José Couceiro da Costa *
|
|
|
|
Reprodução
do retrato existente na sala da biblioteca do
Colégio Militar. |
|
«...A educação moral corôa e domina toda a educação
do homem; forma o caracter, e faz frutificar a
educação physica e intellectual...»
/ 90 /
Radicada em Aveiro há séculos, a família Couceiro da
Costa foi fértil na "produção" de oficiais do
exército. Todos eles serviram com particular zelo,
dedicação e satisfação, a coroa portuguesa; de entre
eles avoluma-se a figura de José Maria Couceiro da
Costa, que paradoxalmente os elevados serviços que
prestou à pátria foram de índole marcadamente
intelectual, em detrimento de uma carreira
convencional. Esta assincronia realça de uma forma
marcadamente positiva a vida militar deste oficial
general.
José Maria Couceiro da Costa
nasceu a 06.09.1830 – Fataúnços – S. Pedro do Sul.
Filho de João Couceiro da Costa(1), (n. 10.03.1807 –
Campo Maior) general de cavalaria, barão de Paço de
Couceiro (alvará de 28.07.1870), comendador da Ordem
de Aviz, cavaleiro da Ordem de N. Sr.ª da Conceição,
cavaleiro da Torre Espada, etc., etc. ... e de sua
mulher, Dona Maria de Menezes de Mello e Castro
(natural de Fataúnços) e filha de José de Souza de
Menezes e de Dona Maria Rita de MeIo e Castro e
Figueiredo.
Neto paterno de João Couceiro da
Costa (n. 04.09.1773 – Campo Maior) tenente coronel
de infantaria, comandante da Companhia de Veteranos
da Província do Alentejo, cavaleiro da Ordem de Aviz,
etc., etc. ... e de sua mulher, Dona Joana Rosa
Viterbo de Mendonça Arraes e Almada (n. 1785 – Viana
do Castelo).
Bisneto paterno de António
Lançarote Couceiro da Costa(2) capitão de cavalos na
praça de Campo Maior (n. 28.06.1746 – Cacia –
Vilarinho), de sua mulher Dona Mariana Antónia
Narcisa de Andrade e Castelo.
Trineto de João Couceiro
Lançarote Coelho da Costa(3) administrador dos
vínculos da Morraceira(4) e Vilarinho(5) (por
sucessão do Rev. Pe. Pedro Couceiro da Costa) de
Santa-Cruz(6) e Ceboleira(7), (por sucessão de seu
pai), todos em Aveiro e seu termo, e de sua mulher
Dona Tereza Quitéria de Figueiredo e Silva(8).
Em 1839 matriculou-se no Colégio
Militar, em Lisboa, completando o curso em 1847
passando para a Escola Politécnica e matriculando-se
também na Escola do Exército.
/ 91 /
Em 1856 ficou habilitado a ingressar no Corpo de
Engenharia do exército, o que no entanto só o fez em
1864.
|
|
|
|
A
Casa de Vilarinho, em Cacia. Fotografia de 28 de
Setembro de 1937. |
|
A 31.03.1857(9) toma posse da
cadeira de Geografia Cronologia e História no
Colégio Militar. Aos 04.02.1858(10) é nomeado, por
concurso, professor de Matemática e aos
17.02.1860(11) foi provido na efectividade de Lente
Proprietário da cadeira de Matemática no mesmo
Colégio Militar (C.M.). Pugnando pelos interesses e
direitos dos professores do C.M., expôs ao Rei, por
uma petição de 08.06.1866(12), a situação
discriminatória que os lentes do C.M. sofriam na sua
remuneração anual relativamente aos da Escola
Politécnica e da Escola do Exército; mais pedia que,
caso não fosse reposta a justiça subir aos
degraus do throno para entregar nas mãos de Vossa
Magestade a espada, que me foi confiada para usar
com honra militar, e que entrego impoluta.
Situação resolvida e já em
11.06.1866(13) o vemos a remeter ao Rei para
aprovação o Compendio de Geometria Elementar
para ser ministrado exclusivamente aos alunos do C.M.
em virtude de os compêndios em uso estarem
desajustados, pelo que solicitava a intervenção do
Conselho Geral da Instrução Militar.
