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            Armanda Oliveira7.° ano de Letras
 
            DEPOIS 
            da excitação intensa dos primeiros dias de aulas, de curiosidade natural 
            pelos novos professores, da alegria de 
            possuirmos e folhearmos compêndios desconhecidos, os dias voltam à 
            mesma cadência monótona e perdem o sabor de novidade.
 
            Descobrimos então que 
            aquele livro, que tinha umas fotografias 
            maravilhosas, trata dum assunto que detestemos, que os professores 
            não são como imaginámos, que a colega que está ao
            nosso lado é carrancuda e que estudar horas seguidas não é tão
            fácil como se pensava! 
            Depois de ter chegado a todas estas conclusões, levanto o
            olhar do livro aberto e fixo-o em indeterminado ponto do espaço; 
            apoio a cabeça nas mãos e recordo os dias felizes de férias.... 
            Lembro-me que há dois meses estava 
            na praia e há um mês
            no campo. Começam então a desfilar no «écran» do meu pensamento 
            rostos conhecidos, lugares por onde passei, palavras soltas, frases... Reconstituo cenas cómicas e chego 
            a rir-me com tanta vontade como o fiz nessa altura. 
            Umas férias de quatro meses deixam-nos demasiadas impressões e o espírito voa de umas para 
            as outras com tal rapidez que é quase 
            impossível ordená-las. Além disso, associamos constantemente 
            pormenores sem interesse que chegam a fazer perder o fio à meada. 
            Acho melhor, portanto, 
            falar das impressões dum dia de férias e, 
            para lhes dar um maior sentido de realidade, recorro ao meu 
            «Diário», do qual transcrevo uma página: 
            Setembro de 1964   
            Sabe bem acordar cedo e ver 
            uma nesga de sol a brincar 
            
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            com o espelho e a atravessar a grande jarra de cristal cheia de flores bonitas. 
            A luz decomposta projecta-se na parede, deixando um 
            maravilhoso arco-íris. 
            Abro a janela de par em par e fico tempo esquecida a
            olhar a paisagem que se reveste dum encanto novo em cada dia
            que passa. 
            É a visão encantadora duma aldeia perdida entre os 
            montes, cujas casas branquinhas se destacam num fundo de verdura,
            constituída por pinheiros, ao longe, depois por outras espécies de
            árvores e ainda por vinhedos carregados de enormes uvas doiradas ou negras. 
            Da encosta chega o tilintar dos rebanhos dispersos pelas
            serranias ao qual se juntam as vozes dos crianças que brincam às
            rodas. 
            Passam carros de bois, carregadinhos de espigas doiradas,
            fazendo uma arrepiante chiadeira. Há vida por toda a parte, uma
            vida que se transmite a mim própria e me obriga a actuar. 
            Visto a velha saia das flores, enfio umas alpercatas quase
            gastas e ponho um grande chapéu de abas largos. Olho para o
            espelho e sorrio... A minha transformação em camponesa é quase 
            perfeita! 
            Pego num cestinha de verga e, com a minha amiga que 
            é
            um pouco mais nova que eu, vou colher fruta para a quinta, tarefa 
            acho deliciosa. 
            É preciso subir às árvores e trepar por escadas, para 
            chegar às vinhas mais altas, mas tudo isto eu faço com agrado. 
            A tarde é passada à 
            sombra de grandes carvalhos. É este o meu sítio preferido, porque há silêncio e tranquilidade e eu
            povoo este ambiente com as personagens tiradas do «Paulo e
            Virgínia» que estou a ler. 
            Fico aqui, horas 
            seguidas, até ouvir uma ou outra nota caída da flauta do pastor, que regressa com o rebanho ao 
            entardecer. 
            Volto para casa e ouço 
            os meus discos preferidos. À noite, sentada nas escadas de pedra, ouvia deliciada 
            a minha amiga
            tocar viola, quando nos vieram convidar para uma desfolhada. 
            Fiquei radiante. Cantei e dancei até 
            ficar cansada, na eira
            só iluminada por um pálido luar e um pequeno bico de gás... 
            Com as últimas notas da viola 
            do Ti João, toda a serra
            mergulhou no silêncio da noite. 
            E foram estas as impressões dum dia de férias, passadas
            numa aldeia minhota, onde tudo era duma simplicidade chocante
            e as pessoas viviam sem loucas ambições, perto do céu, das
            estrelas. de Deus... |