Expectativa da partida

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Operação heli-transportada no Alto Zaza, em 19 de Dezembro de 1972

 

Tive de interromper o meu relato durante uns minutos. O pulso estava a doer. Aproveitei para pedir outro café, antes de voltar ao prazer da escrita. Esqueci-me de vos dizer que estou sozinho, sentado a uma mesa do Clube de Sanza Pombo, onde espero passar a tarde. Estou aqui a rever os acontecimentos dos últimos quatro dias e a pensar no meu pessoal, que continua neste momento sem mim no meio da selva. Espero que o Valério vá tirando as fotos que lhe pedi, para não perder tudo sobre a operação.

Ainda não eram oito da manhã, já o grupo GE estava formado em frente ao edifício do comando, para receber as rações de combate. Pouco depois, servido o pequeno-almoço a todo o pessoal, juntavam-se-lhe os nossos soldados, comandados pelos respectivos chefes de secção. Passámos uma rápida revista, para termos a certeza de que nada era esquecido. Enfermeiros, transmissões, atiradores de lança-granadas foguete, apontadores de metralhadora, um a um, todo o pessoal foi conferido e recebeu as rações de combate para os cinco dias.

Ainda não eram nove horas, surgiram por sobre as árvores dois helicópteros enormes que, segundos depois, pousavam no campo de futebol em frente ao edifício do comando, levantando nuvens de poeira.

Estava a preparar-me para tirar as fotografias, mas o capitão impediu-me:

— Não tens agora tempo para isso. Tu vais na segunda leva e esperas o regresso dos aparelhos para os fotografares. Agora é altura de embarcar o primeiro grupo. Só para as dez deves ir tu com o teu pessoal. Antes disso, tem de ser localizada a zona de largada. Depois, vão buscar e largar pessoal noutra área; e só depois chegará a vossa vez.

Eram nove horas em ponto, estava o capitão e o alferes Valério a entrar no estômago dos dois enormes aparelhos.

Estes helicópteros da marca Puma são aparelhos de grandes dimensões. Além da zona de pilotagem, com dois pilotos, têm um amplo compartimento onde cabem duas secções de combate. Para terem uma vaga ideia da capacidade de carga destes bicharocos voadores, basta dizer que, na primeira leva, seguiu metade do pessoal: o capitão com uma secção completa mais o grupo de GEs. Aliás, pelos meus cálculos, na primeira vaga, nos dois aparelhos, devem ter seguido uns trinta homens. Se não, vejamos. Eram 37 homens provenientes de Quimbele. Com os dez GEs comandados pelo chefe Simão, passa a quarenta e oito. Juntando as minhas duas secções, mais transmissões e enfermeiro, se os cálculos não me falham, devíamos ser ao todo uns sessenta e quatro homens. Como todo o pessoal foi levado para a zona de acção em duas levas, já dá para fazer uma ideia da capacidade dos dois helicópteros. E se as imagens forem mais elucidativas que as palavras, vejam as fotografias que obtive, depois de mandarem revelar os rolos que em breve vos mandarei.

Estou agora a lembrar-me que não preciso de estar com tantos cálculos para saber a capacidade dos helicópteros. Devo ter na minha agenda o registo das informações que pedi ao comandante do aparelho em que voei, durante o regresso ao Alto Zaza. De acordo com elas, o Puma é o maior helicóptero das Forças Armadas Portuguesas. Possui uma velocidade média de 250 quilómetros por hora e uma capacidade para transportar dezoito passageiros.

 

Por volta das dez da manhã, noto que o meu pessoal está impaciente:

— Alferes, já viu as horas que são? Já passa das dez e nada de helicópteros. Terá acontecido alguma coisa?

— Não, tenham calma. A primeira largada é sempre mais demorada. Não se esqueçam que, da primeira vez, é preciso escolher uma zona elevada, sem árvores, e, sobretudo, que apresente alguma dificuldade de acesso, para segurança do desembarque. Isto leva o seu tempo. Além disso, largado o primeiro grupo, têm de ir fazer o mesmo, de modo rotativo, a outras zonas. Não somos os únicos a ir nesta operação para o meio da selva. Por isso, só lá para as onze deverão estar de volta para nos levar.

— Alferes, prepare a máquina. Já se ouve o barulho dos motores.

Eram dez horas e quinze minutos quando surgia por cima das árvores o primeiro aparelho. Já estava com a máquina fotográfica apontada para o lado de onde vinha o barulho. Tirei a primeira imagem ainda com o helicóptero distante, a aproximar-se do campo de futebol; a seguinte, antes de ter sido atingido pela enorme nuvem de poeira, que se elevou quando o aparelho estacionou e começou a descer lentamente na nossa frente, do outro lado da vedação. Na ânsia de não perder a oportunidade de uma boa imagem, quase levava, eu e a máquina, um banho de poeira. Só espero que não tenha entrado nada na máquina. Seria muito azar se algum grão de poeira me encravasse os mecanismos do meu fixador de imagens.

Às dez e vinte começou o meu pessoal a entrar na barriga dos helicópteros. Sentados lateralmente de costas voltadas para as janelas, foram colocadas armas e bagagens no espaço central.

Ainda antes de levantar voo, enquanto os rotores trabalhavam lentamente e havia pouca vibração, aproveitei para ir cumprimentar os dois camaradas que nos iam levar ao coração da mata. Feitos os cumprimentos, pedi-lhes que se colocassem como se estivessem a preparar-se para a descolagem. E tirei a terceira fotografia, apanhando todo o painel de instrumentos do aparelho e a parte esquerda do comandante, sentado do lado direito.

— Alferes, está toda a gente sentada? Vamos levantar.

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