horizontes, dar-nos-á a impressão de respirar ainda um pouco a aragem
pré-mediterrânea do Algarve; no extremo sudoeste o manto vegetal é
análogo ao da península de Lisboa. Este conjunto regional é, enfim, como
uma variada galeria em que todas as singularidades pitorescas do nosso
País tivessem um prazo marcado.
Entretanto, com tão divergentes perspectivas de transição, a Beira
constitui, pelo seu arcaboiço, um departamento cenográfico e humano
fortemente individualizado e um dos torrões mais característicos de
Portugal. Na dureza de carácter, peculiar das regiões
/ 14 /
de montanha, a despeito da assimetria das muito variadas feições dos
seus contactos periféricos, representa, pelo seu conjunto
arquitectónico, a junção dum bloco central de grande solidez e com
fortes traços dominadores. Para reconhecermos, porém, esse seu valor
nodular, teremos de penetrar nos recessos das suas terras altas; então
encontraremos a Beira propriamente dita, inconfundível, em cujos
naturais os vultos graves do Caramulo, da Estrela, da Gardunha
imprimiram a característica firmeza.
________________________________________
(1)
–
Por SILVA TELES.
(2)
– A nomenclatura relativa às divisões da complexa região das Beiras
usada nesta notícia preambular (escrita em 1926) do Prof. Silva Teles é
de natureza científica. O Guia, como obra de compromisso, aceita neste
passo esse critério, mas reconhece dever, satisfazendo os seus
objectivos práticos, seguir a divisão oficial, vigente. Nos diferentes
capítulos, pois, da obra operar-se-á a distribuição dos percursos em
conformidade com a divisão e nomenclatura estabelecida pela reforma
administrativa de 31 de Dezembro de 1936. Por esta reforma, a Beira
ficou repartida e designada do modo seguinte:
Beira
Litoral
– compreendendo: a) todo o distrito de Coimbra, com excepção dos
concelhos de Oliveira do Hospital e Tábua, atribuídos à Beira Alta e o
concelho de Pampilhosa da Serra, pertencente à Beira Baixa; b) todo o
distrito de Aveiro, menos os concelhos de Espinho, Vila da Feira, Arouca
e Castelo de Paiva, que pertencem ao Douro Litoral; c) do distrito de
Leiria, o concelho da Batalha e os situados ao norte do Lis; d) do
distrito de Santarém, o concelho de Vila Nova de Ourém,
Beira
Alta
– a) todo o distrito de Viseu, exceptuando os concelhos de Cinfães e
Resende, incluídos na província do Douro Litoral, e exceptuando ainda os
concelhos de Tabuaço, Lamego, Armamar e S. João da Pesqueira,
pertencentes a Trás-os-Montes e Alto Douro; b) os concelhos de Oliveira
do Hospital e Tábua, do distrito de Coimbra; c) todo o distrito da
Guarda, com excepção do concelho de Vila Nova de Foz Côa, abrangido na
província de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Beira
Baixa
– a) todo o distrito de Castelo Branco; b) o concelho de Pampilhosa da
Serra, do distrito de Coimbra; c) e o concelho de Mação, do distrito de
Santarém.
Neste
volume não estão incluídas as notícias referentes aos concelhos da
Estremadura (dos distritos de Leiria e Santarém) que pela última reforma
administrativa passaram a fazer parte da Beira Litoral e da Beira Baixa,
já tratados no 2.º volume, nem as notícias relativas aos concelhos da
Beira da faixa setentrional, servidos pelo caminho de ferro do vale do
Douro, que farão parte do 4.º volume – S. D.
(3)
– O autor, como se depreende, aplica esta designação a toda a cadeia que
vai desde a Guarda a Sudoeste da Lousã, englobando, assim, na Estrela, a
serra do Açor e a própria Lousã.
(4)
– A divisória, administrativamente estatuída (1936), fixa, como limite
norte da Beira Litoral, não a foz do Douro, mas Espinho.
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