/ 92 /
A sua profícua acção na reorganização do ensino,
nomeadamente no C.M., leva-o a publicar um vasto e
importante conjunto de obras com Tratado de
Aritmética; Arte de contar e rudimentos da
Aritmética usual; Noções gerais dos sólidos
geométricos; Tratado de Geometria elementar,
Geometria Pura; Aplicações de Geometria elementar;
Tratado de Trigonometria rectilínea; Geometria
aplicada, etc., etc...
Com 37 anos de idade
(27.04.1868)(14) em atenção ao seu distinto mérito,
aos relevantes serviços prestados no professorado,
assiduidade no magistério e a ser autor de
compêndios úteis ao ensino, foi agraciado pelo Rei
Dom Luís I como cavaleiro da Ordem Militar da Torre
e Espada, do valor, lealdade e mérito.
Na prossecução dos seus intentos
reformadores do ensino, deparou-se com grandes
resistências à mudança por parte de alguns dos seus
superiores hierárquicos; não fosse a sua conduta
rectilínea, mas de uma total clareza de objectivos e
superior argumentação, teria sido afastado do C.M.
como consta de uma sindicância que contra ele moveu
em 1872 o general José Paulino de Sá Carneiro,
director do C.M.(15).
Pedagogo de brilhante erudição,
ensaísta quer das ciências meramente especulativas
quer das ciências sociais, a sua lúcida exposição e
a réplica pronta à mais pequena observação, revelam
a vivacidade e a maleabilidade da sua poderosa e
fecunda actividade intelectual.
Marco miliário da evolução do
ensino das matemáticas em Portugal(16), o seu
pensamento de feição marcadamente positivista leva-o
a estabelecer uma transição insensível nos estudos
matemáticos entre os diferentes graus, amplamente
tratado nas suas obras Elementos de Matemática
e O Método prático de calcular e a
Geometria prática, acentuando também o princípio
filosófico de que a Aritmética e a Geometria são
instrumentos essenciais da arte, da ciência e da
civilização. Inspirado em Wronski(17), concebe a
ideia de lançar no ensino a semente da Geometria
moderna e o gosto pelo seu estudo.
Não só no campo da abstracção
pura se deteve, pois quando se debruçou sobre os
poliedros estrelados foi além de célebres geómetras
como Poinsot(18) e Cauchy(19) , construindo ele
próprio em cartão os primeiros modelos destinados ao
ensino oficial, que os apresentou à Congregação
Literária do Colégio Militar em 05.12.1858.
Lamentavelmente, só muitos anos passados é que os
mesmos modelos foram adoptados para o ensino, sendo
que as primeiras réplicas dos modelos foram feitas
em buxo na Escola Industrial Marquês de Pombal.(20).
/ 93 /
Reprodução das armas que se encontram na berlinda
cupé dos morgados de Vilarinho, hoje no Museu de
Aveiro, por doação da Sr.ª Dona Maria Amélia
Couceiro da Costa, filha de Francisco Manuel
Couceiro da Costa, último morgado de Vilarinho.
O espírito cientista de J. M.
Couceiro da Costa, o hábito dos raciocínios sobre as
abstracções puras das especulações das ciências
exactas e a sugestão das ideias do Nada e do
Infinito filosófico levam-no a escrever Filosofia
das Matemáticas.
Em 21.11.1883 foi o lente
convidado para proferir o discurso da sessão de
abertura desse ano lectivo; ao longo das 39 páginas
trata de forma magistral os mais prementes aspectos
da prática educativa, com uma actualidade ainda
notável. Traduzirá talvez este texto a globalidade
do seu pensamento educativo.
Em 1903(21) redige Factos e
teorias – Dissertação poligráfica em convergência
monística, uma análise ponderada de uma extensa
série de factos e teorias sobre os mais variados
problemas de cosmogonia, da física, da biologia e da
sociologia, subordinada sob o ponto de vista
filosófico ao idealismo de Kant.
Em 1905 publica These
Sociológica (22) , abordando o tema de
edificações de prédios para rendas económicas,
alertando desde logo para o facto de países como
Inglaterra, França, Itália, Allemanha, nos estados
Norte Americanos, etc., as associações constructoras
de casas económicas visam o interesse do capital, e
não se regem por pensamento algum de moralidade,
civilização, e patriotismo, tecendo na segunda
parte da obra "Critérios de Pura Razão"
considerações sobre a moralidade, civilização e
patriotismo das sociedades, e em especial, a
portuguesa.
