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Beira – Descrição geográfica (1)

Beira é uma designação tradicional, sem um significado preciso que traduza uma homogeneidade de caracteres físicos, vegetais e animais, Passa-se sem grandes contrastes da Beira Alta à província de Trás-os-Montes; uma parte da Beira Baixa, como, por exemplo, a nesga sul do distrito de Castelo Branco, é a continuação do norte alentejano, A Beira Litoral é completamente diferente. Das imediações do Douro à bacia do Lis e dentro das formas análogas do terreno, uma desigualdade no grau da humidade relativa dá lugar a um manto vegetal com feições que denunciam a passagem de um clima semelhante ao da Europa Central / 2 / para outro em que prevalece a vestimenta mediterrânea. A serra da Estrela, de um lado, e a de Montemuro e os planaltos de Leomil, do outro, encerram entre os seus flancos a Beira Central, fechada ao poente pelas serras da Gralheira, Caramulo e Buçaco. A leste deste vasto triângulo a rede do Côa desce ao encontro do Douro e os platós retalhados da Guarda e Sabugal estabelecem contacto com as terras altas da Espanha.

A oeste, transpostas as gargantas do Vouga e Mondego e as depressões de Mortágua e Lousã, entra-se na parte menos acidentada, de fraca ondulação, que vai ter ao mar. Estes caracteres gerais desdobram-se em outros que resultam de elementos de várias categorias, como são a altitude, o modelado especial da superfície, o tipo arquitectónico, a qualidade dos afloramentos rochosos, a composição geológica e o revestimento vegetal. Da maneira como se associam todas estas particularidades fisionómicas surgem compartimentos que se subdividem, a seu turno, em outros de menor superfície e são verdadeiras formas de transição de um a outro quadro geográfico.

A grande província portuguesa, que é a parte mais importante do bloco central do nosso território, não é uma região bem distinta, uma unidade morfo-altimétrica com traços especiais. À medida que se avança para o mar, o factor oceânico torna-se predominante: o solo é mais húmido, o ar mais brumoso e a policromia vegetal mais acentuada, Na faixa vizinha da Espanha o clima é continental, de estios secos e invernos rigorosos, com maiores amplitudes anuais de temperatura.

Mas, ao contrário do que se observa além-fronteiras, onde a vasta superfície das Castelas é bloqueada por espessas massas de montanhas arrogantes, na terra beirense o relevo é muito menos hostil, em regra discordante com a linha do litoral, de modo que os ventos predominantes do oeste carreiam o vapor de água em quantidade suficiente para criar pastagens e florestas longe do mar, retalhos de maior ou menor densidade vegetal, cada um com a sua beleza própria, ora de ondulação larga de vales velhos, ora em recantos graciosos de uma suavidade inexprimível. Da Beira interior, de aspecto severo, à Beira sublitoral, de paisagem suave, que infinidade de quadros a admirar! E é esta justamente a maior dificuldade de colher em flagrante uma fácies mais característica e empolgante.

A Beira trasmontana, a Beira vouguense, a Beira / 3 / estremenha, a Beira alentejana (2), são realidades geográficas, compartimentos diversos resultantes de numerosos elementos, mas indecisos nos seus limites.

