OS
CIENTISTAS FAZEM CONTAS...
O
oceano e a floresta absorvem uma boa parte do gás carbónico
que nós libertamos. O seu teor na atmosfera eleva-se
gradualmente. A previsão do aquecimento da Terra depende da
contabilidade, ainda imprecisa, do carbono.
«Vende-se,
planeta em primeira mão, ambiente a rever, aquecimento a gás
carbónico». É assim que se deverá redigir o anúncio para
nos desembaraçarmos da Terra no decurso do próximo século.
Porque se nessa altura fizer bastante calor, a culpa será do dióxido
de carbono. A indústria, o aquecimento urbano e o automóvel e
também a desflorestação tropical projectam em cada ano 20 biliões
de toneladas de CO2 na atmosfera. Como a melhor vidraça, ele
impede as calorias que o atravessam de voltar noutro sentido,
para o cosmos gelado. É o efeito de estufa.
Até
1860, o ar só continha 275 ppm (partes por milhão ou gramas
por tonelada) de CO2. Hoje já foram ultrapassadas as 350 ppm,
representando um acréscimo de 25% em pouco mais de um século.
Se continuarmos ao ritmo actual, estes teores terão duplicado
antes do fim do próximo século. No entanto, às inquietações
que se manifestam quanto às consequências de um tal aumento
junta-se um enigma. Em cada ano emitimos 5,5 biliões de
toneladas de carbono proveniente dos combustíveis fósseis, aos
quais se acrescentam 1,5 a 2 biliões de toneladas originadas
pela desflorestação tropical. Isto perfaz um total superior a
7 toneladas. Ora, as 45 estações de registo da Organização
Meteorológica Mundial não encontram senão 3,2 na atmosfera.
Para onde foram os 4 biliões de toneladas que faltam?
Desde
há muito que se crê que o carbono desaparecido no balanço das
emissões humanas se transfere para o oceano. Espécie de
reservatório sem fundo, contendo 60 vezes mais carbono que a
atmosfera, parece ter uma capacidade de absorção ilimitada.
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Contudo,
modelos computadorizados mostram que nas condições actuais a
penetração do carbono atmosférico na água do mar é muito
limitada. Patrick Monfray, investigador do CNRS, explica que
quando o teor em carbono do ar aumenta, a camada superior do
oceano reage imediatamente, resultando uma acidificação das águas
que impede a entrada de mais carbono. Assim, no total, o fluxo
de carbono de origem “humana” que entraria no oceano seria
cerca de 2 biliões de toneladas. Com o carbono do ar (3,2 biliões),
isso perfaz 5,2 biliões que ainda estão longe dos 7 que
constituem a totalidade entrada na atmosfera.
Também
a biosfera constituiria um receptáculo bem cómodo. Afinal, os
155 biliões de toneladas de carbono lançadas desde o início
da era industrial não representam senão a quantidade fixada
pela fotossíntese em dois anos e meio! Mas atenção, estes cálculos
só se aplicam a uma massa vegetal em crescimento contínuo.
Assim, este mecanismo só pode absorver o excedente de CO2 do ar
na condição de se aumentarem as superfícies plantadas. Em
princípio, a quantidade de carbono que as plantas metabolizam
é constante, mas sob o efeito da perturbação causada pelas
emissões humanas, ela pode aumentar. É o que demonstram experiências
feitas no laboratório de ecologia vegetal, em Orsay, em que
castanheiros submetidos a uma atmosfera contendo o dobro de CO2
desenvolveram uma massa vegetal 20 a 30% superior à normal
(neste caso a nível das raízes). Isto significa que sob a
influência desta quantidade anormal de CO2 a planta,
metabolizando-o, provoca um forte aumento da produção vegetal,
para além de ter florido em apenas 3 anos contra os 5 dos
castanheiros “normais”. É este efeito fertilizante que
poderá ser responsável pela absorção de cerca de 1,5 biliões
de toneladas de carbono.
Façamos
as contas de novo. Teoricamente, oceano (2 biliões), mais
biomassa (1,5), mais atmosfera (3,2), igualam as emissões
humanas (7) => (2+1,5+3,2=6,7). Mas na realidade a
soma está longe de estar certa. As incertezas actuais são
incompatíveis com a contabilidade do carbono. Daí as dúvidas
que se levantam sobre a taxa de aquecimento provocado pelo
“efeito de estufa” e as aturadas pesquisas internacionais
através de modelação em supercomputadores. E, se não estão
de acordo relativamente aos números, todos eles nos anunciam,
em contrapartida, um reaquecimento para o próximo século —
1,9 a 5,2º C são as previsões.
