Maria da Luz Nolasco
"Os nossos pais restauravam as
estátuas; nós tiramos-lhes os narizes falsos a as
próteses que lhes acrescentaram; os nossos filhos
farão com certeza outra coisa. O nosso ponto de
vista actual representa ao mesmo tempo um ganho e
uma perda."
in Marguerite Vourcenar, 1983
ADERAV. Não é só o nome e o
significado de cada uma das palavras que forma a
identidade desta Associação. Tida como entidade que
objectivamente existe
para a defesa e para o estudo do património
natural e cultural de uma região do centro do país,
a de Aveiro, a ADERAV é, na substância tal como na
forma, a expressão de um conjunto de acções que
movimentamos (sócios e amigos) para redescobrirmos e
valorizarmos o nosso património, a nossa herança
cultural, a nossa identidade.
Mas tal como todos sabemos nem
sempre as questões de património na sua
generalidade são a prioridade das nossas
inquietações. Possuidores de uma outra sensibilidade, mais economicista e tabelada pelo que
somos, pelo quanto valemos e por quanto tempo,
habituamo-nos mais à ruína e aos ferimentos causados
nesses testemunhos do passado do que à sua
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valorização, estudo e actualização. E quando falamos
de actualização não estamos
de todo a aceitar que se refaçam os elementos
patrimoniais – as obras significativas da nossa
cultura – de modo convencional e pautadas por um
gosto grosseiro do
arranjo, do restauro, do pastiche mas tão só pela
procura de sensações felizes de
transformação e de valorização do passado em obras
vivas e não etiquetadas. Por isso aceitamos com
agrado, pois deixa-nos bem com a nossa consciência,
o acto de guardar o passado e as belezas desse
passado em Museus, preservando de modo distante e
fora das nossas casas, as belezas e os tesouros
etiquetados e mortos.
Assim se lhes refere, poética e sabiamente,
Marguerite Vourcenar na sua obra "O Tempo, Esse
Grande Escultor" (M.V., 1983, pág. 52).
Fazendo jus ao nome, a ADERAV contribuiu de algum
modo e à escala das suas possibilidades, para a
valorização do nosso património edificado e natural
e ainda para aquele espaço da memória que de modo
não tangível nos reporta às vivências, às conversas
carregadas de potencial emotivo e às imagens de
personagens que marcaram o nosso tempo real.
Neste biénio de 2006/07 foi momento alto o ciclo das
homenagens nas quais se falou do Eng. Fernando
Lavrador e dos seus amigos e cúmplices nas questões
da sétima arte – o cinema. Ficou ainda por realizar
uma homenagem ao Arquitecto
Fernando Távora, falecido a 3 de Setembro de 2005,
tido como uma personagem
de vincado valor humano e marca significativa no
ensino, na concepção e modernização da arquitectura
portuguesa. Este arquitecto foi o autor do edifício
onde actualmente a ADERAV tem a sua sede social. De
acordo com o programa
original funcionaram neste edifício vários serviços
municipais tais como a Biblioteca Municipal, situada
no terceiro piso e iluminada com luz natural obtida
a partir da cobertura e guiada através de cones em
betão, orientados no sentido dos raios solares;
funcionou ainda o Turismo da Região, com os serviços
de atendimento situados ao nível da Praça do
Município e sectores de apoio instalados na Cave, e
ainda um conjunto de gabinetes técnicos situados nos
pisos intercalares. Este edifício envolto em grande
controvérsia quando da sua construção por ter
destruído parte de um conjunto edificado pré
existente, de diferente escala e significado no
contexto da Praça da República, é hoje um testemunho
da arquitectura modernista portuguesa que muito nos
apraz conservar e valorizar.
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Mas de uma forma geral, as acções desenvolvidas pela
ADERAV ao longo deste último biénio foram
polifacetadas e não monódicas. Embora não tenham
sido abundantes na sua quantidade, foram-no na adesão
das audiências. Destaco as rotas de visita
orientadas ao Campus Universitário de Santiago
integrada no Congresso Anual da Associação de
Professores de História. As Rotas de visita às
freguesias urbanas de Esgueira e de Vilar e ao
bairro da Beira-Mar na freguesia da Vera Cruz.