A parte limitada ao norte pelo Douro e a oeste e sul pelo Paiva, pelas nascentes do Vouga e o Dão, estende-se para o oriente, em nível mais baixo, até à fronteira, por toda a bacia do Côa. A sua pendente dominante é para o norte. Os seus rios correm quase paralelamente, alguns em falhas de terreno, como o Varosa, outros em vales de erosão abertos nas plataformas peneplanas de Trancoso, Aguiar da Beira, Penedono, Sernancelhe, Meda, Moimenta e outros concelhos. A muralha de Montemuro, de Noroeste para Sudeste, encerrada entre o Douro e o Paiva, fecha ao ocidente, com uma acidentação altimétrica e orográfica fica / 4 / muito pronunciada, a superfície triangular que a bacia do Mondego separa dos terrados que vão ter às culminâncias da serra da Estrela. Na parte oriental o Côa desce rectilíneo, em linha meridiana, atraindo as águas duma área considerável e lança-se num encurvamento tectónico do Douro em frente de Vila Nova de Foz Côa, prolongando-se o seu vale com o de Vilariça, um dos mais férteis e pitorescos de Trás-os-Montes. Toda esta zona beirense, a que chamamos Beira setentrional ou trasmontana, apresenta caracteres análogos aos das terras próximas do Além-Douro, mas distingue-se delas por algumas feições muito importantes. Encarada no seu conjunto, compõe-se de três degraus irregulares, caindo de nível de ocidente para o oriente e do norte para o sul. Esta disposição morfo-altimétrica e a sua situação topográfica em relação ao mar provocam a formação de um tipo de cobertura vegetal que não se assemelha exactamente ao do vale do Douro e das terras trasmontanas vizinhas. A sua paisagem compõe-se de vales altos e em fase de maturidade de peneplanos em vastos terrados, sem arestas orográficas agudas, em muitos pontos castelos de granito a desagregarem-se lentamente, e, perto do Douro, trechos de xistos duros aflorando em solo câmbrico de melhores aptidões. É uma arquitectura sóbria, linhas simples, de aspecto geral por vezes duro, especialmente na parte que constitui o pendor que vai dar ao rio, mas sem o descarnamento adiantado das cumeadas das serras trasmontanas.

A sua cobertura vegetal não é idêntica à dos outros fragmentos beirenses nem igual à da província de Trás-os-Montes. Onde a influência do mar é menos sensível, como a nesga marginal câmbrica encostada ao Douro, desde Armamar à fronteira, desaparece o pinheiro marítimo, espécie desconhecida no norte trasmontano, desde o Marão às lombadas de Mogadouro. Pelo contrário, do Côa, sua fronteira oriental, até ao concelho de Resende, abrangendo todo o restante da Beira setentrional, essa espécie florestal representa o tipo de vegetação dominante. Como contraste fito-geográfico e denunciando uma secura mais sensível do clima, a azinheira distribui-se por Castelo Rodrigo, Vila Nova de Foz Côa, S. João da Pesqueira, Armamar e Lamego. Com exclusão dos concelhos de Pinhel e Trancoso, onde a sua densidade é menor, a área desta essência florestal coincide precisamente / 5 / com a da faixa em que se não encontra o pinheiro bravo. Como a revelar condições médias análogas da atmosfera, a sua expansão ao norte do rio Douro vai até uma linha transversal que liga o tributário Tua a Lagoaça.

Também o carvalho negral e o carvalho lusitano denunciam uma fácies especial na Beira trasmontana. O carvalho negral, cuja densidade máxima se observa nas terras mais altas da Beira, serras da Estrela e Gardunha, e em quase toda a província de Trás-os-Montes, desaparece completamente entre o Águeda e Tabuaço e é pouco frequente nos restantes concelhos. Em oposição com esta feição vegetal, o carvalho lusitano, ao norte do Vouga, localiza-se na parte da Beira que tem a azinheira como espécie florestal predominante, alcançando em Trás-os-Montes precisamente os limites que pertencem à azinheira. Quanto ao carvalho roble, compacto entre o Minho e o Douro e entre o litoral e a pendente ocidental das massas orográficas do Marão, Alvão, Padrela e Montalegre e em menos quantidade nos trechos beirenses mais expostos ao oceano, tem uma fraca representação na parte central da Beira setentrional e desaparece de toda a parte oriental. Finalmente, o castanheiro, cujo habitat geográfico corresponde pouco mais ou menos ao do carvalho negral, é desconhecido em toda a faixa câmbrica duriense e a leste do Côa, mas deixa-se ver, embora esparsamente, nos concelhos de Aguiar da Beira, Sernancelhe, Trancoso, Moimenta e Resende.

Semelhanças ao sul com a Beira central, ao norte com a nesga câmbrica trasmontana, e prolongando-se pela bacia do Côa com as terras altas da Guarda, a Beira setentrional, com um conjunto de feições morfo-altimétricas e fito-geográficas muito características, constitui um quadro especial na grande província beirense, mas com transições graduais para outros trechos do território português ao norte do Tejo.

