No
dia 26 do corrente realiza-se o primeiro centenário
do nascimento de José Estêvão.
Não é num retalho de papel
que se pode fazer a história desse homem, que teve a
glória de ser o mais notável dos Aveirenses.
Ninguém
ignora nesta terra que ele demonstrou ser um destemido
e heróico soldado da revolução liberal, tendo-se alistado, em 1826 e 1828, no batalhão académico, seguindo
toda a campanha das ilhas; desembarcando na praia do
Mindelo, entrando na revolução de Setembro em 1836,
promovendo a revolução de 1844, tomando parte na
revolução de 1846 e acompanhando de alma e coração
o movimento civilizador da regeneração em 1851, que
implantou no país uma época de paz e progresso em
1837, revelou-se desde logo um tribuno extraordinário,
até à hora da sua morte ocupou sempre, com um brilho
notabilíssimo, a sua cadeira na Câmara.
Foi no conceito dos seus contemporâneos, quer fossem amigos,
inimigos ou antagonistas, o maior orador parlamentar
português.
Nomeado professor de Economia Política da Escola Politécnica de
Lisboa, as suas lições ficaram memoráveis pela
lucidez e elevados conceitos, honrando o professorado.
Serviu com denodo e competência na arma de artilharia enobrecendo
pelas suas virtudes a classe militar.
Tendo-se formado em Direito, a sua passagem pelo foro deixou um
rasto de luz, porque não só a sua eloquência era
arrebatadora, mas porque a sua palavra defendia sempre
causas nobilíssimas, pugnando no tribunal, como no
parlamento e nos campos de batalha, pela justiça e
pelos oprimidos.
Um só exemplo o demonstra. Em 1843, defendeu calorosamente e
sinceramente o Portugal Velho, jornal
miguelista, registando-se esse discurso como um dos
mais empolgantes da sua larga carreira triunfal.
Como cidadão, nunca houve alma mais pura e acrisolada, como
patriota, são lapidares a veemência e o aticismo
desse discurso monumental sobre o aprisionamento da «Charles
et Georges», quando verberou a ousadia da França;
como chefe de família, as suas virtudes traduziam-se
na maior dedicação e respeito pelo pai, na maior
dedicação e carinho pelos irmãos e no maior enlevo
e amizade pela esposa e filhos.
Como aveirense, o amor pela sua terra era nele um sentimento
religioso, intenso, profundo e vasto, que o dominava e
transfigurava completamente. - Entre outros
melhoramentos devemos-lhe a passagem do
caminho-de-ferro e o Liceu Nacional.
O seu coração latejou sempre com energia em todas as crises políticas;
a sua alma piedosa, caritativa e heróica pugnou
indefectivelmente pelo bem, pela verdade e pelo belo.
Aveirenses! A 26 do corrente, nesse dia solene, urge
que todas as pequeninas contendas partidárias se
interrompam, fazendo tréguas os inevitáveis dissídios
locais. Torna-se necessário que todos nós, batendo
no peito com orgulho, proclamemos que somos conterrâneos
do grande orador, com a mesma sobranceria com que os
do antigo mundo latino se orgulhavam de serem cidadãos
romanos.
Que cada casa embandeire; que cada frontaria ilumine e que, ao
desfilar do cortejo, as colchas enfeitem as janelas e
as flores desçam sobre os visitantes, sobre a família
de José Estêvão e sobre as relíquias da Comissão
da estátua erecta no
Largo Municipal. Que esta unanimidade prove a nossa gratidão.
Não nos envergonhemos da nossa pobreza; tenhamos, porém pejo de não
acompanharmos os festejos, segundo os modestos
recursos individuais.
Apelamos para os sentimentos generosos, dedicados, entusiastas e
cavalheirescos dos nossos patrícios. Não precisamos
recordar-lhes o seu dever e confiamos plenamente que,
mais uma vez, Aveiro provará quanto preza a memória
do mais célebre e estremecido de seus filhos.
Aveiro, 11 de Dezembro de 1909.
A Comissão dos festejos»
In: «Arquivo do Distrito de Aveiro»,
vol. XXVIII, 1962. |