Ainda acerca do percurso de visita a Esgueira,
destaco a passagem pelos seguintes espaços: "Casa da
Cruz", Pelourinho, Câmara de Esgueira, "Casa da
Carvoeira", fontes da vila, casario de Setecentos e
de Oitocentos situado no caminho da Igreja Matriz e
a visita à Igreja de Santo André, ao respectivo adro
e à envolvente.
Desses passeios participados em conversas acesas
sobre as memórias dos lugares e sobre as pessoas que
nestes habitaram e que por eles se expuseram
ideológica e socialmente, tecemos novos olhares e
novos saberes sobre o território onde habitamos.
O corpus das iniciativas da Associação enquadrou-se
em ciclos, tais como os referentes às Rotas de
Visita com a dinamização de percursos no concelho de
Aveiro, o Ciclo de Homenagens com uma exposição
ontológica a Fernando Lavrador, o Ciclo da Escrita
com a redacção de alguns artigos de opinião
publicados em jornais e revistas e ainda o referente
à emissão de pareceres sobre o património edificado
no contexto da nossa participação na Comissão
Consultiva do Património do Município de Aveiro.
Procurámos que as iniciativas se enquadrassem no
tempo e no espaço e em factos actuais por forma a
mais facilmente suscitarem a participação dos
Associados.
Procedemos ao lançamento do Livro "História do
Retábulo português" e à apresentação do Site da
ADERAV. O Prof. Doutor Francisco Lameira, da
Universidade do Algarve, acedeu amavelmente a
apresentar o seu livro "História do Retábulo
Português" acompanhado de uma lição sobre a evolução
da escultura retabular nacional, na sala do despacho
da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro.
Ao Eng. Oliveira Cardoso vai o meu enorme pedido de
desculpas pelo facto de lhe ficarmos a dever o
cumprimento e execução de um projecto de todo
interessante sobre as Rotas da Engenharia em Aveiro.
Esta acção visava redescobrir espaços e equipamentos
industriais do concelho de Aveiro, tais como
unidades fabris em laboração ou já desactivadas mas
com
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equipamentos e vestígios da sua produção "in loco".
Locais inscritos na área do "Porto de Aveiro", entre
outros. Esta acção seria uma actividade conjunta com
a Ordem dos Engenheiros (Delegação Distrital de
Aveiro), e com outras entidades a contactar.
Finalmente, o lançamento da revista
"Patrimónios", na
sua sexta edição com uma concepção interna renovada
e um novo conselho redactorial. Trata-se, no
entanto, de uma iniciativa que se tornou já uma
tradição no seio da ADERAV e a que nos cumpre dar
continuidade.
Ficou na calha, para dar
continuidade na sua gestão e posterior edição, a
obra acerca do Cluster das
Telecomunicações em Aveiro. Este projecto editorial
pretende estudar o impacto na Região de Aveiro das
telecomunicações. A obra, da autoria do Prof. Manuel
Rodrigues, regista de modo factual e documentado o
conjunto de circunstâncias que estiveram na base
para a coexistência de instituições de grande
qualidade neste domínio e nesta região.
Demos início à actualização e informatização dos
dados dos Associados a par
com o estudo e introdução de um cartão de
identificação de Associado. É permanente a
necessidade de formas de comunicação eficazes entre
os Associados, os Corpos Sociais, as Comissões e os
Grupos de Trabalho da ADERAV, algo que não
conseguimos ainda implementar mas que muito desejo
que a nova Direcção consiga deveras realizar.
Por fim quero manifestar os meus mais sinceros
agradecimentos aos elementos que constituíram os
órgãos gerentes da ADERAV nestes dois últimos anos e
sem os quais não teria sido possível realizar
quaisquer das acções supra enunciadas. A todos eles
dirijo com franco carinho e amizade os meus
agradecimentos e estima pessoal.
O processo comunicativo estabelecido dentro e fora
da Associação foi certamente
aquém do que todos esperávamos, mas a ADERAV cumpriu,
disto estamos cientes, com a sua função de
transmissor de conhecimentos, de formador, de forum
para o debate de ideias, de catalisador de
experiências múltiplas a par com as funções de recreio
e de lazer. Desejo um futuro ainda melhor para a
nova Direcção que agora assumiu os desígnios da Associação, bem como para
todos quantos se mantêm activos nas acções e objectivos desta singular e tão
significativa Associação – a ADERAV. |