A Beira arrogante, verdadeira corda dorsal da província, é constituída pelas duas grandes serras da Estrela e Gardunha, que, separadas por um vale de notável aspereza, resultado de agentes modeladores endógenos e de erosão e onde o Zêzere se encaixa em rápidos sucessivos, se afastam tanto mais quanto mais avançam de Sudoeste para Nordeste, a Estrela / 6 / prosseguindo rectilínea até como que se diluir nos platós retalhados da Guarda, e a Gardunha suspendendo quase bruscamente a sua marcha em frente da Cova da Beira, da zona rica de Fundão. A cadeia da Estrela (3) em dois blocos, o do norte mais alteroso, entre a Covilhã, Seia e Gouveia, e o do sul, mais agreste, em quebradas irregulares e altitudes distribuídas assimetricamente de Unhais da Serra à Lousã, sofre uma constrição na sua espessura a Noroeste do Fundão, entre o Zêzere, que corre para o Tejo, e o Alva, que se dirige para o Mondego. É nos seus últimos degraus, onde os valores orométricos caem consideravelmente e começam os pene-planos a dominar, que a trincheira meândrica do Alva mostra nos seus encurvamentos dois dos recantos mais belos da nossa terra, Avô e Coja. A Gardunha, assimétrica, de porte sombrio, flancos corroídos, despida em grandes / 7 / trechos, de composição geológica mais complexa e arquitectura pluriforme, desnivela-se nos seus prolongamentos em contacto com a fenda do Tejo, como a Estrela, ao norte, se abate do mesmo modo junto da depressão de Lousã e Arganil.

Toda esta faixa beirense, à qual pertence com mais propriedade a designação de Beira Alta, forma no seu conjunto uma feição característica do território português. Distingue-se por uma notável espessura orográfica, caracteres hípsicos máximos, traços uniformes acentuados, pendente oriental dominante, com poucas paisagens de trânsito fácil, e, pela sua orientação e diferenças altimétricas dos dois feixes montanhosos contíguos, apresenta dois tipos de revestimento vegetal revelando fácies climáticas não idênticas, uma sofrendo a influência continental das Castelas e a outra exposta à acção benéfica do Atlântico. O castanheiro e o carvalho negral são as duas essências florestais mais características, em suas grandes manchas, mais cerrada na Estrela e menos na Gardunha, dispostas Nordeste–Sudoeste, desde a fronteira oriental até à depressão da Lousã e o baixo Zêzere. O carvalho lusitano localiza-se, insuliforme, na Estrela, a oeste da Covilhã e Manteigas, e vai até ao Mondego, enquanto o carvalho roble traduz melhor o conflito das energias climáticas continental e oceânica, desaparecendo completamente na Gardunha, nos platós da Guarda e Sabugal e na vertente oriental da Estrela, para se distribuir unicamente, com menos capacidade que no Além-Douro litoral, na face voltada aos ventos húmidos dominantes do oeste.

As duas zonas beirenses, cujos principais traços fisionómicos acabámos de indicar e cujas linhas de maiores alturas se juntam virtualmente entre Celorico e Trancoso, onde a linha férrea se flecte na direcção da Guarda, limitam ao norte e sul uma superfície triangular, mais simétrica na parte meridional, servida pelos rios Mondego e Vouga. É a Beira central, que se distingue, por muitos caracteres, das outras regiões beirenses já descritas. As suas feições morfo-altimétricas e a sua situação topográfica permitem uma exposição franca aos ventos dominantes do oeste, o que explica as suas notáveis aptidões agrícolas e florestais. Incompletamente fechada ao ocidente pelas serras da Gralheira e Caramulo, as suas águas refluem ao sul, em maior quantidade, / 8 / para o portal de Penacova, escoando-se para o Atlântico através da trincheira meândrica do Mondego que vai até Coimbra. Pela depressão da Lousã põe-se em contacto com o vale tectónico de Ansião, que separa as formações geográficas do nosso sistema central das montanhas da orla mesozóica e estabelece uma fácil comunicação com a bacia do Tejo; pela depressão de Mortágua, estrada histórica por onde corre a via férrea, faz-se o encontro com a Beira Litoral e a planície marginal que chega até o Douro.

