|
Jorge Abreu
CORRIA
tumultuoso o ano de 1765. O homem setecentista vivia num século
diferente, num século em que se procurava esquecer o passado e construir um Presente
novo.
Foi neste ambiente que Bocage viu a luz. Cresceu e gastou os cinco anos, que havia de consagrar à Academia Real da
Marinha, em botequins, outeiros e boémias. A sua figura pertence ao
número dos característicos frequentadores do Agulheiro dos
Sábios, dependência do Nicola.
Foi neste sórdido meio que cultivou a veia repentista, o
pensamento mordaz, a resposta ágil e hilariante, provocadora dum
volta face.
Egocentrista, perseguido pela ideia dum segundo Camões,
ei-lo, como este, minando-se em Goa conhecendo a vida irreverente e injusta dum vate desconhecido. E é Gertrúria que o
conforta e em sonhos o afaga. Volta à Pátria e a Setúbal. Aí sabe da
triste (para si) nova: a sua Gertrúria, a sua fiel Gertrúria casara
com seu irmão. Pobre poeta! Ei-lo mais trágico do que nunca,
reengolindo às mãos cheias a dor que lhe sobejava, recalcando-a bem em si. E os seus versos são os seus confidentes, leais,
porque são mudos. Então, Bocage, em tom laudatório, soando a falso, veste-a com o pesado samarrão do léxico arcádico.
É o
alvor de algo que agora mal se conhece, que é um fito duma
revolta, uma esperança que mude a vida que se vive; não interessa se conduzirá a uma Desilusão, o que importa é que se mude o que está mal ou parece
está-lo. Vamos encontrar Bocage a
estalar a carapaça rígida do arcadismo e a sonhar-se languidamente recostado à sua amada, mas, de súbito, a sua imagem
evapora-se e o poeta desfaz-se em angústias e melancolias.
Na vida igual de cada um ele é um revoltado, é um idealista
com boas intenções, que por tudo e por nada se exalta. Já depois
/
20 / de se integrar na Nova Arcádia, de
contra ela se rebelar e em
especial contra José Agostinho Macedo, conhece o limoeiro. Razão?
Devido às suas ideias liberalistas ser considerado Pedreiro-livre.
Tem que se retratar e, quando de lá sai, vai purificar-se
nos mosteiros de S. Bento e dos Oratorianos. Alquebrado, chama
de vela a extinguir-se, trabalha afincadamente. Camões continua a
persegui-lo. Morre pobre, paupérrimo. Parece-me vê-lo balbuciar,
cabelo na fronte suarenta, olhos quase vítreos:
– Já Bocage não sou!...
 |