OS
OUTROS GASES COM EFEITO ESTUFA
Neste
processo de reaquecimento, metano (CH4), óxidos de azoto (NOx),
clorofluorocarbonos (CFC) e ozono contribuirão com 50%.
O
metano, cuja molécula tem uma duração média de vida entre 7
e 10 anos, provém sobretudo da actividade microbiana em condições
anaeróbias (solos e intestino de herbívoros); mas 30% do
metano atmosférico origina-se na queima dos combustíveis fósseis.
Calcula-se que contribua com 19% para a elevação mundial da
temperatura.
Os
óxidos de azoto, 150 vezes mais eficazes que o CO2 na captação
do calor, provêm grosso modo das mesmas fontes que o metano,
mas as suas moléculas têm uma vida mais longa (cerca de 150
anos). A sua participaç5o no efeito de estufa está avaliado em
3 a 4 %.
Os
CFC, aparecidos desde 1931, têm uma progressão anual de 5 a
10%. De molécula muito estável, podem permanecer na atmosfera
de 75 a 110 anos (conforme o tipo). Acusadas principalmente de
destruírem o ozono estratosférico, estas
moléculas são também terrivelmente eficazes no efeito
de estufa: 14000 e 17000 vezes mais que o CO2. Teor de participação
no aquecimento: 17%.
O
ozono troposférico, de baixa altitude, é um poluente,
contrariamente ao bendito ozono estratosférico, que nos livra
dos mortíferos ultravioletas. A indústria e os veículos a
motor são a principal fonte. Este ozono é 2000 vezes mais
eficaz que o CO2 na captação da radiação solar e pensa-se
que poderá contribuir com 8 a 15% no aquecimento das baixas
camadas da atmosfera.
A
EUROPA MAIS QUENTE
A
síntese dos modelos climáticos sugere modificações sensíveis
do clima europeu com a duplicação do teor de CO2 do ar. No
inverno assiste-se a um reaquecimento de 8 a 10º C nos países
escandinavos e na Sibéria. No verão, as subidas são por sua
vez mais moderadas e uniformes, de 4 a 5º C na generalidade da
Europa. Estas variações são acompanhadas de modificações do
regime das chuvas, com uma tendência mais seca no sul da Europa
e mais húmida na Escandinávia.
INCERTO
O NÍVEL DO MAR
Três
vertentes jogam em favor desta variável: os glaciares de
montanha, as calotes polares e os oceanos.
Para
os próximos 100 anos, a fusão de parte dos glaciares de
montanha poderá contribuir com uma elevação mínima de 20 cm.
As calotes polares do norte deverão fundir em parte, mas isso
será compensado pela queda de neve, no Sul; daí que este
factor não tenha influência significativa. A dilatação térmica
do oceano deverá proporcionar uma subida de 10 cm nos próximos
50 anos e de 50 cm dentro de um século. Difícil de prever o
resultado deste jogo...
E
A NOVA ERA GLACIAR COMEÇADA EM 1976?
As
incertezas continuam. Em 1974/75, quando se tremia de horror
perante a perspectiva de uma nova era glaciar, surge-nos um
inverno dos mais cálidos. Agora que o pânico se instala
perante um cataclismo de calor (efeito estufa) tivemos um dos
invernos mais frios dos últimos anos — o de 1984/85.
Contraditório, difícil de prever a evolução da temperatura
neste nosso planeta. Calor ou frio?
A
actividade solar estabelece uma estreita relação com o clima
da Terra. Segundo a intensidade dessa actividade (mais ou menos
manchas solares), a Terra aquece ou esfria. Assim, cerca de 200
manchas solares originam uma grande actividade da nossa estrela;
20 ou 30 provocam pouca actividade solar. Calcula-se que até
1995 se terá extinguido a “exagerada” actividade do sol,
deduzindo-se pois a previsão de um tempo mais frio. Segundo
Milankovitch, os períodos glaciários seriam provocados por
invernos rigorosos seguidos de verões pouco quentes que não
proporcionariam o degelo da neve.
Como
se combinará o efeito estufa com o novo período glaciar?
Enfim,
os melhores cálculos são ainda incapazes de nos fornecerem
certezas. Todos estes efeitos e contra-efeitos em cadeia têm
sido introduzidos nos melhores modeladores. Mas a integração
de todos os dados ainda vai requerer muitos anos de trabalho. Até
lá, resta-nos uma sólida incerteza: o valor real do
reaquecimento.
Adaptado
de “SCIENCES & AVENIR” e “NATURA”, 1990
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