Entre a parte norte e a parte sul da Beira central há diferenças geográficas que permitem uma subdivisão regional. Os vales do Paiva e Vouga retalham a nesga mais acidentada, abrindo caminhos para o Douro e para o poente e cercam a massa montanhosa estrelada da Gralheira. Onde os xistos dominam, a paisagem é mais alterosa, e o Vouga cai em rápidos; o granito, pelo contrário, suaviza as formas do terreno em curvas de maior regularidade. Mas no conjunto o quadro diverge do sul, irrigado pelo Mondego, cujos numerosos afluentes se encaminham para a baixa de Mortágua sem fortes desníveis.

Em toda a área triangular da Beira central destacam-se no seu manto vegetal duas essências florestais: o pinheiro marítimo e o carvalho roble, a primeira incomparavelmente com mais densidade; o carvalho negral e o castanheiro só em volta de Viseu e S. Pedro do Sul, e o carvalho lusitano, compacto em torno de Coimbra, é menos frequente, e só a oeste de Gouveia até ao Mondego. São os caracteres geográficos que imprimem, associados às condições climáticas, à fácies fitológica distinta deste compartimento beirense um aspecto pluriforme e alegre. A sua paisagem é movimentada. A serra do Caramulo, a mais pitoresca talvez das serras portuguesas, florestada desde o sopé, no vale de Besteiros, até altitudes de 800 metros, ergue-se bruscamente na face oriental, elegante e simétrica, e abate-se em quebradas regulares, sem íngremes declives, até se diluir na planície litoral. À simbiose perfeita do solo como clima, que se observa no fertilíssimo vale do Paiva, opõe-se uma vegetação subalpina nas imediações de Vouzela e S. Pedro do Sul; o baixo Alva, encaixado e serpeante, produto duma crise orgânica do solo, não se assemelha, pela sua beleza agreste, à faixa compacta de pinheiros marítimos que acompanha o Dão; / 9 / o perfil minhoto de Santa Comba destoa completamente da baixa de Poiares.

A diversidade dos tipos de paisagem da Beira central, ora de feições calmas, ora agitadas, provém de factores diversos, destacando-se a influência da sua periferia montanhosa. Ao lado do vale de Besteiras, a serra do Caramulo levanta-se de salto, sem tentativas de ondulação prévia; a Arada, assimétrica e de desníveis fortes, aperta o vale do Paiva, tornando-o sinuoso em contacto com o Montemuro; os peneplanos da Beira setentrional descem regularmente dos Altos de Trancoso às origens do Vouga, mandando as suas águas ao Dão e ao Mondego; toda a pendente ocidental da serra da Estrela até à depressão de Arganil-Lousã é formada de largos terrados, como vagas colossais que se abatessem alumetricamente sem serem perturbadas por acidentes episódicos. Todas estas massas montanhosas vão ter a uma zona abatida, ocupada pelo médio Mondego. É tal a multiplicidade dos quadros geográficos resultantes, que nos sentimos umas vezes transportados a um fragmento beirense do norte, outras nos encontramos em frente duma paisagem de entre o Lima e o / 10 / Minho, ora um recanto nos lembra a aspereza dos flancos altos da serra da Estrela, ora na parte xistosa do vale do Vouga temos a ilusão dum compartimento alpino.

A Beira meridional é alentejana na parte que fica a leste da serra de Moradal; porém, à medida que nos afastamos da fronteira e nos aproximamos do Zêzere, a transição para o quadro estremenho vai-se tornando gradualmente mais sensível. Transposto o salto do Tejo nas portas de Ródão, o vale alarga-se a pouco e pouco, as ramificações da Gardunha cobrem-se de mais vegetação e vão perdendo o seu ar sombrio e os tons verde-escuros. Abrantes, fronteira ao Ribatejo, pitoresca na sua posição senhoril, já não mostra a secura característica das terras banhadas pelos rios Ocreza e Pônsul. Toda a face sul da Gardunha e a parte mais importante do distrito de Castelo Branco, voltadas para a planície alentejana, sofrem as consequências dos seus caracteres morfo-altimétricos e topográficos. Chegam-lhes pobres de frescor os ventos do mar, a humidade escasseia, a temperatura ganha desvios anuais consideráveis, a pluviosidade não é abundante, de modo que o seu revestimento vegetal aproxima-se muito mais do manto alentejano que do das terras beirenses que se estendem para o norte. A paisagem é, em regra, sombria. Quem do vértice da serra de S. Mamede ou de Castelo de Vide, em dia de céu azul, possa colher em flagrante o perfil da Gardunha completamente limpo de bruma, recebe uma impressão que não se assemelha àquela que sentimos na maior parte da província beirense. Há, é certo, para os lados de Idanha-a-Nova, recantos a que não faltam linhas de beleza; mas a monotonia das formas do terreno é dominante em todo o vasto plano inclinado que vai morrer ao Tejo.

