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            Mário Júlio VarelaJ. Raposo
 
            Ex.mo Senhor 
            Reitor do Liceu Nacional de AveiroEx.mas Senhoras Professoras e Senhores Professores
 Minhas Senhoras e 
            meus Senhores
 Caros colegas
 
            
            «NEM sempre, na vida, a boa sorte nos bafeja ou nos estende o seu manto de benigna protecção, para nos defender de situações menos cómodas. Apesar de ter
            escolhido a alínea e), ainda não tenho experiência bastante para, 
            pela fala, prender a atenção de uma assembleia tão ilustre e 
            numerosa. 
            Aceitando a tarefa de que impiedosamente me incumbiram, procurarei 
            dominar o temor que naturalmente me assalta, e, para que tudo fique 
            em bem, contarei com a vossa generosidade e boa vontade para 
            ouvirdes as minhas breves palavras. 
            Nascida mesmo junto à nossa Ria, logo à nascença se me encheram os 
            ouvidos do marulhar das suas águas, e se me impregnou a boca do 
            sabor docemente amargo da sua salsugem. 
            Salpicada dos pés à cabeça desta influência ou ambiência marinha, a 
            minha memória não me ajuda, mas, quando entrei neste Liceu, 
            certamente a minha inocência infantil teria sido capaz de se 
            manifestar, levando-me a trazer comigo, talvez como insígnia 
            orgulhosa ou faceta de carácter, um punhado de sal branquinho. 
            No decorrer do tempo, porém, o pouco sal que trazia, desapareceu no 
            calor húmido da minha mão, e apenas ficou um suave cheiro a maresia, 
            que nesta nossa terra é perfume de saudade. 
            Este perfume trouxe-o eu para aqui ou não se agarrasse ele a nós 
            como mexilhão à rocha; nenhuma essência o supera, na sua amena 
            persistência; é tão forte, que já se espalhou por esta sala. 
            É que esta festa de alegria juvenil esconde em si já a saudade dos 
            que vão partir; é um disfarce subtil que procura, pelo recurso ao 
            contraste da euforia, a anestesia para a dor ou mágoa do fim de uma 
            época da nossa vida, que nos deixou, apesar de tudo, indeléveis 
            recordações. 
            Cada vez somos mais homens e mais mulheres; cada vez somos menos 
            insensíveis ao passado e mais vulneráveis ao «delicioso pungir de 
            acerbo espinho». 
            
            / 4 / Aqui, nesta sala, pelas 
            pessoas presentes, podíamos definir duas atitudes representativas: 
            uma, de reflexão, de inteligência organizada e objectiva, da frieza 
            matemática das concepções e da experiência sapiente que, mais que os 
            livros, só o calo ou o amadurecimento dos anos pode emprestar; a 
            outra, o caminho da vida tal qual ela é, com o entusiasmo de 
            juventude que a caracteriza, às vezes não sem tonalidades de 
            inocente irreverência, a que falta a inteligência irrequieta e 
            ambiciosa na conquista de coisas novas. 
            São duas forças que, embora potencializadas em níveis diferentes, se 
            imanizam e completam ou encontram urna única resultante: sangue novo 
            e sangue velho que confluem num só rio, com
            destino à descoberta da vida. 
            Esta mistura, porém, para impedir choques ou repulsa, carece de 
            tempero. E tal como o sal, somos nós, moços e moças, que havemos de 
            o dar para incutir o sabor às coisas, se para isso nos quisermos 
            deixar guiar pelos que conhecem o equilíbrio e sabem condimentar nas 
            proporções justas e aconselháveis. 
            Disse que as minhas palavras seriam breves. Não faltarei ao 
            prometido. 
            Quando um dia alguém ler esta página, dirá que uma humilde aluna do 
            Liceu de Aveiro, em representação do 7.º ano de 1967/1968, como 
            prova de gratidão aos seus professores e em paga pela forma generosa 
            e calorosa como assistis a esta festa académica, deixou aqui, para 
            todos, um esboço simples do muito que sente e do pouco que consegue 
            dizer.» 
              
            Estas palavras da Maria Helena Leite Gamelas iniciaram a
            Récita dos Finalistas do corrente ano lectivo do nosso Liceu. 
            Como já vem sendo costume, uma assistência em que reinava a
            boa disposição encheu completamente a sala do Teatro Aveírense. 
            Depois de bastante aplaudidas as palavras iniciais, assistiu-se à 
            representação da peça de Fernando Pessoa «O Marinheiro». Poema 
            dramático de grande beleza, regularmente interpretado, não foi, 
            todavia, do agrado geral, pois que o desenrolar da acção se tornava 
            um pouco monótona. 
            Tivemos a seguir a presença agradável do Orfeão Maior do
            nosso Liceu, dirigido e ensaiado pelo Ex.mo Senhor Professor Melo 
            Sereno, que interpretou cinco peças de bom nível. 
            Depois de um curto intervalo assistiu-se à peça cómica de Guerra de 
            Abreu «A Fuga de Leonor». Foi muito bem acolhida pela assistência e 
            estamos mesmo em crer que constituiu o auge do espectáculo. 
            Seguiram-se as variedades, subordinadas ao título «As Mil e  Uma 
            Broncas do Paxá». Boas interpretações dos apresentadores, 
            
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            dos conjuntos musicais, dos Jograis e dos locutores do noticiário. 
            O clima reinante só foi quebrado com a actuação pouco feliz dos 
            «Hippies». Procuraram valorizar ao máximo o seu número, mas não 
            alcançaram totalmente o fim em vista. 
            Antes da dança da Polka, ensaiada pela Ex.ma Senhora 
            D.ª
            Maria dos Anjos, houve um curto intervalo. 
            A festa terminou em ambiente de 
            franca camaradagem entre
            finalistas e professores, todos reunidos no palco. 
            Finalmente, a Récita dos Finalistas de 67/68 foi um espectáculo de 
            bom nível, pecando apenas por meia dúzia de pormenores menos 
            cuidados. |