O General José Maria Couceiro da
Costa foi casado com Dona Natália Francisca
Rodrigues Galhardo, morrendo sem deixar geração a
26.06.1911 em Lisboa, tendo ainda em sua vida sido
comendador da Ordem de Cristo e cavaleiro da Ordem
de Aviz.
/ 94 /
Em sua honra instituiu o Liceu de Viseu o prémio
anual "Couceiro da Costa" para o aluno com a mais
alta classificação a Matemática, sendo certo que
ainda em 1920 foi atribuído.(23)
Sou metafísico, idealista,
sim, mas dentro da Natureza, onde se arquivam os
princípios do meu dogmatismo; a que só renuncio
quando a mesma Natureza me faz conhecer o falso
critério da minha Razão.
|
|
|
|
fac-símile da sua assinatura – 08.06.1866 |
|
______________________________________
* José Cardoso de Menezes
Couceiro da Costa. Licenciado em Business
Administration, pela European University. –
Administrador de Empresas – Do Instituto Português
de Heráldica – Da Associação Portuguesa de
Genealogia.
(1) – Foi seu padrinho João
Agostinho Couceiro da Costa, nascido na Esgueira a
05.04.1767, falecendo na sua casa de Aveiro, no cimo
da Rua Larga, a 23.05.1825, tenente-coronel de
cavalaria, filho herdeiro e sucessor na Casa de seu
pai o coronel Francisco Manuel Lançarote Couceiro da
Costa, cavaleiro professo na Ordem de Aviz,
administrador dos vínculos de Vilarinho, Morraceira,
Santa-Cruz e da Ceboleira, bem como de sua mãe, a
Dona Joana Eufrásia de Moura Coutinho Almeida e
Castro.
(2) – Foi baptizado com o nome de
Isidoro, em honra ao seu tio o Dr.lsidoro José
Valente de Figueiredo; presume-se que após o seu
crisma terá adoptado o nome de António.
(3) – Filho de Luís Couceiro
Lançarote Coelho, capitão da Companhia da Nobreza do
Estado do Maranhão, Juiz dos Órfãos em São Luís do
Maranhão, e de sua mulher Dona Mariana de Barbosa. É
este João Couceiro Lançarote Coelho da Costa é 6°
avô na varonia do autor destas linhas.
(4) – Instituído pelo prior de
São Julião de Cacia, o Pe. Fernão de Afonso, a
23.10.1534 a favor de sua filha Genebra Fernandes
legitimada por Dom Manuel I em 08.03.1521.
(5) – Instituído por Dona Leonor
Couceiro da Costa, por testamento de 09.06.1665.
(6) – Instituído por António
Gonçalves e sua mulher Isabel Dias, a favor de sua
filha Felipa Antónia, no ano de 1572 – (ANTT – Chanc.
D. Sebastião, Lv. 44, fl. 80).
(7) – Instituído pelo Licenciado
José Coelho, por testamento de 04.07.1623.
(8) – Viúva de Manuel Couceiro da
Costa, morgado de Vilarinho e da Morraceira.
(9) – Arquivo Histórico Militar –
3ª divisão, 7ª secção, caixa 640
(10) – idem
(11) – idem
(12) – idem
(13) – idem
(14) – Ordens do Exército – ano
1868 – pág. 152
(15) – Arquivo Histórico Militar
– 3ª divisão, 7ª secção, caixa 640
(16) – Costa, Alfredo Augusto de
Oliveira Machado e – Elogio Histórico do General
José Maria Couceiro da Costa – Lisboa, 1915 – pág.
10.
(17) – Jozef Wronski, matemático
polaco – 1778/1853.
(18) – Louis Poinsot, matemático
francês –1777/1859.
(19) – Augustin Louis Cauchy,
matemático francês – 1789/1857
(20) – idem, pág. 13.
(21) – Inédito dedicado a Carlos
Adolpho Marques Leitão – Lisboa, Dezembro de 1903.
(22) – These Sociológica –
Synopse extrahida d 'um manuscrito de
correspondência particular entre dois professores
militares – Tipografia da Cooperativa Militar –
Lisboa, 1906.
(23) – O aluno galardoado foi
João Afonso Brandão de Almeida, com a classificação
de 20 valores, o distinto cirurgião Dr. João de
Almeida, que durante 50 anos dirigiu a Casa de Saúde
da Boavista, no Porto. |