É pelas suas aptidões florestais e pelo seu tipo de vegetação que a Beira meridional mais acentuadamente se afasta das outras regiões da província. O carvalho lusitano, que se encontra em duas manchas, uma ao norte, e outra ao sul, no flanco ocidental da serra da Estrela e na parte leste da Beira trasmontana, desaparece completamente na Gardunha e na Beira meridional. O castanheiro, que se distribui na Gardunha e se espalha pelos platós da Guarda e Sabugal, não se propaga ao sul de Idanha-a-Nova. O / 11 / carvalho negral, em grande densidade nas duas grandes serras da Beira, é esparso ao sul da Gardunha. O carvalho roble, disperso por toda a face da serra da Estrela voltada ao poente, é desconhecido ao sul e leste do Zêzere. Mas são as três essências florestais, o pinheiro marítimo, a azinheira e o sobreiro, que denunciam melhor no quadro vegetal da Beira meridional as suas particularidades climáticas dominantes.

O pinheiro marítimo foge dos climas secos: não pertence à flora da Beira do sul. Pelo contrário, a azinheira e o sobreiro são espécies de carvalho que se adaptam a um meio semiárido: predominam no Alentejo. Destas últimas espécies, a primeira não se / 12 / vê na Gardunha, mas forma uma mancha compacta entre o Ocreza e a fronteira e entre Penha Garcia e o Tejo; a segunda, episódica nas últimas ramificações meridionais da mesma serra, é incomparavelmente mais frequente na parte do distrito de Castelo Branco, onde se distribui a azinheira. Uma e outra espécie seguem do Alentejo, sem solução de continuidade, pela Beira meridional.

A Beira Litoral deve ser considerada como um compartimento geográfico distinto. Para ela drena todo o espaço triangular compreendido entre a serra da Estrela e a linha das alturas que vai da serra de Montemuro aos platós de Trancoso. Limita-o ao poente a nesga plana do litoral, da foz do Douro (4) até onde os afluentes do Mondego se aproximam dos do Lis. Fica-lhe ao sul a zona de transição para o clima mediterrâneo. Das serras da Gralheira, Caramulo e Buçaco, a ondulação do solo esbate-se a pouco e pouco, até se encontrar com os terrenos secundários, de menor agitação orogénica. O seu tipo arquitectónico e a sua estrutura divergem completamente da Beira montanhosa. Composta de terrenos de períodos geológicos menos antigos, a sua história física foi diferente; exposta directamente ao mar e varrida pelos ventos do oeste, a bruma que a cobre com frequência e a chuva que a favorece criam-lhe uma policromia vegetal característica. É uma formação autónoma. O mar dá-lhe mais calor e mais humidade e uniformiza a sua temperatura; a sua linha de contacto com o Oceano não é perturbada por intrusões orográficas violentas; grandes restingas represam trechos do mar em lagoas de vida efémera e compridos esteiros. Para os lados do nascente a propagação das vagas montanhosas movimenta aqui e além o solo, provocando contrastes com a zona próxima do mar. Falta-lhe porém a severidade da Beira: nem choques de serras dando vales largos ou profundos, nem afloramentos de rochas antigas revelando um descarnamento de terras altas. Fica-lhe distante a monotonia das dunas e da planície mole do pólder; as nesgas planas entremeiam-se com relevos-testemunhos, de modo que a paisagem torna-se pluriforme, mas sem um elemento constitutivo saliente. / 13 /

A Beira, não sendo, em resumo, uma unidade geográfica bem definida, parece reunir os principais fragmentos do nosso território. Há semelhanças notáveis entre a Beira setentrional e o além-Douro trasmontano; a bacia do Côa é um prolongamento da pequena bacia de Vilariça; da coroa de montanhas que constituem o rebordo da Beira meridional passa-se gradualmente aos peneplanos do norte alentejano; se nela ingressarmos por noroeste, pela orla arborizada de Oliveira de Azeméis ou Vale de Cambra, afigura-se-nos estar num pórtico do Minho; se tomamos como ponto de partida a região da ria de Aveiro, a amenidade desta com as linhas alongadas dos seus horizontes, dar-nos-á a impressão de respirar ainda um pouco a aragem pré-mediterrânea do Algarve; no extremo sudoeste o manto vegetal é análogo ao da península de Lisboa. Este conjunto regional é, enfim, como uma variada galeria em que todas as singularidades pitorescas do nosso País tivessem um prazo marcado.

Entretanto, com tão divergentes perspectivas de transição, a Beira constitui, pelo seu arcaboiço, um departamento cenográfico e humano fortemente individualizado e um dos torrões mais característicos de Portugal. Na dureza de carácter, peculiar das regiões / 14 / de montanha, a despeito da assimetria das muito variadas feições dos seus contactos periféricos, representa, pelo seu conjunto arquitectónico, a junção dum bloco central de grande solidez e com fortes traços dominadores. Para reconhecermos, porém, esse seu valor nodular, teremos de penetrar nos recessos das suas terras altas; então encontraremos a Beira propriamente dita, inconfundível, em cujos naturais os vultos graves do Caramulo, da Estrela, da Gardunha imprimiram a característica firmeza.

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(1) Por SILVA TELES.

(2) –  A nomenclatura relativa às divisões da complexa região das Beiras usada nesta notícia preambular (escrita em 1926) do Prof. Silva Teles é de natureza científica. O Guia, como obra de compromisso, aceita neste passo esse critério, mas reconhece dever, satisfazendo os seus objectivos práticos, seguir a divisão oficial, vigente. Nos diferentes capítulos, pois, da obra operar-se-á a distribuição dos percursos em conformidade com a divisão e nomenclatura estabelecida pela reforma administrativa de 31 de Dezembro de 1936. Por esta reforma, a Beira ficou repartida e designada do modo seguinte:

Beira Litoral – compreendendo:  a) todo o distrito de Coimbra, com excepção dos concelhos de Oliveira do Hospital e Tábua, atribuídos à Beira Alta e o concelho de Pampilhosa da Serra, pertencente à Beira Baixa; b) todo o distrito de Aveiro, menos os concelhos de Espinho, Vila da Feira, Arouca e Castelo de Paiva, que pertencem ao Douro Litoral; c) do distrito de Leiria, o concelho da Batalha e os situados ao norte do Lis; d) do distrito de Santarém, o concelho de Vila Nova de Ourém,

Beira Alta – a) todo o distrito de Viseu, exceptuando os concelhos de Cinfães e Resende, incluídos na província do Douro Litoral, e exceptuando ainda os concelhos de Tabuaço, Lamego, Armamar e S. João da Pesqueira, pertencentes a Trás-os-Montes e Alto Douro; b) os concelhos de Oliveira do Hospital e Tábua, do distrito de Coimbra; c) todo o distrito da Guarda, com excepção do concelho de Vila Nova de Foz Côa, abrangido na província de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Beira Baixa – a) todo o distrito de Castelo Branco; b) o concelho de Pampilhosa da Serra, do distrito de Coimbra; c) e o concelho de Mação, do distrito de Santarém.

Neste volume não estão incluídas as notícias referentes aos concelhos da Estremadura (dos distritos de Leiria e Santarém) que pela última reforma administrativa passaram a fazer parte da Beira Litoral e da Beira Baixa, já tratados no 2.º volume, nem as notícias relativas aos concelhos da Beira da faixa setentrional, servidos pelo caminho de ferro do vale do Douro, que farão parte do 4.º volume –  S. D.

(3) – O autor, como se depreende, aplica esta designação a toda a cadeia que vai desde a Guarda a Sudoeste da Lousã, englobando, assim, na Estrela, a serra do Açor e a própria Lousã.

(4) – A divisória, administrativamente estatuída (1936), fixa, como limite norte da Beira Litoral, não a foz do Douro, mas Espinho.

 

 

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